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BRASILEIRO 2022

Camisas clássicas de futebol viram alvo de grandes investidores

Empresa, que está há quase 20 anos no mercado, tem mais de um milhão de uniformes, bonés e outras peças de roupa clássicas que viraram um marco temporal preservado

Futebol|Rory Smith, do The New York Times

Doug Bierton segura a camisa da Colômbia da Copa do Mundo de 1990 Jack Roe/The New York Times

Manchester, Inglaterra – Quando Doug Bierton passa discretamente a pulseira no pulso esquerdo sobre um sensor instalado na parede e entra no cofre, a temperatura cai perceptivelmente. Assim como o acesso a esse recinto fechado, o clima interno é rigorosamente controlado. Para os desavisados, pode parecer exagero. Lá dentro não há joias, relógios ou tesouros de alguma civilização perdida, mas sim camisas de times de futebol: cerca de 6.500, penduradas em prateleiras grandes de metal.

Esse número é só uma pequena fração do estoque que a Classic Football Shirts, empresa de Bierton, tem sempre disponível. No depósito imenso que cerca o cofre, há mais de um milhão de uniformes, bonés e outras peças de roupa. A sala trancada é reservada para os itens de que ele não consegue se desfazer e que considera valiosos demais para ser vendidos — incluindo edições, usadas em jogos, de alguns dos uniformes mais emblemáticos da história.

À primeira vista, não parece ser o caso. A impressão geral é de um armário abarrotado: uma confusão de tecidos sintéticos e um festival de cores como vermelho vibrante, amarelo gritante e azul-real. Mas Bierton encontra qualquer camisa específica em poucos segundos. Memorizou a origem, os antecedentes e a história de cada uma, e conhece as manchas e defeitos que comprovam sua autenticidade.

Ele está há quase 20 anos no negócio de compra e venda de camisas de times de futebol, desde que, em 2006, fundou com um amigo a Classic Football Shirts, plataforma on-line para comercializar edições clássicas. Mas, no fundo, continua sendo um entusiasta, colecionador e fã.


Para Bierton, o cofre representa muitas coisas: um depósito de valor futuro para seu negócio; um arquivo da história do futebol — recurso que é passível de ser usado por museus, exposições ou documentários de televisão — e um monumento à obsessão de um colecionador. Mas, acima de tudo, os tesouros de poliéster guardados são uma maneira de contar uma história. Cada camisa é um repositório de memórias.

A moda clássica

Recentemente, quando as férias de Ilka Husmann e Eila, sua filha, estavam chegando ao fim, elas se viram com um dia livre em Londres, uma das maiores cidades do mundo. Queriam encerrar a viagem com um “momento especial”, como disse a mãe, antes que retornassem para casa, na Alemanha. Eila sabia exatamente o que fazer, mesmo que isso significasse uma viagem de trem de duas horas a Manchester. “Já conhecíamos a Classic Football Shirts de Londres, mas ela também queria ir à de Manchester”, disse Husmann. Na mão, Eila segurava o fruto da viagem: meia dúzia de itens clássicos; entre eles, camisas dos times Manchester United, Manchester City e Liverpool, do início da década de 1990.


As camisas de futebol vintage se tornaram um item básico do streetwear e alvo de grandes investidores Jack Roe/The New York Times

No mundo tribal do futebol inglês, a coleção de Eila era quase uma heresia: a rivalidade entre esses clubes é tão profunda que seria tabu uma pessoa vestir o uniforme de mais de um deles. Isso não a preocupa: “Uso como roupa casual.” O design e a época que evocam são mais importantes para ela do que a filiação.

Nos últimos anos, a Classic Football Shirts tem atraído cada vez mais clientes como Eila, à medida que as camisas clássicas de times foram se transformando em moda urbana e, depois, ganharam o selo de aprovação dos influenciadores.


