De imigrante ilegal, cortador de cana, deportado a campeão do UFC, aos 42 anos. O incrível Glover Teixeira
O brasileiro Glover Teixeira chocou o mundo das lutas, ontem em Abu Dhabi, ao vencer o polonês Jan Blachowicz com um mata-leão. É o novo campeão dos meio-pesados do UFC. Aos 42 anos de uma vida surreal
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
Aos 42 anos e dois dias, brasileiro, nascido na minúscula Sobrália, em Minas Gerais, cortador de cana, imigrante ilegal, levado por "coiotes" para invadir os Estados Unidos, se tornou campeão meio-pesado do UFC.
Glover Teixeira segue fazendo de sua vida o roteiro de um filme que seria inacreditável para quem não o conhece.
Vencer Jan Blachowicz com uma finalização perfeita, o braço direito encaixado no pescoço do polonês enquanto o esquerdo fazia a alavanca, no mais puro "mata-leão", obrigar o campeão a desistir da luta, abrir mão do seu cinturão para o brasileiro, foi um espetacular feito na história das artes marciais.
Só que a vitória de Glover, ontem em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, é mais do que vencer um excelente adversário, aos 42 anos. Não, muito mais.
No mundo do UFC, ele conseguiu dobrar Dana White. Desde 2002, quando o norte-americano assumiu a presidência do evento, ele o transformou em uma fábrica de ganhar dinheiro. Explorando o entretenimento para vender lutas no pay-per-view.
Dana não teve escrúpulos de manter o UFC sem ranking por 11 anos. Ou seja, ele escolhia os combates que dariam mais lucros na tevê. Não importava a justiça, o merecimento. A estratégia deu certo, até que ficou ridículo.
As comissões de lutas, a imprensa e os lutadores pressionaram Dana para que fosse criado o ranking em 2013.
Mesmo assim, o norte-americano, que segue escolhendo os combates, apesar do ranking, evitava especialistas em "lutas agarradas". Não queria campeões, especialistas em jiu-jítsu que não tivessem "pegada na trocação", ou seja, que não soubessem dar socos e chutes fortes, que chamassem a atenção do público. Acreditava que não venderiam pay-per-view.
Com a carreira de boxeador ruim, ele não levava em consideração a técnica. Ele sempre quis combates violentos, cinematográficos.
Três brasileiros foram especialmente prejudicados: Ronaldo Souza, o Jacaré, Demian Maia e Glover Teixeira. Jacaré esteve "congelado" por anos e anos, sem ter a chance de lutar pelo título no auge da carreira. Ele e Demian tiveram de mudar de estilo, passar para os socos e pontapés. E, apesar de geniais no jiu-jítsu, não chegaram aonde mereceriam estar.
Glover, no entanto, que já havia superado dificuldades que poderiam ter acabado com sua vida, enfrentou e conseguiu dobrar Dana White. O que fez nos seus 42 anos é algo incrível, como o blog detalhou em maio de 2020.
"Nascido em Sobrália, interior de Minas Gerais, em uma família humilde. Muito pobre. Para sobreviver, cortava cana. E domava cavalos. Até que decidiu, aos 19 anos, mudar a sua vida. E a de sua família.
Entraria nos Estados Unidos de qualquer maneira. Seguiu o caminho de muitos brasileiros que vivem na região do Vale do Rio Doce. E que consumiu 43 dias. O plano foi impressionante.
Ao preço de US$ 8.500, cerca de R$ 53.000, pagos a coiotes, criminosos especialistas em levar pessoas clandestinamente aos Estados Unidos.
Pagos nos dois anos seguintes, com o dinheiro que conseguisse no novo país.
'Vim para os Estados Unidos com coiotes, travessia pelo México. A gente viaja por alguns países, Colômbia, Guatemala... e depois fica no México e lá pega o coiote que te ajuda a fazer a travessia no deserto. A gente espera a neblina baixar um pouco para ficar difícil para o pessoal da imigração ver.
(...) Glover revelou que os coiotes disseram que ele teria desconto de 50% caso aceitasse transportar uma mochila. O lutador disse que não aceitou.
É comum, e pelo visto não coincidência, muitos imigrantes ilegais serem presos carregando cocaína em mochilas. E aí passam a ser considerados traficantes. Em vez da simples deportação, podem perder anos de sua vida presos.
Glover trabalhou como jardineiro e carpinteiro, até que, muito forte, foi treinar boxe. Daí, decidiu treinar jiu-jítsu, conheceu Chuck Liddell. Queria entrar no UFC. Mas foi descoberto pela imigração e teve de voltar ao Brasil.
Deportado.
Acreditou que ficaria só um mês por aqui. Foram três anos e meio, até obter o visto de trabalho. E ele era casado com uma norte-americana. Sua entrada ilegal foi o que o atrapalhou.
Fez dez lutas no Brasil. Com desempenho impressionante. Ganhou as dez. E foi para o UFC, em 2012. A partir daí, sua vida mudou."
Depois de quatro lutas e quatro vitórias, sem adversários à altura de Jon Jones, no auge, Dana White pôs Glover Teixeira, sem vivência no UFC, para lutar pelo cinturão. A escolha foi surpreendente, pela falta de experiência no principal evento de MMA no mundo. Ele não estava pronto. Dana sabia. E queria mostrar ser democrático dando chance aos especialistas em jiu-jítsu.
Glover surpreendeu, conseguiu resistir a cinco assaltos com Jones, em abril de 2014. E perdeu.
O brasileiro acreditou que havia perdido a chance de sua vida. Seguiu treinando forte mas se perdeu com a vida de festas e dinheiro nos Estados Unidos.
"Bebia uma garrafa de uísque nas festas", admite.
Nesse período, alternou vitórias com derrotas.
Seguia ganhando dinheiro, mas sem o brilho no octógono que poderia ter.
Quando percebeu que estava se sabotando, deu outra virada na vida, a partir de 2019. Decidiu voltar a ser atleta, aproveitar seu talento. Renasceu.
Foram cinco vitórias seguidas. A principal sobre Thiago Santos, o Marreta, com um mata-leão no terceiro round. E se credenciou à nova luta valendo o cinturão.
Dana White o enrolou por 11 meses, mesmo sabendo que tinha 41 anos. Até que ontem o pôs para enfrentar o polonês Jan Blachowicz. Dominante, Glover surpreendeu o mundo e Dana.
Desde março de 2007, o UFC não tinha um campeão tão idoso. Randy Couture venceu Tim Sylvia no UFC 68. O disputado ontem foi o UFC 267, ou seja, 199 torneios depois, Glover venceu.
Depois de sete anos, após perder para Jon Jones, o brasileiro que entrou nos Estados Unidos como imigrante ilegal, foi deportado, voltou, é campeão do UFC, aos 42 anos.
História fantástica.
Inacreditável.
Campeão dos meio-pesados, até 93 quilos, do UFC.
Glover Teixeira tem de ser reverenciado.
Não só como atleta.
Como ser humano.
"É preciso ter o sonho. Mas lutar por ele.
"Não adianta ficar sentado sonhando", ensina...
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