‘Comigo o Santos nunca perderia por 6 a 0. O Neymar está sozinho. Me dói ver o Santos de hoje. O time não pode cair de novo.’ Exclusiva com Juary
O ídolo santista está muito preocupado. E assustado com a situação do clube. Além de falta de talento dos jogadores, cobra personalidade, luta, entrega. ‘Eles estão vestindo a camisa do grande Santos. Não é qualquer um que poderia vestir essa camisa’
Juary sempre foi direto.
Jogador de muito talento, velocidade, goleador. Atrevido, homem de personalidade forte, um líder.
Com seu 1m62, não se amedrontava diante da violência dos zagueiros, que nas décadas de 70 e 80 tinham licença poética para entradas violentíssimas.
Respondia com gols.
Marcou história no futebol.
É venerado no Porto. Deu assistência e marcou o gol decisivo na final da Champions League, contra o Bayern de Munique, em 1987.
Vitória marcante que levou o clube ao título mundial, diante do Peñarol.
Jogou no Avellino, na Inter de Milão, no Ascoli, Cremonese, Portuguesa, Moto Clube, Vitória.
Mas foi no Santos que encontrou o ‘clube de sua vida’.
“Minha família dividia ovos para sobreviver. Sim, pegava um ovo e dividia para duas pessoas. Se não fosse o futebol, tenho certeza que poderia acabar mal. O tráfico já era o caminho para os jovens da minha idade, onde eu morava, no Rio. Muitos amigos meus daquela época já estão mortos.
“Por racismo, que sofri no Fluminense, quase não jogo futebol. Foi tão traumatizante para um garoto, que eu já tinha desistido. Até que meu pai me levou, sem avisar, para o Santos. E minha vida mudou. Como não vou amar esse clube?”
Juary mostrou talento desde os primeiros treinos. ‘Como o meu amigo João Paulo te falou, tudo era muito difícil na Vila Belmiro. Por conta do fantasma do Pelé. Todos tinham medo que o Santos não voltasse a vencer, depois que ele se despediu e foi para o Cosmos.
“Mas o Pelé amava o Santos. Vinha treinar quando estava no Brasil. Eu tive o privilégio de treinar com ele. O maior de todos os tempos. Me ensinou muito. Principalmente a disciplina, o segredo para desenvolver aquele talento especial que Deus deu para ele. Ele treinava mais do que todos. Era um atleta perfeito. Incrível.“
Juary sabe o quanto foi importante na história do Santos, o título paulista que conquistou em 1978.
“O clube estava na fila desde 1973, quando dividiu o Paulista com a Portuguesa, por um erro do Armando Marques. O tempo não era longo. Mas ninguém acreditava no Santos sem o Pelé. E estava uma bagunça, por conta desse medo. Havia gente demais. Chegamos a ter quatro times treinando, para serem escolhidos 11 para jogar.”
O segredo, para Juary, foi a geração de atletas que se juntou. E sob o comando de Chico Formiga. ‘Ele não era um estrategista. Mas soube, como ninguém, juntar o talento dos garotos que estavam no Santos. Eu, João Paulo, Nilton Batata, Pita. E o Aílton Lira, que não era jovem, mas tinha um potencial incrível. Daí surgiram os ‘Meninos da Vila’. Formamos um time maravilhoso. Ofensivo, vibrante. Fomos campeões, empolgamos o país. Eu fiz 29 gols.“
Por necessidade financeira, o time durou pouco, com a direção vendendo suas principais peças.
“Jogador, antes da lei Pelé, era tratado como escravo. Fui vendido para o México, sem querer. Estava acertado com o Flamengo. Mas fui para o Universidade de Guadalajara, antes de ir jogar na Itália.“
No futebol italiano, reencontro com o racismo.
“Fui um dos primeiros negros estrangeiros por lá. Me chamavam de macaco. Já era homem feito, não me afetava mais. No futebol era comum.” Juary revela que teve um encontro com Telê Santana e soube que perdeu a Copa de 1982 por conta de uma contusão.
“O Telê me disse que iria para a Itália para me ver. Eu fazia parte dos seus planos.”
Juary teve uma carreira importante. Mas, como muitos jogadores, foi enganado por assessores. Perdeu muito dinheiro. Não gosta de revelar quanto. Foi trabalhar na base do Santos. Atualmente está em um projeto com garotos, em Curitiba, de onde veio para São Paulo, só para esta entrevista. Uma honra para este jornalista.
E, lógico, falou do atual momento do Santos.
“Eu já sofri muito com o rebaixamento do Santos. Nunca pensei que fosse acontecer. E agora, a situação está bem ruim. Os jogadores precisam saber a importância do clube que estão. Respeitar a camisa que o Pelé vestiu.
“Se eu estivesse em campo, jamais aceitaria perder por 6 a 0 para o Vasco, da forma passiva que o time reagiu. Quando o Vasco fizesse 4 a 0, o jogo acabaria. De um jeito ou de outro. Essa passividade é inacreditável para mim.”
“O Neymar tem enorme talento, mas está sozinho. Os outros jogadores precisam se doar muito mais. Torço para que o Santos não caia de novo. Para não ficar marcado, com a aura de clube pequeno. Como ex-jogador e, agora, torcedor, está muito difícil ver esse Santos atual.“
Juary segue com a aura de ‘menino da Vila’. Não aparenta os 66 anos. ‘O futebol é a minha vida."
A entrevista completa de Juary está no canal do Cosme Rímoli, no YouTube. Uma parceria com o R7.
Personagens importantes do esporte dão seu depoimento exclusivo toda terça-feira.
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