Após fracasso, Pia admite. Seleção será reformulada para Paris
A eliminação precoce incomodou, doeu muito na vitoriosa técnica sueca. Para a próxima Olimpíada, ela quer um time mais atlético, mais forte psicologicamente. E com jogadores mais táticas. Como fez nos EUA e Suécia
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
Duas medalhas de ouro com os Estados Unidos.
Venceu as Olimpíadas de 2008 e 2012.
Foi segunda colocada na Copa do Mundo de 2011.
Em 2016, levou a Suécia à prata.
Ganhou a Bola de Ouro, como melhor treinadora do mundo, em 2012.
A escolha de Pia Sundhage para comandar a Seleção Brasileira Feminina foi a grande atitude de Rogério Caboclo, como presidente da CBF.
Treinadora espetacular, que deixou sua marca por onde passou.
Foi jogadora entre 1978 e 1996. Defendeu a Seleção Sueca entre 1974 e 1996.
Vivida, inteligente, carismática, discreta na sua vida pessoal, assumidamente lésbica.
Sem fantasia, conhece como ninguém no país, o futebol feminino de alto rendimento.
Fez uma imersão no potencial, nas características, no material humano que o Brasil poderia oferecer para montar um grande time. Não assinou até 2024 à toa. Sabia muito bem o que iria encontrar, muito além do fenômeno Marta, seis vezes melhor do mundo.
E a eliminação precoce da Seleção, hoje da Olimpíada de Tóquio, a mais importante competição, desde que Pia chegou, traz a mais simples revelação.
O Brasil não conhece, não sabe como a treinadora conquistou seus títulos mais importantes.
"Talvez a gente pudesse ter feito mais no ataque hoje, mas aí não teríamos sido tão boas na defesa. Para mim é um equilíbrio. Encontrar essa jogadora criativa é o mais importante, essa jogadora que defende e ataca, que encontra espaço no último terço, o último passe", disse, após a eliminação, nos pênaltis, nas quartas, para o Canadá.
O perfil das seleções que Pia comandou é exatamente o contrário do que se espera do Brasil. E que as jogadoras, e até a imprensa estão acostumadas.
Ela sempre foi uma treinador quer privilegia a marcação, aprendeu a ganhar contragolpeando em velocidade. Com muita intensidade para roubar a bola. E sem muito espaço para os improvisos, os dribles, as arrancadas individuais.
Os Estados Unidos, medalha de ouro, das Olimpíadas da China e da Inglaterra era uma seleção extremamente competitiva, coesa, organizada ao extremo. Com fortíssima marcação. Prioridade era não tomar gols. Depois, usar a velocidade nos contragolpes, ataques em bloco.
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Time de força física, personalidade, atitude.
A Suécia, prata no Rio de Janeiro, também. Foi pelo mesmo caminho. E só perdeu o ouro para a Alemanha, por 2 a 1, de forma injusta.
Pia encontrou outra mentalidade no Brasil.
As melhores jogadoras têm por característica atacar. As posições básicas como goleiras, laterais eficientes, zagueiras competentes pelo alto, volantes com físico para proteger a zaga e ainda começar com qualidade os ataques. E, principalmente, as articuladoras, meias com capacidade de recomposição, cobertura. Mas com visão de jogo para servir as atacantes, tabelar, ser uma peça fundamental entre o meio-campo e o ataque.
Não há essa jogadora.
Marta sempre foi um fenômeno com a bola nos pés, talentosa, dribladora, capaz de arrancadas impressionantes. Goleadora. Capaz de deslumbrar torcedores, jornalistas. Mas nunca foi preocupada com a recomposição, com a movimentação do time. Seu talento sempre fez com que fosse privilegiada, sem obrigações de marcação, preenchimento de espaço.
É dessa atleta que Pia precisa.
Imaginar Marta, aos 38 anos, fazendo essa nova função, na próxima Olimpíada, está fora de cogitação. Seu talento ainda pode reservar um lugar na Seleção, mas não como elo entre o meio e o ataque.
Assim como terminar com a fragilidade psicológica e também física. Ou seja, acabar com a prioridade absoluta em relação à tecnica, aos dribles, à habilidade. E fragilidade mental a cada jogo difícil, ou decisão por pênaltis.
Ela não quer mais a postura vitimista, a insistência por apoio ao futebol feminino.
Pia deseja atletas com grande capacidade física e preparadas psicologicamente para a pressão, para a cobrança de atuar pela Seleção Brasileira.
"Se o Brasil quer estar no mais alto nível internacional, e nós queremos, há duas coisas, melhorar um pouco o condicionamento físico e a parte mental. Acho que temos um time coeso, mas ainda há espaço para melhorar na parte física e na parte mental, para lidar com qualquer tipo de dificuldade", deixou escapar, após a derrota de hoje, em Tóquio.
Ela quer e vai reformular o time brasileiro.
Pia percebeu as fraquezas da Seleção.
E está saindo completamente decepcionada da Olimpíada de Tóquio.
"Claro que estou muito triste. Desculpem por não termos chegados na semifinal. Tenho que voltar e fazer meu dever de casa para fazermos melhor na próxima vez."
Pia apostou e perdeu. Foi opção dela colocar um time misto e ainda deixá-lo mais fraco no segundo tempo contra Zâmbia, para não correr o risco de golear e enfrentar os Estados Unidos ou Suécia. A vitória magra, por 1 a 0, propiciou o Canadá, seleção mais fraca. Só que mesmo assim, veio a eliminação nos pênaltis, depois de 120 minutos de 0 a 0.
Caboclo sabia que essa reformulação aconteceria.
Mas está afastado da CBF.
Há uma briga ferrenha pelo poder na entidade.
Pia, no entanto, tem unanimidade.
Caboclo, Marco Polo del Nero, Landim, Reinaldo Carneiro de Bastos.
Todas as vertentes políticas da entidade querem sua permanência.
Ou seja, haverá uma revolução na Seleção Brasileira.
A derrota para o Canadá deu a certeza a Pia.
As nove calouras que levou a Tóquio não foram o suficiente.
Ela encara como obrigação colocar mais jovens no time.
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