A coragem de Filipe Luís. O oportunismo de Bruno Henrique. E a versatilidade de Gerson. Flamengo massacra o Chelsea. Futebol brasileiro brilha no Mundial
Treinador enxergou além. Não quis esperar um ‘lance genial’ da Arrascaeta. Tirou o uruguaio, colocou Bruno Henrique e adiantou Gerson. Virou o jogo. Vitória do técnico

Dez minutos do segundo tempo no Lincoln Financial Field, na Filadélfia, nos Estados Unidos.
A frenética torcida do Flamengo se cala.
Assim como os narradores brasileiros que transmitem o jogo.
Não.
Não era possível.
O número a ser substituído não poderia ser o 10.
Sim, era Arrascaeta a deixar o campo.
Como assim, o time perdia por 1 a 0 para o Chelsea.
Filipe Luís não abriria mão do seu mais genial e imprevisível jogador à toa.
Deveria estar contundido.
Não estava.
O tirou, colocou em campo Bruno Henrique, atormentado pelo indiciamento de apostas suspeitas de parentes e amigos em esquema suspeito, entrava na frente.
Gerson passava a ser o meia ofensivo, desequilibrante, que Arrascaeta não conseguiu ser.
Justo Gerson, pressionado pela torcida e imprensa, por ceder à tentação do dinheiro e aceitar a proposta do Zenit, da Rússia.
Enzo Maresca, técnico do time britânico, não esperava tão ousada manobra.
Pois esse ato de coragem fez o Flamengo virar a partida contra a bilionária equipe inglesa.
3 a 1 foi até pouco.
Mais um brasileiro tombou outro gigante europeu.
“Estou muito orgulhoso, porque, depois do erro do Wesley, o time não parou de jogar. Continuamos jogando da mesma forma como sempre jogamos.
“Meu coração está quente por causa disso.”
O ‘coração quente’ de Filipe Luís surgiu porque o Wesleuy falhou de forma infantil, perdendo a bola para Pedro Neto, que não teve pena, diante do desesperado Rossi. E marcou, embaixo das pernas do goleiro, aos 12 minutos do primeiro tempo.
O golpe psicológico foi grande.
O Chelsea saiu na frente e o nervosismo tomou conta dos flamenguistas. A enorme torcida na Filadélfia obrigava o time a se atirar à frente.
Mas faltava Arrascaeta. O meia estava passivo, estático, sem a movimentação costumeira. Ele não jogava nada bem. Jorginho e, principalmente, Gerson, já tentava compensar a ‘ausência’ do jogo do uruguaio.
Luiz Araújo e Plata lutavam muito, conseguiam abrir espaço na zaga do time inglês, que segue desarrumado nas mãos de Maresca. Tem jogadores promissores, mas ainda não tem futebol coletivo. Deixa espaço entre as linhas.
Mesmo perdendo o primeiro tempo, havia esperança para o Flamengo.
Filipe Luís teve mais dez minutos de paciência.
Até que decidiu agir.
Tirou Arrascaeta do jogo e colocou Bruno Henrique.

A explicação do técnico é longa e mais do que coerente.
“Primeiro, o Bruno é o jogador que é. Com mais títulos na história do clube. Todos nós sabemos que cresce em jogos grandes. Pensei muito em começar com ele.
“Por mais que ele venha sendo cobrado e criticado, ele é um atacante que não se resume a gols e assistências. O que ele vem fazendo em campo, os detalhes, ele faz. Às vezes outro companheiro joga melhor pelo Bruno estar em campo - e completou:
“Ele sempre é importante, sempre foi, sempre será. É um jogador que tem todas as valências que eu acredito em um jogador de elite, por mais que ele tenha uma idade avançada. Não tinha dúvida de que ele iria melhorar nosso ataque, porque o jogo estava pedindo velocidade.
“Era um momento em que o Chelsea estava conseguindo ter mais a bola porque nossa pressão estava atrasada. Sabia que o Bruno iria dar esse avanço no território e a partir daí a qualidade do Plata, do Gerson prevaleceria.”
O Flamengo com Bruno Henrique e Gerson como meia fez a partida muito fácil. O jogo foi destravado.
Seis minutos depois da troca, Gerson descobre Plata livre, o equatoriano ajeita de cabeça para o predestinado Bruno Henrique empatar 1 a 1.
A equipe inglesa entrou em pane.
Três minutos depois, Pulgar cobrou escanteio, e ele, Bruno Henrique ajeitou de cabeça para Danilo se esticar e estufar as redes de Robert Sanchéz, 2 a 1, Flamengo.
E todos sabiam que viria mais.
Aos 22 minutos, Nikolas Jackson descontou sua raiva por começar no banco de reservas dando uma entrada desleal em Ayrton Lucas e foi, merecidamente, expulso.
Tudo ficou ainda mais fácil.
O Flamengo estava melhor distribuído em campo, tinha um jogador a mais, o calor castigava os desorientados ingleses, até que Wallace Yan teve sorte. Plata errou o chute a gol, dentro da área do Chelsea. A bola parou nos seus pés. E aí, foi covardia, marcou com todo o prazer.
3 a 1.
Outro clube brasileiro chocava o mundo.
Filipe Luís, outra vez, traduzindo, com precisão, o que acontece nos Estados Unidos.
“Acredito que todos os clubes brasileiros que estão aqui não estão pensando em reivindicar o bom futebol para o Brasil. Estamos pensando em ganhar. Se isso ajudar o futebol brasileiro, melhor, mas eu não penso nisso.
“Estou aqui pensando simplesmente no Flamengo. Uma das razões porque os brasileiros estão indo bem é o nível de competitividade. Notamos perfeitamente os sul-americanos como se fosse uma final cada jogo. Isso faz muita diferença.”
Bruno Henrique lembrou seu tempo de várzea para justificar o sangue frio, em um jogo tão importante.
“Posso dizer do meu tempo de várzea, eu joguei com muita torcida de fora sempre querendo me amedrontar. Eu nunca me amedrontei nesses momentos, em jogos difíceis. Eu sempre tive o foco e a cabeça no lugar em jogos grandes.
“Eu consigo assimilar bem.
“Não é que outros jogos são pequenos, mas nesses jogos eu consigo ter um foco maior. Só tenho que agradecer a Deus primeiramente de por ter a capacidade de ter a cabeça boa nesses jogos. Feliz por dar alegria ao nosso torcedor, que sempre me apoiou.
“Todo mundo que jogou várzea sabe como é, os torcedores vão para o campo para incentivar o time, viver aquele momento que é único. Eles fazem festa com bomba, foguete, charanga (risos). Nesses momentos eu consigo relembrar os tempos de várzea, onde fui muito feliz, e trazer esse Bruno Henrique da várzea.”

O Flamengo lidera o grupo D.
E enfrentará o fraquíssimo Los Angeles, na última rodada de grupo.
A vitória hoje foi fundamental.
Para, teoricamente, escapar do Bayern de Munique, no primeiro mata-mata.
E ter pela frente Benfica ou Boca Juniors.
Adversários bem mais fáceis.
Isso graças à coragem de Filipe Luís.
Treinador que, em 49 partidas, só perdeu três vezes.
Os times brasileiros seguem invictos no Mundial de Clubes.
Que essa postura se reflita na Seleção deste país...