Talvez a tendência tenha atingido seu auge no ano passado, quando Kim Kardashian foi vista usando uma camisa da Roma, de 1997, e seu ex-marido, Ye, apareceu com um uniforme de goleiro do Portsmouth, que já nem é lembrado. Drake, Addison Era e Robert Downey Jr., entre outros, apoiaram equipes que vão do Juventus ao Celtic.

A Classic Football Shirts não sabe bem como tudo isso se concretizou, mas não reclama. Quando Bierton e seu amigo, Matt Dale, fundaram a empresa, em 2006, tratava-se de um projeto movido pela paixão e também de uma segunda renda para os dois estudantes que gostavam mais de uniformes antigos e excêntricos do que dos novos lançados anualmente pelos clubes.

No início, passavam horas on-line procurando camisas que ninguém queria; exploravam brechós e mercados; e faziam visitas inesperadas a lojas de varejo, saindo delas alegremente e levando o estoque indesejado em uma van.

Atualmente, além de duas lojas permanentes, fizeram pop-ups — filiais abertas durante um período limitado — em Berlim, Tóquio e Nova York. Adquirem os produtos diretamente dos fabricantes dos uniformes. E classificam as centenas de edições clássicas que continuam chegando diariamente aos depósitos, desenterradas do fundo de armários e de coleções particulares. São autenticadas pela empresa, depois da avaliação de seus “peritos”, e colocadas à venda.

Isso pode ser só o começo. No ano passado, a The Chernin Group, empresa de capital de risco, adquiriu uma participação na Classic Football Shirts. Em setembro, a ex-atacante americana Alex Morgan, o comentarista de futebol Stu Holden e o ator e coproprietário do time Wrexham AFC, Rob McElhenny, também investiram. Os planos da companhia incluem abrir lojas por todos os Estados Unidos.

Únicos e incomparáveis

O futebol percebeu tardiamente a ideia de que os torcedores poderiam querer usar vários uniformes de seu time favorito. “Existem alguns muito famosos que nunca tiveram réplica. Se olharmos para algumas das camisas da Copa do Mundo de 1990, havia apenas uma pequena quantidade delas: uma para cada jogador do time e talvez algumas de reserva”, disse Bierton.

Nas últimas três décadas, o esporte fez de tudo para recuperar o tempo perdido. Desde o início dos anos 1990, é padrão que os times lancem ao menos um novo uniforme por ano – e, com muita frequência, até três: as edições de casa e de visitante e, muitas vezes, um design alternativo usado só em momentos especiais ou em caso de coincidência extrema de cores com um adversário.

Às vezes, a mudança é meramente estética: um detalhe modificado ou um tipo diferente de gola. De vez em quando é mais drástica: um novo patrocinador ou fabricante, uma cor completamente nova. Claro que a lógica por trás disso é pura e absolutamente o capitalismo. Mas o efeito é profundo. A junção precisa do design, do patrocinador e do fabricante surge só uma vez, representando não só uma equipe, mas um marco temporal. “As camisetas o transportam para um lugar específico da vida. Para onde você estava ou para aquilo que estava fazendo quando as viu pela primeira vez. Talvez um jogo ou um gol específico. É como se costurassem as memórias do passado”, comentou Dale.

Mas também existe uma diferença geracional. O significado pessoal e o design tornam clássico um uniforme, assim como a idade faz com que algo se torne memorável.

Essa é a aposta dos novos investidores da empresa: que os uniformes clássicos de futebol sejam mais do que uma moda passageira e que cada nova geração se apaixone por um novo conjunto de favoritos. Também foi isso que levou os dois ex-estudantes universitários, com interesse em camisas antigas, a um mundo no qual gerenciam lojas temporárias em outros continentes, colaboram com a Adidas e participam de chamadas no Zoom com McElhenny.

“É realmente incrível. Só é uma pena que tudo isso signifique que eu tenha de passar menos tempo com as camisas”, disse Bierton, em pé no ar fresco do cofre, cercado pelos uniformes que não tem coragem de vender.

c. 2024 The New York Times Company

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