Conglomerados da bola: empresas apostam em novo modelo para gerir o futebol
Multipropriedade de clubes liga o alerta na Uefa; Grupo City, 777 Partners e Red Bull são exemplos desta estrutura
Futebol|Gabriel Herbelha, do R7
Qual a relação do Bahia, um dos mais tradicionais clubes do país, com um time da segunda divisão da Bélgica, ou do Botafogo, líder do Brasileirão, com o Crystal Palace, time de meio de tabela na Inglaterra? Mais do que você imagina, com certeza.
O avanço das SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol) no Brasil trouxe consigo um modelo de gestão que também ganha corpo no restante do mundo, o dos grandes conglomerados do futebol.
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Trata-se de um mesmo grupo que gere mais de um time ao redor do mundo. No país, temos alguns casos conhecidos, como o Botafogo, que pertence à Eagle Football Holdings, o Vasco, com a 777 Partners, o Bahia, comprado pelo Grupo City, e o Bragantino, que faz parte da Red Bull.
Segundo levantamento mais recente da equipe de pesquisa e análise da CIES Sports Intelligence (Centro Internacional de Estudos do Esporte), 282 clubes do mundo estão envolvidos nesse modelo de gestão.
Em 2016, eram apenas 83 clubes inseridos em modelos de conglomerados. A expansão representa um aumento superior a 200%.
Não há como qualificar o perfil do grupo com apenas uma característica, já que há, entre eles, fundos de investimentos, empresas estatais, xeques do Oriente Médio, empresa de energético e, principalmente, empresários dos Estados Unidos.
As motivações para os respectivos grupos apostarem na multipropriedade de clubes são diversas. Entre elas, globalizar a marca, marketing, sportswashing, estratégia de negócio, descobrir e desenvolver jovens jogadores e, principalmente, lucrar.
“Não é possível colocar todos os grupos dentro de uma cesta e daí retirar um objetivo único. Temos desde os clubes de propriedade de Estados soberanos, como PSG, City e Newcastle, passando por um modelo que começou como uma ferramenta de marketing (Red Bull) e chegando até aqueles que indicam ter o futebol como estratégia principal, como é o caso dos clubes de propriedade de John Textor [dono do Botafogo]”, afirma Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo.
“Além disso, teremos projetos que serão bem-sucedidos, bem como teremos aqueles que fracassarão. O aspecto fundamental aqui a ser considerado é o perfil, credibilidade e capacidade financeira do grupo comprador. Existem grupos na Europa que adquiriram vários clubes, não tinham capacidade de investimento e redundaram num fiasco completo de gestão”, completa.
Expansão faz a Uefa ligar o alerta
A entidade que comanda o futebol no Velho Continente vê com preocupação esse movimento e fez um alerta sobre o aumento desenfreado dos conglomerados em relatório publicado em fevereiro deste ano.
“O aumento do investimento em vários clubes tem o potencial de representar uma ameaça material à integridade das competições europeias de clubes, com o risco crescente de vermos dois clubes com o mesmo proprietário ou investidor se enfrentando no campo.”
A Uefa também cita que a presença desses grupos está distorcendo o mercado de transferências, já que, muitas vezes, um atleta é vendido a outro clube do mesmo grupo por um valor muito inferior àquele em que ele está avaliado.
Isso gera impacto em outros clubes, que mantêm porcentagem no passe do jogador, e em clubes formadores, que também recebem uma quantia pelo mecanismo de solidariedade da Fifa.
Ainda segundo a entidade, mais de 6.500 jogadores estão sob contrato com os conglomerados que possuem mais de um time — na Europa são 27.
Os empréstimos e transferências a custo zero entre clubes com investimento cruzado também são apontados como um problema a longo prazo, já que leva a uma falta de pagamento de taxas. A Uefa afirma que isso pode atrapalhar a receita da entidade.
Para Carlezzo, a multipropriedade de clubes representa a modernização do futebol; no entanto, cabe às entidades reguladores do esporte ter um olhar atento em relação a isso.
“Quando se adquire mais de um clube é absolutamente normal que se busquem sinergias em várias áreas, principalmente no departamento de futebol, e por consequência nas transferências de jogadores. Portanto, esta é uma questão que chegou para ficar e que está mudando a gestão dos clubes.”
Sinônimo de sucesso
O City Football Group, empresa pertencente ao Abu Dhabi United Group, comandado pela família real de Abu Dhabi, dos Emirados Arábes Unidos, talvez seja o grande modelo de conglomerado de sucesso dentro do futebol.
O carro-chefe, Manchester City, desde que foi assumido pelo grupo, em 2008, mudou completamente o seu patamar. Se antes o rival, United, dominava a cidade, hoje o lado azul é conhecido como o melhor clube do mundo.
Na última temporada, o time de Pep Guardiola fez história ao conquistar os três principais torneios em disputa: a inédita Liga dos Campeões, o Campeonato inglês e a FA Cup.
Com uma metodologia clara de sucesso e (muito) dinheiro em caixa, o grupo tenta replicar o sucesso nos outros clubes ao redor do mundo.
O Bolívar, da Bolívia, assinou um acordo de parceria com o City em 2021, e os resultados já começam a aparecer.
Na terça-feira passada (8), o clube bateu o Athletico Paranaense nos pênaltis e se classificou para as quartas de final da Libertadores. Na fase de grupos, os bolivianos também ganharam do Palmeiras.
A meta para 2025 é ousada: ganhar a Copa Sul-Americana ou chegar até a final da Libertadores, algo que nenhum clube do país alcançou.
Perda de identidade
A venda de um clube a um grupo "de fora", no entanto, implica algumas obrigatoriedades de contrato, entre elas a mudança de toda uma identidade visual, pela qual seus torcedores se apaixonaram e aprenderam a amar as cores durante décadas.
Os fãs do Melbourne Heart, da Austrália, que vestiam camisetas branca e vermelha listradas, apelaram para que os novos donos, do grupo City, mantivessem as cores originais. No entanto, com o contrato assinado, o clube mudou de nome, para Melbourne City, e passou a vestir a tradicional camisa celeste, como os outros clubes do grupo.
O Bahia, que vendeu 90% da SAF para o mesmo conglomerado por um período de 90 anos, em que é previsto um aporte de R$ 1 bilhão para quitar dívidas, comprar jogadores e investir em infraestrutura, manterá o seu escudo e cores.
"Não pode. Não há possibilidade de mudanças em nosso escudo, o próprio contrato veta. A única chance de haver mudança em nosso escudo é se houver concordância da associação [...] Lembrando que em nosso contrato todas as marcas seguem pertencendo à associação, que cede para a SAF usar exclusivamente no futebol", explica Guilherme Bellintani, em entrevista ao site oficial do clube.
O Newcastle United, comprado pelo FIP (Fundo de Investimentos Públicos da Arábia Saudita), em 2021, por cerca de 300 milhões de libras — aproximadamente R$ 2,2 bilhões na época —, lançou, meses depois, uma camiseta branca com detalhes em verde, completamente diferente das cores tradicionais do clube alvinegro.
A homenagem velada aos novos donos sauditas causou divisões entre os torcedores nas redes sociais. Apesar da maioria da torcida dos Magpies ter sido favorável à venda ao fundo saudita, um número relevante de fãs lamentaou a camisa ter sido "usurpada" em nome de um patrocínio.
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