Argentino, tatuado. Melhor técnico do Brasil. Jorge Sampaoli
Não só por colocar o Santos na liderança do Brasileiro, depois de 14 anos, mas pelo trabalho, Sampaoli prova o fundamental intercâmbio de ideias
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli

São Paulo, Brasil
"Eu só sei quem vai ser o próximo técnico da Seleção Brasileira: o Sampaoli.
"Por dois motivos: ele é tatuado e ele anda de bicicleta.
"Ah, além de tudo ele é argentino.
"Esse é o futebol brasileiro hoje."
As declarações sem sentido de Levir Culpi, em maio, no Sportv, tinham por intenção atacar, ridicularizar, mostrar que o futebol do país está tão sem sentido que o próximo homem a comandar a Seleção Brasileira seria um argentino.
Precoceito, xenofobismo sem razão de ser.
Porque hoje, Sampaoli é o melhor treinador do país.
A Seleção atual, mesmo campeã da Copa América, busca um rumo, definição com Tite.
Felipão está em péssima fase, com o milionário e recheado elenco do Palmeiras sem força para atacar.
Renato Gaúcho sofre para reencaixar o futebol envolvente na frente e convincente na defesa.
Jorge Jesus mal chegou ao Flamengo, já cometeu erros infantis no primeiro jogo das oitavas-de-final da Libertadores.
Mano Menezes, há três anos no Cruzeiro, segue priorizando a retranca, os contragolpes.
Cuca busca acabar com a instabilidade crônica do São Paulo.
Sampaoli conseguiu com muito trabalho fazer o que muitos santistas duvidavam. Colocar o limitado elenco na ponta da tabela do Brasileiro.
Um argentino na liderança do Brasileiro.
Com uma campanha excepcional.
Em 12 jogos, nove vitórias, dois empates e uma derrota.
Seis vitórias seguidas.
Sete meses de trabalho.
E que demonstram a importância do intercâmbio.

Outros treinadores com talento de nacionalidades distintas são importantes. Para trazer novas propostas de jogo, métodos distintos de treinamento, impor novas filosofias, dinâmicas aos times.
Sampaoli não segue o caminho comum do futebol 'reativo' que domino o território nacional.
Ele mostra o que aprendeu aos 59 anos, ex-comandante da Seleção Argentina na Copa do Mundo da Rússia, campeão da Copa América com o Chile.
Com seu versátil 4-3-3, ele quer, acima de tudo, a posse de bola, sufocar o adversário, usar toda a velocidade, a capacidade de improviso dos seus jogadores nos últimos 30 metros do gramado.
Soltar laterais como se fossem pontas, liberar meias para trocarem posição, não manter atacantes fixos, obrigar volantes a terem habilidade na área adversária.
Obrigar seus goleiros a não só saírem com a bola dominada, mas terem visão, velocidade para se anteciparem a falhas da defesa e se tornarem líberos.
Tudo isso com uma equipe compacta, vibrante na hora de atacar e quando há necessidade da recomposição.
Homem com personalidade forte, capaz de lembrar o próprio presidente José Carlos Peres que a casa do Santos é a acanhada Vila Belmiro. Um caldeirão que precisa ser usado e não o neutro Pacaembu.
E além disso, ter personalidade suficiente para reclamar a perda de jogadores com o talento de Rodrygo, Jean Lucas.
Revelar não ter a menor ideia que o ex-treinador Paulo Autuori seria contratado para comandar o departamento de futebol santista.
Mas seguir vibrando até mais com o time durante os jogos.
Tendo, por isso, o 'privilégio' de ser o primeiro treinador deste país a ser suspenso pelo terceiro cartão amarelo.
A liderança pode ser efêmera.
O elenco santista segue limitado até no número de atletas com potencial. Mas o clube segue firme para conquistar uma das sonhadas vagas para a Libertadores.
Depois de fazer o clube chegar à liderança isolada depois de 15 anos, quando foi campeão do Brasil, em 2004, Sampaoli é realista em relação ao futuro.
"Temos que saber que nosso maior rival agora somos nós mesmos. O ânimo está alto. O futebol muda muito rápido. É preciso estar atento e concentrado.
"Agora, quero apertar para que melhorem, para que fixem os conceitos e joguem como jogaram hoje. Gerando chances de gol, atacando e pressionando. Precisamos desse estado de ânimo que nos permita melhorar."
Essa obsessão não é da boca para fora.
Ele segue treinando, trabalhando cada vez mais, relatam repórteres que cobrem o Santos diariamente.
Entre os erros assumidos está na cobertura da defesa, quando os adversários jogam bolas longas, sobre o meio de campo adiantado santista.
Sim, porque seu esquema tático é ousado, impressiona, mas há falhas, como qualquer.
A experiência dolorosa na Copa do Mundo da Rússia, comandando a Argentina serve como referência ao técnico.

Há vários méritos no trabalho do argentino.
O primeiro é o controle completo do futebol santista, inclusive com observações de jogos de equipes da base.
O segundo, a obsessão pelos treinamentos fortes, intensos, setorizados. Que passam confiança aos jogadores, capazes de saber onde os companheiros estão, de olhos fechados.
O terceiro, fundamental, insistir na intensidade do time. Compensar o médio potencial técnico da equipe como um todo com o preparo físico levado ao limite.
O Santos é uma equipe sem grandes destaques individuais.
É o futebol coletivo que se impõe.
Um argentino chegar à liderança do Brasileiro garante um título de matéria chamativo.
Mas passada a xenofobia, o preconceito, o que importa é o trabalho, a visão diferenciada do comandante santista.
Isso se espalha, influencia técnicos do Brasil todo.
De repente, uma nova maneira de enxergar futebol, com novas propostas.
E que acrescentam ao repertório dos brasileiros, sem mercado na elite do futebol mundial, a Europa.
Com raríssimas exceções, como Sylvinho no Lyon. Técnico que jamais comandou um clube no Brasil.
Sampaoli fez do Santos a demonstração do intercâmbio de ideias ao vivo, todas as rodadas do Brasileiro.
São propostas de jogos ricas de conhecimento, variações.
Mas que não permite descanso, acomodação.

"Vamos ver daqui para frente. Chegamos em um ponto que veremos se vamos conseguir manter o primeiro lugar jogo a jogo. Embaixo de nós, temos equipes que já deram resultado. O desafio é o que vem. Chegamos agora na liderança e pode durar muito pouco.
"É um desafio com nós mesmos."
O argentino que anda de bicicleta e é tatuado já chegou à liderança do Brasileiro. Ainda não é cogitado para a Seleção Brasileira.
Mas quem pode negar seu talento?
Nem mesmo Levir Culpi.
É bom saber.
Jorge Sampaoli não veio a passeio...