Beijo na boca, dança do pombo, aconchego aos jogadores. Os últimos momentos de Tite como técnico da Seleção
Tite reafirmou para amigos que não seguirá, 'de jeito nenhum', na Seleção Brasileira. Foram seis anos de muita cobrança, pressão. Sobre ele e sua família. Nem vencer a Copa o fará mudar de ideia
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
Doha, Catar
Para a sociedade catari foi uma atitude ousada.
A Seleção Brasileira chegou duas horas antes da partida contra a Coreia do Sul, como é protocolar, em toda Copa do Mundo. Só que Tite não quis ficar apenas com seus jogadores.
Sabia que havia alguém especial nas cadeiras próximas ao gramado.
Sua mulher, Rosmari.
Ele fez questão de subir até ela.
E deu um beijo na boca de sua esposa.
Demonstrações de carinho em público não são comuns aqui no Catar.
São até reprimidas.
Mas o treinador brasileiro não quis nem saber.
Durante o jogo, assim que Richarlison marcou seu gol, o atacante correu ao banco e cobrou a promessa que o treinador havia feito em frente a todo o grupo. Se ele marcasse contra os coreanos, Tite iria fazer a 'dança do pombo', que Richarlison consagrou.
Mesmo os jogadores duvidaram se o técnico iria cumprir.
E ele cumpriu, dançou, mal, mas dançou.
Não se importando com os comentários. Avisando aos 'maldosos de plantão' que estava aproveitando a alegria do grupo de jogadores, da Copa do Mundo.
Não estava menosprezando ninguém.
Quando Casemiro marcou o gol contra a Suíça, ele não vibrou. Não saiu abraçando todos os suplentes no banco de reservas, não.
Ele apenas puxou seu filho e auxiliar Matheus. Deu um beijo e um grande abraço. Agradecendo as trocas de ideias táticas, que resultaram no gol.
Tite está em contagem regressiva dos últimos seis anos de sua vida.
Embora o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, até pense em mantê-lo, caso o Brasil chegue à final, o técnico já jurou para seus amigos de Porto Alegre que não seguirá de jeito algum na Seleção Brasileira.
Ganhando ou perdendo a Copa.
E ele está saboreando seus últimos dias na Seleção Brasileira.
Se permitindo ser humano.
Brincar, sorrir e principalmente organizar o esquema tático que leve a Seleção mais longe possível nesse torneio.
Sabe que será seu passaporte para que trabalhe na Europa, em um grande sonho.
Repetir, depois de 15 anos, Luiz Felipe Scolari, que resistiu apenas a sete meses no Chelsea.
Antes, teve de explicar a farra.
“Tento me adaptar à linguagem deles. A linguagem deles é de dança, brincadeiras. Aprender a dança deles é duro, é difícil. Estávamos brincando, não sei o que aconteceu com o Richarlison, e digo: ‘E essa dança aí? Se fizer um gol, pode vir que eu vou dançar.
“Sempre tem os maldosos que vão entender como desrespeito. Eu falei para os atletas me esconderem um pouco, sei da visibilidade.
"Não queria que tivesse outra interpretação a não ser pela alegria do gol, do resultado, do desempenho, mas não desrespeito pelo adversário."
Tite está muito mais próximo desse grupo do que, por exemplo, em 2018. Está se permitindo mais. Defendendo seus jogadores contra qualquer crítica. Se colocando em uma postura paterna em relação aos 24 atletas que estão aqui.
Foi muito sofrido para ele os cortes de Gabriel Jesus e Alex Telles.
O discurso que fez, por duas vezes, na imprensa, avaliando como mentiras as informações divulgadas pela imprensa inglesa que Gabriel Jesus já tinha problemas no joelho direito quando foi convocado, Tite fez de forma bem menos polida aos jogadores.
Ele ficou realmente revoltado.
Porque quando foi para o Arsenal não houve aviso formal algum de problemas de Gabriel Jesus.
Tite deu todo o apoio ao consternado Alex Telles, que chorou muito nos vestiários, depois da partida contra Camarões, quando ficou claro que havia rompido os ligamentos do joelho direito, antes mesmo de exames mais profundos.
Também foi psicólogo de Neymar, Alex Sandro e Danilo, contundidos.
Os animou, principalmente o atacante do PSG, que acreditava que sua Copa do Mundo poderia ter terminado, pela lesão no tornozelo.
Tite é muito religioso, assim como Neymar. E também se apegou à fé para consolar, animar os contundidos brasileiros.
Com salário de R$ 1,6 milhão, duas assessorias de imprensa, uma pessoal e outra da CBF, Tite quer voltar à rotina de treinador de clube. No Brasil, ele trabalhava em média 60 jogos por ano no Corinthians. Na Seleção, cerca de 20.
Fora a pressão que ele e sua família sofreram com a derrota na Copa da Rússia. As críticas pesadas o cansaram. Tite pretende ou trabalhar na Europa, ou até Ásia, se tiver uma proposta milionária, ou tirar um ano sabático.
Trabalhar já em janeiro no futebol brasileiro, não.
Ele teve o convite do Corinthians, mas avisou seu amigo pessoal e ex-presidente, Roberto de Andrade, que no Brasil só em 2024.
Tite está mais Adenor do que nunca.
Se permitindo agir como um homem e não só como o treinador da Seleção.
Vai beijar, dançar, se posicionar em qualquer situação.
Sabe que, no final do mês, não será mais técnico do Brasil.
Foram seis anos de muito desgaste, cobrança, elogios, ataques.
Aos 61 anos, Tite resolveu se permitir.
Mesmo no Catar, país de regras tão rígidas.
Mais do que trabalhar, ele decidiu viver a Copa do Mundo.
"Quem me conhece sabe.
"Minha formação é humanista, acima de tudo.
"Sou assim e nada vai me mudar", diz o homem que está se despedindo da Seleção Brasileira.
Em plena contagem regressiva.
Sonhando que o último jogo seja no dia 18.
Na final da Copa do Mundo...
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