Jogador brasileiro boicota treinador porque tem cumplicidade de cartola
Quatro técnicos da Série A caíram em 24 horas. Em comum, ao menos em três casos, a demonstração de que quem manda mesmo é a boleirada mimada
Futebol|Eduardo Marini, do R7
Quatro técnicos da Série A do Brasileirão perderam emprego em 24 horas entre quinta-feira (26) e sexta-feira (27). Rogério Ceni foi demitido do Cruzeiro e substituído por Abel Braga. Oswaldo de Oliveira levou cartão vermelho no Fluminense. Zé Ricardo recebeu um ‘até mais’ no Fortaleza. E Cuca pediu o boné no São Paulo, que colocou Fernando Diniz em seu lugar.
Em comum, nas dispensas de Ceni, Cuca e Oliveira, a campanha e ação (ou omissão) decisivas de jogadores dos elencos para acelerar a fritura e preparar o cadafalso para a degola. No Cruzeiro, Ceni, ao exigir maior compromisso de Thiago Neves, Sassá e Edilson, enfrentou uma espécie de operação tartaruga dos três atletas temperada de ironias nas redes sociais. Após uma participação infrutífera e ainda mal explicada do zagueiro Dedé como pacificador, conversando com as partes envolvidas no vestiário, o ex-goleiro foi oficialmente sacado.
Cuca, além de não ter conseguido um padrão de jogo convincente para a equipe, perdeu o resto de apoio que tinha na cúpula são-paulina por não querer mais escalar Daniel Alves no meio, e sim na lateral direita, posição original do jogador. Os cartolas apoiaram Alves, contrariado do alto de seu salário mensal de R$ 1,5 milhão, e o treinador, também desgastado por resultados ruins, entre eles a derrota para o Goiás em pleno Morumbi, na quarta-feira (25), por 1 a 0, pediu para sair.
Oliveira, que havia substituído Diniz no Flu, trabalhou por apenas 38 dias. Sob seu comando, a equipe venceu duas partidas, empatou outras duas e perdeu três, num pálido aproveitamento de 38,1%. No último empate, contra o Santos, na noite de quinta-feira (26), no Maracanã, substituiu Ganso pela terceira vez seguida – nessa última o meia até que atuava bem, sobretudo se tiver o desempenho comparado ao dos companheiros. Foi a gota d’água. O meia chamou o treinador, várias vezes, de “burro pra c***” ao deixar em campo. Ouviu de volta um “vagabundo” e, por pouco, os dois não rolaram embolados no gramado mais célebre do mundo. Horas depois, Oliveira lamentava a demissão nas redes sociais.
Jogador brasileiro boicota e abre guerra contra técnico porque conta com a cumplicidade, e muitas vezes a covardia, dos dirigentes. Mimados e superprotegidos, os boleiros marmanjos desarranjam o ambiente ao menor sinal de desconforto surgido das determinações do professor. Tudo indica, inclusive, que, uns se inspiram nos exemplos dos outros no mesmo campeonato, como parece ter ocorrido nessas 24 horas de guilhotina ativa entre uma e outra rodada do Brasileirão.
O raciocínio é o seguinte: taca-lhe pau porque se rolou lá vai rolar aqui. É verdade que, vez ou outra, estrelas de primeira grandeza conspiram para derrubar comandantes até mesmo em grandes clubes estrangeiros. Mas nada tão sistemático, abusivo e explícito como ocorre por aqui.
Essa cumplicidade dos cartolas resvala quase sempre em covardia. O dirigente contrata o líder, propaga ter dado a ele todo poder, mas, na prática, admite essa liderança até a página 12, ou seja, o momento em que o treinador determina caminhos que possam fazer o seu comando testado por parte dos meninos bem pagos e mal acostumados.
O problema é que essa falsa entrega de poder funciona apenas nas vitórias. Quando o barraco começa a desabar, os cartolas passam a contar com o ‘auxílio’ do tal do grupo na tarefa de derretimento do treinador. Dessa forma, a demissão desgasta menos a diretoria e, em caso de pedido de demissão, pode até sair bem mais barata. Ceni, por exemplo, por ter sido dispensado, foi embora deixando um prego de R$ 1,9 milhão a receber espetado no painel das já combalidas finanças do Cruzeiro.
O curioso é que esse tipo de boleiro brasileiro se transforma imediatamente em profissional cumpridor de seus deveres e obediente ao comando quando desembarca na Europa. Sabe que por lá não terá mãozinha na cabeça e tapinha nas costas de cartola. Ou então atravessa o Oceano Atlântico de volta “com saudade da família e do feijão”, na verdade a desculpa mais comum e esfarrapada para esconder fracassos gerados pela falta de compromisso profissional. O futebol brasileiro não merece cartolas e jogadores com esse comportamento.