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BRASILEIRO 2022

Entenda o papel do empresário na formação de um craque do futebol

Na vida de um ex-atleta de 39 anos e de um aspirante a jogador, de 10, existe uma figura em comum: o agente intermediário

Futebol|Kaique Dalapola, do R7

Lê, com camisa de Pouso Alegre (MG), em título peruano
Lê, com camisa de Pouso Alegre (MG), em título peruano

Em um país onde a grande paixão é o futebol, não é incomum encontrar jogadores profissionais sendo idolatrados, torcedores com rostos desses atletas tatuados, e várias outras loucuras feitas em homenagem a um atleta que marcou aquele gol importante ou fez aquela defesa impossível que ficarão gravadas na memória de milhões de fanáticos.

Também não é nenhuma novidade saber que esses grandes craques do futebol movimentam milhões de reais em vendas para clubes europeus, chineses ou Oriente Médio. Até mesmo transações entre times brasileiros são exemplo, como foi a ida do Arrascaeta do Cruzeiro para o Flamengo, em 2019, que tirou cerca de 13 milhões de euros do cofre carioca — na cotação atual, seriam cerca de R$ 90 milhões.

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No entanto, o que não é muito popular entre os amantes do principal esporte nacional são as pessoas que estão entre o clube e o jogador profissional. E essas figuras, que respondem pelos atletas, negociam com os times e ganham grana por isso, são fundamentais para que o futebol gire e atinja valores impensáveis na realidade da imensa maioria dos trabalhadores.

O intermediário no início da carreira

O ex-jogador Leandro Franco, conhecido como Lê, que atuou em diversos clubes do Brasil, da América Latina e até da Grécia, é categórico em dizer o papel dos agentes intermediários na vida dos atletas: “É quase impossível se tornar jogador sem ter um empresário”.


Para o ex-meio-campista, “não existe essa possibilidade [de seguir carreira sem um agente] devido ao garoto necessitar de um empresário que faça você chegar a um clube, e a partir do momento que você chega em um time, os próprios clubes já têm os empresários que trabalham com eles”. Por isso, explica Lê, é melhor o aspirante a jogador já ter algum agente de confiança do lado desde a categoria de base.

Menino Miguel jogou no Fluminense
Menino Miguel jogou no Fluminense

Quem está passando por esse processo de encontrar um agente de confiança neste momento é a família de Miguel Herdeiro, de apenas 10 anos. O menino começou a jogar futebol com 6 anos, e aos 7 iniciou em uma escolinha de futsal. Em janeiro de 2019, ele já foi chamado para participar de um campeonato em Palmital, município do interior paulista a cerca de 415 km de São Paulo. 


Segundo o pai do garoto, Rafael Herdeiro, nesse torneio, um representante do Fluminense que estava acompanhando os jogos gostou da apresentação do menino, e o convidou para passar uma semana no centro de treinamento da categoria de base do clube carioca. A família aceitou o convite, e o levou para fazer a semana de teste. E logo no segundo dia de avaliação, ainda conforme o pai, o clube aprovou o menino para fazer parte do time sub-10.

A família de Miguel fez toda logística de adaptação para que o menino deixasse Hortolândia, no interior de São Paulo, para morar no Rio de Janeiro, juntamente com os avós, e treinar no Fluminense. E isso durou um ano, até o início da pandemia. Com a quarentena e a paralisação de todo futebol, o menino voltou para a cidade paulista onde morava e teve “um ano perdido no futebol”, segundo o pai.


Com a volta gradativa do futebol, Miguel começou a novamente jogar campeonatos em cidades do interior paulista. Segundo o pai, durante essas partidas, representantes dos quatro times grandes paulistas procuraram pela família para convidar o garoto para integrar a categoria de base. “Nós analisamos os convites, e por ser mais próximo de casa, a família optou por trazê-lo para o Estado de São Paulo, e aceitamos o convite do Corinthians”, conta Rafael.

Agora, Miguel faz parte das categorias sub-11 do time de campo e futsal do Corinthians. “Como agora a carreira do Miguel está em ascensão e começou a ter assédio dos grandes clubes, consequentemente começou a aparecer várias propostas de empresas com agenciamento de atletas, e nós estamos escutando porque acreditamos que chegou um momento que é importante ter um agente”, avalia o pai.

A lei regulamenta a atividade

O R7 conversou com o advogado Thiago Elias, especialista em Direito Desportivo da FFA Advogados, que explicou quem são esses agentes, também chamados de empresários de jogadores, a importância deles e qual papel desenvolvem com os atletas e os clubes.

Conforme o advogado, normalmente crianças da idade do Miguel ainda costumam ter agentes por trás, e todas conversas com os clubes devem ser feitas diretamente com os pais, principalmente porque até a categoria sub-13 não pode haver nenhum vínculo empregatício ou contrato de formação desportiva com o clube, podendo apenas ser registrado para participar de competições.

Quando o aspirante a jogador chega na adolescência, com 14 anos, ainda é comum que os pais sejam os únicos responsáveis por possíveis acordos com clubes, porém, Elias destaca que tem sido recorrente a aparição de agentes para firmarem contratos de prestação de serviços de intermediação com atletas já nessa idade. Mas até os 16 anos, qualquer contrato precisa ter a assinatura dos pais para ter validade.

Entre os 16 e 18 anos, o atleta precisa ser assistido pelos pais, mas não é mais obrigatório a assinatura nos contratos. “No entanto, deve-se atentar que, conforme os termos do artigo 24 do RNI (Regulamento Nacional de Intermediários) e artigo 27-C da Lei Pelé, o atleta menor que não é profissional não pode contratar um agente e nem precisa pagar nenhuma comissão”, explica o advogado.

