São Paulo, Brasil
Deu tudo errado.
A proposta do documentário Neymar, o Caos Perfeito era mostrar a pressão imensa com a qual o jogador, que fará 30 anos daqui a seis dias, convive.
E o quanto ele é injustiçado pelos jornalistas, que não o respeitam como deveriam.
Ainda o perseguem.
Mas, com o passar das três horas, fica evidente. O tiro saiu pela culatra.
A minissérie de três episódios evidencia o quanto a carreira de um dos mais talentosos jogadores brasileiros de todos os tempos é mal conduzida.
Misturando amor com controle absoluto, Neymar Silva, seu pai, é o grande responsável pela infantilização do jogador. Assumidamente mimando o filho, tomando a frente nas grandes questões não só da carreira como da vida, ele tirou qualquer iniciativa de Neymar.
Acreditou que bastaria ele jogar seu futebol espetacular. E, aproveitando o momento midiático que o mundo vive, o pai/empresário conseguiria tirar o máximo de dinheiro possível. Muito mais do que o filho ganharia nos clubes.
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Neymar não tem um patrimônio cerca de 20 vezes maior que o de Pelé por acaso. São mais de 200 pessoas empenhadas em aproveitar os mais de 220 milhões de seguidores nas redes sociais. Passando dos R$ 300 milhões.
O jogador mais caro de todos os tempos.
A ESPN americana já o apontou como o quarto atleta mais conhecido do mundo. Atrás apenas de Cristiano Ronaldo, Messi e Lebron James, seu amigo e um dos produtores do documentário.
O que é uma façanha histórica para quem nasceu em Mogi das Cruzes, filho de ex-jogador de equipes pequenas e que teve de trabalhar como mecânico e pedreiro, até o herdeiro começar a atuar.
Mas o preço foi alto.
O foco em ganhar o máximo de dinheiro, permitir que o filho bancasse amigos para protegê-lo na Europa e em todos os lugares para onde viajasse, e cuidar pessoalmente de cada contrato de publicidade, de trocas de clubes, acabou com o casamento de Neymar Sênior.
E o distanciou de Neymar.
"Ele sempre cuidou de mim 24 horas por dia. Chega um momento em que você não quer tanto aquilo [o empresário]. E acaba perdendo o pai", confessa o jogador no documentário.
Na série, fica escancarado como é fria a relação entre os dois.
A família que era muito unida, pai e mãe, filho e filha, sofreu um choque com o fim do casamento, anos atrás. Com direito a Neymar Sênior e Nadine, a mãe, assumirem namoros publicamente, nas redes sociais.
É dado um espaço gigantesco e incompreensível a Neymar Sênior no documentário. Ele tenta justificar o fim da união da família com sua luta para transformar o filho em uma "empresa".
O que foi um fracasso.
Porque ele mesmo diz que, quando Neymar acabar a carreira, daqui a uns "oito anos", não o quer como apresentador. Que desfrute apenas do dinheiro que juntou. E seja "um Michael Jordan". Ou seja, viva de publicidade e com a renda milionária dos inúmeros negócios.
Mesmo com os escândalos tocados superficialmente, como a acusação de estupro de Najila Trindade, ou "esquecidos", como a troca da Nike pela Puma, com outra acusação sexual, o resultado é ruim para Neymar.
Mostra o que ele tanto negou, que deixou o Barcelona para sair da sombra de Messi, depois da virada fabulosa, contra o próprio PSG, por 6 a 1, nas quartas de final da Champions League, em março de 2017. Embora o brasileiro tenha sido o protagonista, o documentário mostrou que todas as capas de jornais europeus mostravam Messi como o responsável pelo jogo fantástico.
Foi a gota d'água para ir jogar em Paris, em julho do mesmo ano. Com seu pai aceitando que o PSG pagasse sua multa rescisória de 222 milhões de euros, cerca de R$ 1,3 bilhão, sem o Barcelona ficar sabendo.
E, depois, Neymar assumindo que foi um erro ter ido para o PSG, oferecendo do próprio bolso 20 milhões de euros, R$ 119 milhões, para ajudar o Barcelona a comprá-lo de volta.
Foi uma das únicas tomadas de decisão de Neymar.
Que não deu em nada, como todos sabem.
Dentro de campo, a raiva na conquista da medalha de ouro fica evidente quando Neymar Sênior diz que as pessoas estão riscando o nome do filho para colocar o de Marta, em 2016. E o documentário mostra a "comemoração especial" ao bater o último pênalti contra a enfraquecida Alemanha que veio à Olimpíada.
Neymar dizendo aos jornalistas: "Agora vocês vão ter de me engolir".
Na ansiedade para mostrar o quanto o atacante sofreu com contusões sérias no Mundial de 2014, o documentário deixa escapar o que ninguém sabia. E foi escondido da imprensa.
Neymar jogou com as "costas travadas" na Copa da Rússia, de acordo com ele, ainda resultado da fratura na vértebra durante o Mundial do Brasil. Ou seja, quatro anos depois, Neymar ainda sentia dores.
Fica transparente na série por que Lewis Hamilton decidiu demitir o pai, Anthony, como empresário.
"Preferi ficar só com o meu pai", relembra o piloto. O rompimento aconteceu em 2010, quando ele já era campeão mundial. Hamilton ganhou mais seis títulos, sem o pai comandando sua carreira.
Gabriel Medina também resolveu dispensar o padrasto, apesar do bicampeonato mundial, depois de 15 anos trabalhando juntos e dois títulos mundiais.
Neymar Sênior deixa claro que não deixará o comando da carreira de Neymar.
Por um motivo simples.
Ele o considera "ingênuo" para o mundo das negociações no futebol.
"Não posso desistir dele, porque vai ser corrompido por alguma coisa, manipulado por alguma coisa, pela inocência que ele é."
Mas foi Neymar Sênior mesmo que criou o mundo de Neymar, o fez ficar à parte da realidade, o mimou como a um adolescente que só sabe jogar futebol e ir para as baladas.
Um empresário sem laço familiar não faria isso. Cobraria Neymar como profissional. E seria cobrado.
O documentário deixa claro o quanto essa ingerência, esse controle ditatorial do pai de Neymar, fez com que ele não tivesse as cobranças para ser um jogador muito além do que é.
Poderia, sim, ter sido o melhor do mundo, não só uma vez. Mas faltou dedicação fora dos gramados. Ela nunca aconteceu.
As baladas serviram como distração para que ele não pensasse em negócios, nas decisões mais sérias de sua vida.
Daí a infantilização, a síndrome de Peter Pan de Neymar, mergulhado em jogos online, pôquer, boates, quando não está treinando ou atuando.
O tiro saiu pela culatra.
O documentário não mostra alguém perseguido pela imprensa, desrespeitado.
Mas um homem, às vésperas de completar 30 anos, dominado pelo pai.
Com referências adolescentes a Batman, herói de histórias em quadrinhos.
E é nele que o Brasil aposta para ser o comandante da seleção na luta para acabar com o jejum de 20 anos sem títulos mundiais.
Que tenha liderança, atitude, personalidade dentro e fora de campo.
Mas Tite já sabe e não tem como dizer não.
Neymar Sênior estará como nos Mundiais de 2014 e 2018, com livre acesso aos treinos e até ao hotel onde a seleção brasileira ficará no Catar.
O camisa 10 do Brasil é o único com o que parecia ser um privilégio. Mas o documentário mostrou que se trata de uma necessidade. Ele precisa do seu pai por perto para dizer o que fazer.
Está corretíssimo o título da série.
Neymar, o Caos Perfeito...
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