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BRASILEIRO 2022

O turismo no Nepal “estragou” o montanhismo no Himalaia?

Após publicar tantas más notícias a respeito dos óbitos no Himalaia, é necessário fazer uma reflexão não passional a respeito

Blog de Escalada

Blog de Escalada|Do R7

Após publicar tantas más notícias a respeito dos óbitos no Himalaia, é necessário fazer uma reflexão não passional a respeito dos “engarrafamentos” no Monte Everest (8.848 m). Para quem tem o hábito de sempre clamar por proibições e regulamentações, como se uma canetada resolvesse tudo por mágica, a realidade não é bem assim que funciona. Para resolver problemas desta magnitude, que é a banalização da subida do Monte Everest, é necessário analisar e encontrar uma saída madura.

Inclusive, esta mesma superlotação e banalização da prática do montanhismo, que por muita sorte não oferece números de óbitos, também acontece no Brasil. Quem já visitou o Pico dos Marins (2.420 m), ou mesmo tentou passear no Parque Nacional do Itatiaia, sabe que a superlotação e “engarrafamento” de turistas não é uma exclusividade do Nepal. Este tratamento inadequado, que muitas agências de turismo de montanha fazem, não é um caso isolado no mundo nem uma característica exclusiva do Nepal.

Talvez a imagem de ver aquela fila grotesca no Monte Everest possa parecer chocante, principalmente para quem sempre imagina o cume da montanha mais alta do mundo um lugar silencioso e longe de problemas da civilização. Não há como negar que a foto de Nirmal Purja atraiu atenção em todo o mundo e ganhou aliados na busca de uma racionalização da escalada no Monte Everest. O leitor mais atento que buscar nos históricos sobre o assunto na Revista Blog de Escalada deve encontrar vários artigos a respeito desta degradação do mérito de subir ao topo da montanha mais alta do mundo.

Buscado pela memória, ou mesmo pesquisar no Google, há diversas fotos que mostram que a fila para o Monte Everest não é uma novidade. O mais icônico exemplo é do ano de 2012 quando uma outra foto, tirada pelo montanhista alemão Ralf Dujmovits, que focava a mesma fila, mas à distância, mostrava o que se estendia desde o Campo Base até o cume. Desde então, todos os anos há uma “eleição” de qual seria a foto que mostrará a imagem mais chocante. Mesmo assim, as mídias tradicionais continuavam o “oba oba” em cima de qualquer fato que se referisse a alguém no Monte Everest.


Porém este ano de 2019, além do congestionamento criou-se ainda um outro perigo que antes não existia. A espera para poder descer pode matar quando o montanhista tem de retardar a descida. Pois quando as pessoas têm que esperar em filas para descer, elas correm o risco de ficar sem oxigênio, ficando com quantidade suficiente para a descida.

Especialistas dizem que as multidões de “montanhistas” no Everest aumentaram nos últimos anos porque as expedições se tornaram mais populares. Além disso, quase que a totalidade da mídia tradicional parece (ou pelo menos deixava a entender) que desconhece fatos como sherpas carregarem montanhistas até o topo. Não bastasse este desconhecimento, estas mesmas mídias de maneira patética, sente atração em falar sobre ações de marketing usando a montanha. Há montanhistas que justificam uma ação bizarra atrás da outra, dizendo que uma outra pessoa já fez algo, como se isso o chancelaria alguém a cometer o mesmo desrespeito.


Mídias de massa: da omissão à indignação

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A foto de 2012 | Foto: http://www.ralfdujmovits.de


Meios de comunicação de massa, parecem concordar com este desrespeito à ética de montanhismo e deterioração do Monte Everest, acatando e divulgando estas ações de marketing. Nelas, vale tudo, desde promover potes de açaí, cura do câncer, marcas de celular e até mesmo “apoiar” a escaladas de competições nas olimpíadas. Tudo isso como se alguém subir na montanha mais alta do mundo substituísse a ação efetiva de qualquer causa.

