Tri da Argentina resgata lembranças que ícone do tango deixou em outra Copa
Orgulhosa com conquista argentina, Laura Escalada conta ao LANCE! como foi o período no qual seu marido, Astor Piazzolla, fez o disco...
Lance|Do R7
O êxtase da Argentina após a conquista do tricampeonato da Copa do Mundo no último domingo (18) se estende a quem também viu a rotina do torneio em um momento bem mais conturbado no país. Criadora da Fundação Astor Piazzolla, Laura Escalada recordou-se como o Mundial inspirou o ícone do tango a criar um LP.
- Astor compunha movido pela paixão. Era um homem que gostava de acompanhar o jogo com esse olhar mais apaixonado, peculiar... Isso despertou seu desejo de dedicar um disco inteiro ao Mundial de 1978 - afirmou ao LANCE!.
O disco traz oito faixas, sendo boa parte delas com títulos ligados a situações que acontecem futebol. Além da "Mundial 78", há as músicas "Marcacion" (Marcação), "Penal" (Pênalti), "Gambeta" (Drible), "Golazo" (Golaço), "Wing" (Ponta), "Corner" (Escanteio) e "Campeón" (Campeão).
Laura, que é viúva de Piazzolla, detalhou como era a rotina do marido ao compor.
- Astor sempre foi muito metódico. Levantava às oito da manhã para compor ao piano. Saía de lá ao meio-dia para comer, depois voltava e só fechava o piano às cinco da tarde. Era assim diariamente. Foi um trabalhador! Tudo compôs ao piano. Aprendeu isso desde a juventude, quando foi educado pela (professora e compositora francesa) Nadia Boulanger - afirmou.
Astor Piazzolla marcou época no tango (AFP)
Laura Escalada contou que o período da Copa de 1978 rendeu um misto de sensações para Astor Piazzolla.
- Foi bastante complexo. Quando estávamos no exílio, não tínhamos a percepção física do que era viver em uma Argentina com um governo militar. Porém, sabíamos o que ocorria aqui, que Jorge Videla impunha sanções duras e pessoas desapareciam. Quisemos voltar ao país neste momento mesmo assim. Para ficarmos perto dos nossos parentes em um momento marcante, em uma Copa - e detalhou:
- Chegamos à Argentina em um navio com 13 passageiros. A recepção foi muito hostil, picharam coisas como "Loco del tango", "Libertango no" - completou, referindo-se à canção "Libertango", de Piazzolla.
Astor Piazzolla é autor também das canções "Adiós Nonino", "Zum", "Tristeza de Un Doble A" e "Balada Para Un Loco".
A Argentina venceu a Holanda na prorrogação no jogo decisivo de 1978 (Foto: Reprodução)
A caminhada da geração de Fillol, Bertoni e Mario Kempes até o título argentino foi vista de maneira forçadamente reclusa.
- O governo nos impôs uma série de proibições. Astor sequer podia ir à rua, não pudemos desfrutar nenhum jogo da Copa. Foi um título mundial silencioso, apagado, controlado... Ele queria fazer coisas, mas foi proibido por Videla. Não conseguiu nem viajar para fazer uma apresentação no México! Vivemos uma situação dramática. Foi um período alegre e triste ao mesmo tempo - disse Laura.
Curiosamente, "Mundial 78" chegou a mudar de nome em um relançamento posterior. Além de ser rebatizado de "Chador", o disco de Piazzola teve alterações nos nomes das canções, casos de "Thriller", "Panic", "Tango Fever", "Milonga", "Baires Promenade" e "Tango Blues". Porém, em plataformas digitais há registros com os nomes originais do LP e de suas respectivas faixas.
De acordo com Laura, o recente tricampeonato mundial da Argentina trouxe momento de alegria à família Piazzolla.
- Foi bom para celebrar com os familiares, ver a euforia do povo... Estamos felizes e orgulhosos por esse título da Copa do Mundo depois de tanto tempo. O Mundial, nós festejamos. Mas ainda temos muitos problemas por aqui, especialmente na economia. Enquanto isso, a gente luta para manter viva a fundação, preservar a memória de Piazzolla e mostrar o quanto ele é importante para a Argentina até hoje - finalizou.