A terrível falta de sorte de Falcão. Cair nas mãos do rancoroso Leão
Quatro vezes melhor jogador do mundo de futsal, Falcão não teve chance de mostrar seu talento no futebol. No São Paulo, foi travado por Leão
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
"Gente, ele deu uma bicicleta no meio do campo.
"Isso não existe."
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Leão falou e olhou para os repórteres que o circundavam no centro de treinamento, na Barra Funda. Buscou e encontrou sorrisos cúmplices de jornalistas que buscavam agradar o egocêntrico técnico do São Paulo.
A intenção era ridicularizar o jogador.
Eu fechei a cara, Leão era uma decepção como treinador há muito tempo para mim.
Não daria meu apoio àquela situação vergonhosa, amadora, revoltante.
Sabia muito bem o que acontecia.
Conversava com Marco Aurélio Cunha.
O ano era 2005.
Cuca havia montado a base que seria campeã da Libertadores e Mundial.
Mas no Paulista estava Leão.
Para profunda falta de sorte do mais talentoso jogador de futebol de salão que o mundo já viu.
Alessandro Rosa Vieira tinha 27 anos. Estava no auge de sua técnica, tinha forma física excelente e um talento assombroso.
Em 2004 havia ganho o prêmio de melhor do mundo pela Fifa.
O então presidente do São Paulo, Marcelo Portugal Gouvêa, decidiu contratá-lo. Daria a chance verdadeira, que Palmeiras e Portuguesa não deram.
Acreditou que seria uma jogada de marketing perfeita. E foi. A sua chegada ao clube mobilizou inúmeros veículos de imprensa. O diretor de futebol da época, Marco Aurélio Cunha, tinha a certeza de que atrairia patrocinadores, daria até mais projeção internacional ao clube.
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Os jogadores eram fãs de carteirinha de Falcão.
As organizadas também o receberam como ídolo.
Estava quase tudo certo.
Quase.
Faltava Leão.
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O egocêntrico treinador ficou revoltado por não ter sido comunicado, não ter sido ouvido se valeria a pena ou não ter o melhor jogador de futebol de salão na sua equipe.
Marcelo Portugal sonhava. Pensava em Rivellino, Gerson, Ronaldo Fenômeno, Djalminha. Talentos que começaram na quadra e explodiram nos gramados.
Mas todos tiveram a sorte de serem bem orientados.
Falcão foi assumidamente rejeitado por Leão.
Ele não se deu ao trabalho de ajudá-lo na transição. Muito pelo contrário. Ele que se virasse a descobrir uma maneira de atuar em um ambiente tão diferente.
A quadra de futebol de salão tem, em média, 42 metros de comprimento por 20 metros de largura. O gramado entre 120 metros e 90 metros. O piso é rígido, geralmente de polipropileno no futsal. Os jogadores pisam em grama no futebol.
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A bola do futebol pesa entre 420 gramas e 445 gramas e a circunferência entre 68,5 cm a 69,5 cm. No futsal ela deve ter 64 centímetros e o limite de 440 gramas. A diferença fundamental é que, no futebol de salão, a bola é feita para quicar muito pouco.
Há a diferença fundamental entre o tênis das quadras e a chuteira, com as travas, no gramado.
Mudança radical que exigiria muito conhecimento, visão de jogo, tática, estratégia, paciência e didática de um treinador.
Infelizmente para Falcão, tudo o que Leão não tinha.
Fora a rejeição explícita de quem o tratava como 'jogador do presidente'.
Nós jornalistas não entendíamos.
Nos treinamentos que pudemos ver, o rendimento de Falcão era ótimo.
Mesmo entre os reservas, se destacava.
Se doava ao máximo, saía extenuado.
Quando fazia boa jogada, Leão se calava.
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Mas bastava errar e a bronca era enorme.
Gritava, gesticulava, balançava a cabeça.
Diante dos jornalistas, câmeras e fotógrafos.
Era constrangedor.
Mas Falcão mantinha o respeito imenso dos companheiros de time.
