Golpe de R$ 25 mil, infiltrado e placa anti-assédio: o 'feirão' dos estádios
Entre promessas falsas e análise de observadores profissionais, atletas da base vivem expostos na busca pelo sonho de vencer no futebol
Futebol|Guilherme Padin, do R7
Prancheta e tablets nas mãos, olhos atentos no campo. Na tarde ensolarada de Copa São Paulo de Futebol Júnior, no estádio Nicolau Alayon, zona oeste de São Paulo, as famílias de atletas e torcedores de Nacional e Goiás dividem espaço com olheiros e empresários, interessados em garimpar talentos na competição em plena quarta-feira.
No empate em 1 a 1 que valeu a liderança do Grupo 31 da Copinha para a equipe do Centro-Oeste, Rafael Monzem, 24, observa — e é pago por isso pelo Red Bull Brasil.
“Em geral, vamos aos estádios para observar o todo, mas há também jogos em que chegamos com um ou dois nomes específicos para analisar”, explica Monzem. Na Copinha, pela diversidade de equipes e suas regiões, ele opta pela observação geral.
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Nos arredores da Comendador de Souza, a rua na Água Branca pela qual o estádio é conhecido, uma placa com dimensões de um outdoor alerta jogadores e famílias a não darem dinheiro para quem prometer contratação ou escalações em jogos. Isso acontece sobretudo em torneio de base, como a Copinha. Falsos profissionais, que se passam por agentes e olheiros, fazem promessas aos garotos e ganham em cima de suas famílias.
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“Tenho receio desse tipo de pessoa assediar e enganar meu filho. Finge que vai mover o mundo, fala que vai dar tudo para o moleque. O interesse é só ganhar dinheiro em cima do sonho dele”, diz Sérgio Padial, pai de Lucca, camisa 17 do time sub-20 do Nacional, enquanto assiste à partida do filho.
Conforme comentam clube e famílias, as propostas garantem levar os jovens a clubes tradicionais do país e a outros de menor expressão na Europa. Iludidos pelo sonho dos filhos e pela chance de um sustento à família, muitos pais acabam enviando dinheiro aos impostores em troca das oportunidades que nunca chegam.
Golpes atingem a todos
Garotos das categorias de base, atletas profissionais e até técnicos sofrem com os golpes. No ano passado, um estelionatário se passou por mais de um treinador para iludir atletas e oferecê-los vagas em equipes de todo o Brasil.
Entre as vítimas estava Wilson Júnior, então comandante do Nacional e atualmente no São Bernardo FC.
“O cara falava para os jogadores que era treinador, perguntava como estava a situação deles e levava alguns na conversa. Até mandava algumas fotos de alojamentos de outro clube como se fosse o nosso. Depois, pedia um valor para a transferência ou de passagem e falava que ia reembolsar o atleta quando se encontrassem”, diz Wilson, que comenta que o falso treinador “fez isso comigo e mais outros seis técnicos”.
“Os golpes são assim. Principalmente com jogadores que não têm essa vivência. São esses que mais caem, porque futebol é sonho”, completa o treinador.
Paulo Tognasini, diretor do Nacional, diz que “muitas vezes, o jogador vinha ao clube reclamar e procurar saber por que não recebia a oportunidade”. “Depois, explicávamos o que havia ocorrido e eles entendiam que era um golpe”, diz o dirigente.
Em contato com o R7, o pai de um atleta hoje com 25 anos afirma que pagou R$ 25 mil a um empresário para que o filho tivesse chances em um clube paulista. Segundo ele, que pediu para não ser identificado, o contato começou em maio e, até então, as oportunidades não chegaram.
“Placa diminuiu muito os casos”
Diferentemente do que ocorre com os clubes grandes da cidade, como Palmeiras, Corinthians e São Paulo, o acesso é simples aos jogos do Nacional: a poucos metros de um bar do clube, apenas uma catraca controla a entrada dos torcedores, que, em jogos como os da Copinha, nem sequer pagam pelas entradas. “Aqui é light, é bem acessível”, diz Tognasini.
Diretor do clube há mais de 20 anos, ele afirma que este tipo de assédio ainda é muito comum e, no clube, foram necessárias algumas medidas para contê-lo.