Vale informar, a Lei Pelé trata-se da Lei 9.615 de 24 de março de 1998, que estabelece as normas gerais desportivas que vigoram no Brasil, e o RNI é o documento da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) que rege a atividade dos agentes intermediários. 

Elias esclarece ainda que, conforme o artigo 29 da Lei Pelé, determina que o clube formador do atleta tem direito de celebrar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo do jogador a partir do dia que ele faz 16 anos. A partir desse momento, a lei permite que o atleta tenha um agente, mas até os 18 anos esse intermediário não pode ser remunerado.

Mas para além das questões burocráticas, o advogado destaca que “os bons intermediários, nas negociações entre atletas e clubes, ajudam a minimizar eventuais conflitos e também contribuem na gestão das expectativas dos atletas e dos clubes no decorrer das relações contratuais”.

A relação de extrema confiança

E foi exatamente nesse momento da vida, quando estava prestes a ingressar a carreira no profissional, que o ex-jogador Lê iniciou uma relação com seu primeiro agente. No final dos anos 1990, um empresário o levou para fazer um teste na Inter de Limeira, e ele foi aprovado para fazer parte da categoria de base da equipe do interior paulista.

“Para ver o quanto é importante o empresário: naquela época, o clube me aprovou, mas não me dava ajuda de custo. E quem me ajudava, se não me engano com R$ 300 para auxiliar nas despesas, foi esse agente. Ele apostou em mim, e com esse valor na época, eu conseguia focar só no futebol”, lembra Lê. Nesse tempo, a Lei Pelé estava ainda em seu primeiro ano em vigor.

O ex-atleta recorda que assinou um contrato de dois anos com o agente e, nesse período, era bancado pelo empresário. Até que Lê subiu da categoria de base para o profissional, passando a ter um salário e, a partir desse momento, repassava 10% de todos os ganhos que tinha para o empresário. “Foi uma sorte da minha parte por ter pego uma pessoa correta no início da carreira”, conta.

Com o jogador no profissional, as negociações quase não chegam mais nos atletas. Agora, quem negocia qualquer coisa é o agente do jogador e os representantes dos clubes, que normalmente é a figura conhecida como executivo de futebol. “Também tem sido cada vez mais frequente o intermediário atuar para as duas partes em uma negociação, desde que tenha sido previamente autorizado, e deve ser definido quem será o responsável pela remuneração e as partes deverão comunicar à CBF sobre o consentimento que exclui o eventual conflito de interesse”, diz Elias.

A primeira vez que Lê foi envolvido em uma negociação, no início dos anos 2000, seu agente levou para ele uma oportunidade de sair da Inter de Limeira para jogar no Chile e ganhar um salário 10 vezes maior. Com a aumento do retorno financeiro do atleta, consequentemente o empresário também eleva os ganhos. É por isso que o ex-jogador acredita que a relação deve ser de extrema confiança, pois “o empresário funciona como uma espécie de pai do atleta, porque só chega com a proposta quando sabe que não tem como recusar, então, o jogador confia e aceita”.

Durante os primeiros sete anos como jogador profissional, Lê caminhou junto com o mesmo empresário, que foi o responsável pelas negociações que fizeram o ex-meio-campista vestir diversas camisas até começar a negociar com o Atromitos, da Grécia. Essa foi uma mudança na carreira dentro e fora do campo, já que houve também um passo importante para troca de empresários.

Lê iniciou contato com um agente intermediário brasileiro que morava na Grécia e atuava com jogadores na Europa. Como o antigo empresário não seguiria na negociação com o time grego, o próprio ex-jogador precisou tomar a frente e pedir liberação para o Guarani, time onde ele estava jogando. Ele rescindiu o contrato com o time de Campinas, e partiu para Grécia, com um contrato de dois anos com o intermediário e outro contrato de dois anos com o clube grego.

Com a idade, é possível seguir só

Passados os dois anos, já no final da década de 2000, Lê não continuaria na Grécia, e percebeu que já havia conquistado experiência suficiente para dar mais um passo importante, agora sem ninguém entre ele e o clube. “Chega certa idade que você consegue perceber que não precisa mais do empresário, e você mesmo é capaz de negociar, porque já tem contatos suficientes para fazer as tratativas direto com os clubes e treinadores”.

E foi negociando por si mesmo que o ex-meio-campista foi para no futebol peruano, com passagem pelo Sport Boys e Sporting Cristal, sendo campeão nacional e conquistando o prêmio de melhor jogador estrangeiro da competição em 2011. A ida para o Peru aconteceu por meio de conversas dele com o então técnico do Sport Boys, com quem já havia trabalhado junto e facilitou na negociação.

Mas isso aconteceu após uma década dele atuando como jogador profissional e tendo um agente intermediário entre ele e os times. O pai do menino Miguel diz ter conhecimento desse caminho quase que obrigatório no futebol, no entanto, acredita que ainda está em um momento que pode resistir um pouco mais.

“Nesse mundo do futebol, durante esse tempo que estive com o Miguel no Rio, começamos a perceber que quando o atleta tem um empresário, infelizmente, ele tem certa facilidade na tratativa com os clubes, principalmente quando o jogador não tem tanta qualidade”, conta Rafael.

Mesmo conhecendo esse mundo, o pai do Miguel afirma que neste momento ainda não há necessidade de fechar com algum agente para carreira do menino, embora acredite que “a única coisa que seria importante seria por ter a facilidade que os agentes têm em comunicar com o clube e passar as decisões para família”.

Isso significa que tanto Lê, que fez centenas de milhares de pessoas comemorarem seus gols marcados mundo, como o menino Miguel, que pode vir a se tornar uma grande personalidade do futebol, terão em comum a presença do agente intermediário, a figura desconhecida para o torcedor, mas integrante inevitável do esporte.

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