Eles sabiam o quanto era desproporcional a reação de Leão.
"Se ele tivesse tido uma sequência de jogos, com certeza iria se adaptar o mais rápido possível e jogaria fácil. Eu acho que foi meio pessoal, também não entendia porque o Falcão não jogava. Nos treinos, ele sempre se destacava, fazia as coisas corretamente e, no jogo, não entrava. Não sei o que se passava pela cabeça do Leão. Eu mesmo torcia muito para ele entrar nos jogos", testemunha Diego Tardelli.
Em cinco meses, Falcão só teve a chance de começar uma partida como titular.
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Contra o Mogi Mirim.
Estava indo bem.
Mas foi substituído no intervalo.
Foi a gota d'água.
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Falcão pediu a rescisão e saiu do São Paulo.
Marcelo Portugal Gouvea ficou revoltado com Leão.
Assim como Marco Aurélio Cunha, de quem era muito próximo.
O clima ficou tão ruim que, mesmo com o time campeão paulista de 2005, Leão teve de sair. Disse, na época, que precisava ajudar um amigo e treinar uma equipe no Japão.
A verdade é que não tinha o menor clima para seguir no clube.
O descaso com Falcão contribuiu para sua saída.
"Ele não teria futuro no futebol, acho que ele nunca entrou em campo.
"Ele é maravilhoso no futebol de salão.
"Mais nada", decretou, com rancor, Leão.
"O Leão fez isso com o Jadson e com o Osvaldo no São Paulo. Quando chegou no Corinthians, tirou a faixa de capitão do Tevez, teve o Taffarel no Inter, o Iarley no Goiás, o próprio Luisão comigo no São Paulo. O histórico dele é grande. Quando a imprensa quer, quando a torcida quer, aí que ele não coloca. Ele não tem credibilidade para falar de mim", disse o jogador, há cinco anos.
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Aos 41 anos, Falcão se despede do futebol de salão, onde foi o melhor do mundo, por quatro vezes, e melhor do Brasil, em todos os tempos.
Sério, respeitado e rico, deve virar dirigente.
Quer o futsal como esporte olímpico.
Mas a mágoa de Leão segue.
Perdurará o resto da vida.
"Foi em um ano e momento muito importantes da minha vida, pois estava fazendo um ano que eu tinha perdido meu pai. Eu havia acabado de ganhar o prêmio de melhor jogador do mundo de futsal, era um grande desafio e o São Paulo me valorizou muito. Não me arrependo nem um pouco. Fui muito bem tratado pela torcida e com outro treinador eu tenho certeza de que teria jogado.
"Fiquei frustrado por não ter tido uma chance com o Leão. Ele fechava os treinos e alegava que eu não estava bem. Só que nos jogos que joguei (seis), eu joguei bem.
"O grande erro foi o presidente ter me anunciado antes de falar com ele, que ficou sabendo da contratação pela imprensa. Desde o primeiro dia, ele falava, "jogador do presidente".
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"Eu podia ter tido a oportunidade e não dado certo. O problema é que eu não tive. Tem muita vaidade e fui vítima disso. Não tenho mágoa do Leão. Ele era o treinador e tinha o direito de decidir.
"O presidente ainda tentou mudar minha ideia e ofereceu três anos de contrato, mas decidi voltar ao futsal.
"No São Paulo, fui ganhando o mesmo que ganhava no futsal. Na época, perdi os patrocinadores. Fiquei feliz quando decidi voltar ao futsal. Os patrocinadores me faziam proposta para voltar", disse para a Folha.
O Brasil se despede hoje à noite, no ginásio Wlamir Marques, na final da Liga Paulista, do seu melhor jogador de futsal da história.
Aos 41 anos, ele estará com a camisa do Sorocaba contra o Corinthians.
Mas, em relação ao que poderia fazer no futebol, sempre ficará a dúvida.
Ninguém pôde saber.
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Porque teve falta de sorte.
Caiu nas mãos de um limitado e rancoroso técnico.
De nome Emerson Leão...
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