“Como tem um bar aqui na frente [do clube], ficava um pessoal lá falando que ia dar oportunidade para o atleta, então começamos a nos comunicar mais com as famílias dos atletas e, há cinco anos, colocamos uma placa para alertar os pais”, comenta Tognasini.
Segundo o dirigente, a placa “serviu tanto para alertar as famílias, que ficaram mais atentas com possíveis investidas, como para os impostores, que viram que o Nacional está de olho nisso”.
Pai do atleta Lucca, Padial diz que “o Nacional orienta bastante. Chamam os pais, os atletas e nos avisam: 'Qualquer tipo de assédio, pode vir no clube e conversar com a gente'. Eles são pessoas que estão no mundo do futebol e conhecem quem é e quem não é [impostor]."
Segundo Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Atletas de São Paulo, o problema “está cada vez pior. O sonho tem crescido e os aproveitadores criam um enredo e trazem esses atletas e as famílias a esse quadro”. Mas o que fazer quando se recebe uma proposta duvidosa? Martorelli aconselha: “Se deve checar informação, as pessoas envolvidas, as propostas. A partir disso, se identificar que se trata de estelionato, pode procurar por nós ou ir direto em uma delegacia. É fácil, mas não acontece. As famílias e o atleta têm medo de ouvir não”.
Olheiros: outro lado da exposição
Os portões abertos nas competições da base e o fácil acesso aos jogos — in loco ou por transmissão na internet e na TV — fazem com que os garotos estejam cada vez expostos. Há, porém, um aspecto benéfico aos jovens jogadores.
Entre o público, é notável a presença de dezenas olheiros. Os perfis variam: alguns vão à paisana, para não chamar atenção, outros estão sempre uniformizados. Há aqueles que trabalham por conta própria, os agenciados e os que trabalham para clubes.
Estes podem, de fato, garantir aos jovens talentos a chance dos sonhos em clubes brasileiros e até no exterior.
Rafael Monzem afirma que, em maioria, os observadores trabalham para clubes — brasileiros, em suma, e alguns estrangeiros. Mas há também os que atuam por conta própria, como “uma espécie de ‘freelance’”, afirma Monzem. É o caso de Matheus Rosa, sócio de uma agência que empresaria e assessora jogadores de todas as categorias.
Rosa fornece os dados de seu monitoramento a clubes e empresários. “Temos um banco de dados com 900 nomes, entre base e profissional. Identificamos o perfil que nos pedem. Se querem jogador de tal idade, de tal posição e com tais características, o banco filtra os atletas com as características solicitadas”, conta.
A função, segundo ele, é trabalhosa. “Em 2018, eu vi 312 jogos in loco (no estádio), além de partidas pela televisão e plataformas de ‘scouting’ [análise de dados]”, afirma o agente. “Na Copinha, por exemplo, estamos trabalhando para o Figueirense e o Paraná Clube, além do Tubarão-SC, que já é nosso parceiro”, diz Rosa.
Outro observador de um clube da série A, que prefere não se identificar, explica que há três perfis de observadores: “Tem o captador, que aborda mais os atletas; há também observador e analista de desempenho, que trabalha com estatísticas e ciência do futebol; e, por fim, o observador e analista de mercado — o meu caso —, que olha com abrangência para as oportunidades de mercado com o perfil de atleta desejado”.
O olheiro conta que seu clube mandou observadores para todas as sedes da Copa São Paulo, com três sedes para cada profissional — totalizando, assim, cerca de dez pessoas para a função. Segundo ele, esta é “uma média próxima do que as tradicionais equipes do Brasil costumam mandar”.
Muitas vezes, observadores e empresários podem ser confundidos, por preconceito, com os falsos profissionais.
Para Rafael, profissional do Red Bull, “as pessoas lidam bem com isso”. Ele destaca, no entanto, que “o respeito é adquirido ao longo do tempo e das atitudes”.
Matheus, que atua por sua própria agência, diz que a ação dos golpistas “atrapalha muito meu trabalho. As famílias e os garotos ficam desconfiados. Demora até conseguir a confiança deles. Atrapalha quem realmente é profissional”.