César Sampaio: ‘Várzea aprimora a parte técnica do atleta profissional’
Para ex-volante de Palmeiras, Santos e seleção brasileira, experiência nos campos de várzea é fundamental para aprimorar formação do jogador
Futebol|Cesar Sacheto e Guilherme Padin, do R7
O ex-jogador César Sampaio, que brilhou com as camisas de Palmeiras, Santos, seleção brasileira e de clubes do futebol japonês nos anos 1980, 1990 e 2000, considera a experiência no futebol de várzea fundamental para a formação do atleta profissional.
Comentarista, empresário e dirigente esportivo, o craque afirma que as dificuldades impostas pelos campos irregulares e as características dos adversários resultam no aprimoramento de alguns fundamentos do esporte.
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"Você aprimora muito a parte técnica, o domínio e a proteção de bola. E eu, muito novo, jogava com os mais velhos. Tinha que aprender a me livrar da bola rápido e a evitar o contato, porque estava em desenvolvimento e eles eram homens feitos", contou o ex-jogador.
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César Sampaio lembrou que a várzea era o início para muitos garotos de gerações passadas antes de ingressarem nas categorias de base dos clubes e que a plataforma facilitava a transição para o futebol de campo.
"Isso era a iniciação do Brasil: a areia, o futsal, a terra e a rua, todas plataformas irregulares. Quando vai jogar na grama, fica muito fácil. Porque, nesses terrenos, além da dificuldade de a bola ficar viva, você se machucava se caísse no asfalto ou na terra. Na grama, era muito mais fácil fazer os gestos técnicos e você evoluía muito", revelou.
Sampaio, que hoje está à frente do projeto "Cidadãos do Futebol", no Comercial de Tietê, time do interior paulista que preside, ressaltou a importância da experiência nesse tipo de terreno, especialmente para os garotos que sonham em se destacar com a camisa de um grande clube no futuro.
"Antes de entrar no Santos, tinha um número de horas (de bola) muito elevado. Se você tem esse número de horas e em plataformas diferentes, mesmo que não queira, vai se tornar muito melhor", complementou César Sampaio.
A verticalização das megalópoles acabou com espaços. Isso influenciou na qualidade do atleta
O craque citou o livro "Do Dom à Profissionalização, a Formação de Futebolistas no Brasil e na França", escrita pelo antropólogo Arlei Sander Damo, para defender a importância do futebol de várzea na carreira de um jogador.
A pesquisa calcula em cinco mil horas o tempo estimado para um atleta de futebol atingir o tempo de maturação até a profissionalização. De acordo com o trabalho, a quantidade de horas de treinamentos ao longo de um ano, descontando-se folgas, feriados e férias, é de aproximadamente 500 entre treinos e jogos por ano.
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No entanto, Sampaio lamentou a diminuição das áreas para os campos de várzea na capital paulista, fenômeno motivado pelo crescimento urbano das últimas décadas.
"Vejo que a gente perde muito. Eu estudava de manhã, voltava para casa, almoçava e ficava na rua o dia todo. A verticalização das megalópoles acabou com esses espaços e isso influencia na qualidade da formação do atleta brasileiro", complementou o ex-volante.
Origem
César Sampaio, de 50 anos, nasceu no bairro de Cidade Leonor, na zona sul de São Paulo. Ainda menino, ele começou a jogar com amigos no Centro Educacional do Jabaquara. Depois, atuou no Moleque Travesso da Vila Guarani, Estrelinha da Saúde e Az de Ouro da Vila Guarani.
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"Foram os clubes que joguei na várzea. No Moleque, já estava na base do Santos e joguei o ‘Desafio ao Galo’ também, por volta de 1985, 1986".
Confira outros trechos da entrevista de César Sampaio sobre o futebol de várzea paulistano:
Iniciação na várzea
"Foi uma plataforma de iniciação. Havia dois quadros e eu jogava de lateral-esquerdo no segundo quadro, porque era novinho e o primeiro quadro era formado pelos mais cascudos".
No início dos anos 1980%2C os grandes nomes iniciavam na várzea
Desafio ao Galo
"Era legal, porque aparecia na televisão. Tinha a escola de samba e o time do bairro. Eram os dois pontos de marketing do bairro. Quem era da escola de samba ou jogava no time era o ‘fera’ do bairro".
"Ganhamos dois jogos e perdemos o terceiro. Jogamos três finais de semana na televisão. Repercutia. Era televisão aberta. Joguei de titular. Já estava na base do Santos e tinha mais fundamentos, condição técnica melhor".
Gratidão aos amigos
"Sou muito grato porque aprendi muitas coisas na várzea. Tinha o Rubinho, o Everaldo e o Edmilson. Eles eram os líderes. Viam que eu tinha condições e me orientavam para ficar longe das más companhias, drogas e bebidas. No início dos anos 1980, os grandes nomes iniciavam na várzea e sou muito grato às orientações dentro e fora de campo que essas pessoas me deram".
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"Ainda mantenho contato com eles. Meus pais mudaram. A minha mãe faleceu e meu pai saiu da Vila Guarani. Mas, indiretamente, a gente sempre se fala. Tenho respeito, carinho e admiração muito grande por todos".
"Tinha também o Douglas que é pai do Wendel, zagueiro que jogou no Guará e no Corinthians nos anos 2000. Joguei com o pai dele. Era um dos líderes, um pouco mais velho. Eu era mascote dessa turma, tinha 15, 16 anos. Foram as minhas referências. Diferentemente do que muita gente fala, consegui (encontrar) bons homens, bons caráteres de pessoas importantes na várzea".
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