Jô Soares riu por último. O futebol se vingou dos seus detratores: fechou as portas para Abelão e Luxa. Trouxe Jesus e Abel Ferreira
No último programa na TV, Jô ousou, depois do fracasso da seleção na Rússia, dizer que os técnicos brasileiros precisavam se reinventar. Foi massacrado pelos ultrapassados Abelão e Luxa. O tempo provou quem estava certo
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
"A Copa do Mundo [da Rússia[ foi assustadora.
Para todos da profissão de treinadores [no Brasil]."
A genialidade de Jô Soares também se mostrou no futebol. E de forma premonitória.
Aos 80 anos, e já doente, sem a energia nem a verve habitual de quem trabalhou, de quem esteve no ar desde 1954 até 2018, ele ousou ser sincero, usar toda a sua credibilidade para apontar, de forma corajosa, o que os técnicos brasileiros não queriam ouvir.
O fato de estarem ultrapassados, parados no tempo, e de que o futebol deste país precisava, desesperadamente, do intercâmbio, da chegada de técnicos estrangeiros, para ensinar, modernizar a maneira como os times têm de jogar para competir no futebol moderno.
Jô ousou expor o que pensava de treinadores vitoriosos, mas que estavam no final da carreira, formando equipes decadentes. A ponto de ficarem sem espaço para seguir trabalhando: Abel Braga e Vanderlei Luxemburgo.
Jô era o convidado especial do programa Debate Final: Especialistas, durante a Copa do Mundo, na extinta TV Fox Sports. Um dos âncoras, além de Téo José.
Nos bastidores da emissora, a cúpula acreditava que a genialidade e o bom humor de Jô Soares conseguiriam atrair patrocinadores, público e deixar leve, divertida, interessante a análise dos jogos da seleção de Tite, feita por treinadores profissionais.
Só que o resultado foi péssimo, constrangedor.
Jô Soares acabou repelido, tratado como um "estranho no ninho", pessoa sem nenhum conhecimento para questionar taticamente a seleção, muito menos os técnicos brasileiros.
Assistir aos debates era dolorido diante da postura arrogante de Abel e Luxemburgo. Eles faziam questão de defender o indefensável. O atraso tático dos times no país, que se refletia na seleção, por conta de os dirigentes da CBF ficarem presos à xenofobia, não assumirem que os treinadores brasileiros copiam, com atraso, estratégias que os europeus desenvolvem.
Elegante, evitando o confronto, querendo, talvez, seguir trabalhando na TV, Jô Soares aceitou ser atacado, sem revidar publicamente. Assistir foi um sofrimento.
O projeto foi um fracasso retumbante para a Fox Sports.
Mostrou quanto Abel Braga e Vanderlei Luxemburgo pressentiam que haviam se tornado obsoletos.
E quanto Jô Soares saiu ferido, desrespeitado.
Se não tivesse 80 anos, sem espaço na TV e doente, a situação provavelmente seria outra, e ele teria enfrentado seus questionadores.
Nunca mais quis saber de projetos que envolvessem futebol.
As pessoas que trabalhavam na Fox Sports contaram ao blog a angústia, o desconforto, a tristeza de Jô Soares.
Apesar de uma vida riquíssima, de uma carreira fabulosa, ele não se esqueceu do que viveu naquele curto e massacrante período do fracasso do Brasil na Copa da Rússia.
Resumiu o que sofreu na sua biografia.
"Alguns tentaram me desqualificar como interlocutor, pois eu nunca havia estado num vestiário ou num campo, e era um mero palpiteiro (isso sou mesmo). Esperei o último programa e disse pra eles uma palavra preciosa: cautela!"
"Nunca houve um ciclo tão longo de predomínio do futebol europeu nas Copas. Como não há nada a aprender com isso? Eu aprendo todo dia. Saio na rua e sempre trago uma lição nova para casa. Descubro alguma coisa nova com pessoas na rua."
"Continuo pesquisando e procurando me atualizar em tudo. Não existe mais nenhuma atividade humana em que se possa progredir sem aprendizado permanente. Eu disse aos técnicos: 'Claro, pra vocês a minha opinião conta. Eu sou apenas aquele que compra o ingresso?'"
Jô Soares foi preciso mais uma vez.
Chegaram, depois da Copa do Mundo, Jorge Jesus e Abel Ferreira, europeus, portugueses, capazes de vencer as três últimas Libertadores. Brasileiro, Copa do Brasil, duas Recopas Sul-Americanas, SuperCopa do Brasil, Campeonatos Cariocas e Paulistas.
Ensinaram aos treinadores brasileiros as exigências táticas do futebol mundial. Como usar intensidade, preenchimento de espaço, utilização das linhas de marcação e ataque, obrigar jogadores a ter duas, até três funções táticas. O estudo profundo da preparação física, da medicina esportiva, da psicologia.
E ficou claro que não haveria mais espaço para Abel Braga e Vanderlei Luxemburgo.
Os dirigentes entenderam que a maneira de trabalhar dos dois estava ultrapassada.
Não adiantou a demonstração constrangedora de corporativismo, ou seja, a tentativa de deixar o mercado brasileiro como estava, mesmo depois de 20 anos sem conquistar uma Copa do Mundo. Há nove anos sem clubes deste país conseguirem ser campeões do planeta.
Jô Soares estava certíssimo na sua análise do futebol brasileiro.
Foi massacrado ao vivo, na Fox Sports, mas teve tempo de ver quanto estava correta sua visão.
A necessária chegada dos "professores" europeus.
E a decadência dos seus detratores.
José Eugênio Soares foi vingado dos últimos momentos do derradeiro projeto na televisão deste país.
Coube ao futebol fazer justiça.
Fechando as portas para o atraso tático de Abel e Luxemburgo.
Abrindo para a chegada de Jorge Jesus, Abel, Sampaoli, Vojvoda.
Tite pôde aprender sem precisar fazer estágio na Europa.
"Viva o Gordo"...
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