O resultado desta vista grossa da mídia tradicional a estas bizarrices, estamos observando neste momento com as 20 mortes no Nepal em montanhas acima de 8.000. Lembrando que muitos “engarrafamentos” são causados ​​por montanhistas despreparados que “não têm condições físicas ou psicológicas” para a viagem. A foto para o Instagram, com o logotipo do patrocinador do ato, vale mais que uma reflexão sobre o real mérito de fazer aquilo.

Porém, o que mais se deve refletir é que maioria esmagadora destas pessoas que estão na fila esperando a vez de chegar no cume (para definir um título do primeiro isso, ou segundo aquilo) é o desespero por atenção. Porque, como dito muitas vezes, o mérito esportivo de chegar ao cume do Monte Everest e mérito pessoal, são duas coisas distintas. Mas tanto o jornalista leigo no assunto, quanto o profissional de marketing, desconhecem a diferença. Alguns, no caso das agências de publicidade, parecem mesmo fazer questão de “esquecer” e usar indevidamente o fato de ter chegado ao cume da montanha mais alta do mundo, como uma ferramenta de alpinismo social.

A questão econômica do Nepal

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Para entender melhor o que há por trás de tudo, basta analisar os números existentes a respeito do montanhismo no Nepal. O número de pessoas que chegam ao cume do Monte Everest saltou de 133 em 2000 para, até o momento, 825 em 2019. Um aumento de 620% em 20 anos. Estes números se referem somente para o Monte Everest e o turismo, de um modo geral, no Nepal também foi impactado na mesma proporção. Neste dado de aumento sensível do volume de turismo no Nepal, e seu impacto sobre a economia do país, é que reside o cerne da questão.

Analisando os indicadores econômicos, é possível refletir a respeito da ideia de como as expedições ao Monte Everest, incluindo o trekking ao campo base, é um negócio que não pode ser ignorado pelo governo do país. O PIB do Nepal é de US$ 24,47 bilhões (números de 2007). O valor do PIB nepalês no ano 2000 era de US$ 5,49 bilhões (quando o total de cumes no Monte Everest eram de 133). Ou seja, o crescimento exponencial de turistas no país coincide com o crescimento do PIB.

Sabidamente o Nepal é uma nação pobre, com economia baseada na agricultura e turismo. A agricultura emprega 65% da população e somente 20% da área total do país é cultivável. Portanto, o turismo é uma indústria importante no país e vem gerando renda e, consequentemente, arrecadação de impostos que o país não possuía.

Com uma população ávida por explorar o turismo, inevitavelmente acabaria acontecendo o que era inevitável: a superlotação de tudo por todos. Assim, em termos econômicos, quanto mais turistas, maior quantidade de dinheiro é injetada na economia do país, permitindo ao governo arrecadar mais. Portanto, ainda está longe o dia em que o governo nepalês limitará o número de permissões para apresentadores de TV e ações de marketing aconteçam no cume da montanha mais alta do mundo. A pressão internacional, que somente pode ser feita por quem é atuante no mercado da economia nepalesa, é quase nula pois, como todo sabem, empresas e seus representantes não se preocupam com superlotação nas montanhas.

Qual seria a solução?

O que pode ser feito para que diminua o volume de pessoas no Everest é fazer com que a mídia não especializada (a mídia de massa) e a comunidade de montanhismo, pesadamente comece a valorizar o mérito esportivo. Valorizar, por exemplo, o fato de um montanhista chegar ao cume do Monte Everest sem oxigênio e sem sherpas, é um primeiro passo.

Não se pode mais confundir um montanhista de carreira, que passa o ano todo realizando ascensões relevantes para o esporte, com turistas ocasionais com a única intensão de subir o Monte Everest e nenhuma outra montanha no mundo. Passar a não mais fazer vista grossa a campanhas de marketing, com atitudes desesperadas de chamar atenção, como por exemplo saltar de parapente do cume da montanha, é um segundo passo.

A cada passo, especialmente nestas pequenas negligências que jornalistas leigos e marqueteiros se aproveitaram para criar personalidades de mérito questionável, é que poderemos ter um turismo no Nepal que tenha respeito pelo montanhismo e pelas regras éticas que nele existe. Caso contrário, continuarão a acontecer mortes causadas pela vontade desesperada de aparecer e ser reconhecido por algo que sequer possui mérito.

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