Autor de 'melhor release da história' lembra 'Rei da Pipoca' após 10 anos
Em 2008, a repentina saída de um jogador do Villa Nova gerou revolta no assessor do clube, que emitiu uma nota memorável sobre a transferência
Futebol|Guilherme Padin, do R7
O início de abril de 2008 foi marcado por uma transferência que agitou o futebol mineiro.
A ida do atacante Ricardinho do Villla Nova ao Ipatinga gerou indignação e revolta em Wagner Augusto, então assessor de imprensa do time de Nova Lima (MG) e responsável pela autoria de um comunicado de imprensa que ficou conhecido entre os jornalistas esportivos como o "melhor release da historia", em referência ao termo usado para textos de divulgação à imprensa.
No release, adjetivos como “calhorda venal”, “traidor” e “Rei da Pipoca” foram algumas das maneiras usadas por Wagner para descrever o atacante, antes conhecido como “Rei do Drible”.
Trechos em tom duramente críticos, como "Dócil aos encantos do dinheiro sujo da corrupção, Ricardinho aceitou prontamente a condição. Ao descobrir a manobra, a diretoria do Leão (apelido do Villa Nova) mostrou a porta da rua para esse profissional mau caráter", foram comuns na nota do jornalista, que é historiador e conselheiro do clube atualmente.
O motivo do incômodo? O antigo assessor do Leão do Bonfim explicou ao R7, em detalhes, exatos dez anos depois do fatídico incidente.
A saída de Ricardinho:
“Em 6 de abril de 2008, Villa Nova e Ipatinga chegaram à última rodada da fase de classificação do Campeonato Mineiro em perspectivas diferentes e, de certo ponto, desesperadoras.
O Villa Nova precisava vencer de qualquer forma, para ainda ter chances de chegar entre os semifinalistas e também lutar por uma vaga para a Série C do Campeonato Brasileiro, que àquela época era a última divisão do Brasileirão. O Ipatinga também precisava vencer para não ser rebaixado para o Módulo 2 do Campeonato Mineiro.
Pois bem, na semana que antecedeu essa partida decisiva, no Ipatingão, o Ipatinga, por meio de um membro da sua comissão técnica, procurou três atletas do Villa, propondo um contrato para ser firmado imediatamente para que eles se transferissem para o Ipatinga e lá permanecessem para disputar a Série A do Campeonato Brasileiro.
Foram procurados o atacante Ricardinho, o meia Tucho e o goleiro Glaysson. Glaysson e Tucho, de imediato, recusaram essa proposta. O Ricardinho aceitou de pronto e imediatamente procurou a diretoria para rescindir o contrato, dizendo que não entraria em campo no domingo para enfrentar o Ipatinga. E assim foi feito.
A diretoria do Villa não queria ficar com o jogador sem vontade e liberou o atleta mesmo mediante este susto, por ter consciência de que o jogador estava sendo de certa forma seduzido por uma proposta para disputar a Série A do Brasileirão e o primeiro passo para isso seria não entrar em campo pelo Villa Nova contra esse mesmo Ipatinga, nessa partida decisiva.”
"O atacante chegou com a fala de ser o Rei do Drible%2C mas sai pelas portas dos fundos como o verdadeiro Rei da Pipoca"
O que sentiu para escrever o release?
“Eu particularmente fiquei muito revoltado pela maneira como o Ipatinga preferiu encarar a situação de tentar oferecer contratos para três atletas que estavam em atividade, que defendiam um co-irmão, perante à expectativa de um jogo decisivo entre as duas equipes. Uma tremenda falta de ética, para não dizer algo mais pesado. Haveria formas mais republicanas de o clube lidar com o desespero.
Então, fiquei muito revoltado. Não compactuo com essas atitudes que existem e acontecem no futebol até de maneira rotineira. Enfim, fiquei muito chateado. E, talvez a partir dessa revolta, que fiz um release muito contundente tentando ali extravasar a posição do clube e também meu sentimento de revolta diante da atitude do Ipatinga.”
Reação da diretoria à saída do atleta:
“A diretoria do Villa ficou revoltada com essa iniciativa do Ipatinga. Através, ou por meio do meu release, tentou mobilizar a imprensa para o que estava acontecendo. Foi à federação mineira. Enfim... Tomou as atitudes que deveriam ter sido tomadas.
O Villa Nova venceu por 3 a 2, decretou o rebaixamento do Ipatinga, mas também não conseguiu os seus objetivos, porque acabou não se classificando para as finais. Depois dessa vitória, o clube deixou esse episódio de lado e tomou as providências jurídicas que seriam cabíveis.
A diretora gostou do release que foi produzido. Fui muito elogiado e aquilo (o comunicado) atendeu ao sentimento de todos no clube.”
Você chegou a ter contato com ele depois do ocorrido?
“Nunca mais tive contato com o Ricardinho. Ele saiu pelas portas do fundo do clube. Pegou suas coisas no vestiário e saiu dizendo que 'o mundo do futebol é assim mesmo', segundo relatos do supervisor do clube na época.
O pai dele, inclusive, estava presente, e reclamou que o clube estava sendo muito duro com o jogador. Enfim, é aquela mania de passar a mão na cabeça dos transgressores. Em vez de chamar o atleta, o filho, no caso, à responsabilidade para honrar um compromisso firmado com o clube, preferiu passar a mão na cabeça dele. Nunca mais o vi.”
Como enxerga isso hoje?
“Passados aí dez anos desse ocorrido, não tenho arrependimento e nem bom humor. Tenho um sentimento de profunda chateação e decepção com o submundo dos bastidores do futebol. É mais triste ainda em perceber que parece que aqui no Brasil o crime compensa. Porque aquelas pessoas que efetivamente foram responsáveis por essa proposta ao Ricardinho, ao Glaysson e ao Tucho, continuam em evidência no futebol brasileiro, trabalhando até em equipes de ponta. Times aí que têm representativadade mundial.
As pessoas aprontam, aprontam e não são punidas por esses atos que não condizem com o espírito do esporte e do futebol em particular. E anos depois aconteceu o fato envolvendo a queda da Portuguesa, que misteriosamente - entre aspas - escalou o jogador Héverton sem condições de jogo. Isso causou praticamente a falência esportiva do clube, que hoje está na Série A2 [do Paulistão] e foi caindo, caindo, até não ter divisão para disputar.
Continuo muito chateado, apesar de apaixonado ainda pelo futebol, pelo Villa Nova, pelo esporte de maneira geral, mas consciente de que tem muita podridão. E que essa podridão não é combatida com a veemência e a devida dureza que deveria ser.”
Se pudesse, o que diria ao Ricardinho?
“Se eu encontrasse com o Ricardinho, nas ruas ou pelas redes sociais, eu desejaria pra ele muita paz, saúde, alegria, desejo absolutamente nada de mau. Imagino que já tenha encerrado a carreira, porque depois que ele saiu do Villa, entrou num declínio. Jogou rapidamente pelo Ipatinga. Se tiver disputado uma ou duas partidas pelo Brasileirão da Série A, foi muito. E aí rodou por Paraná Clube, Oeste, ainda em Itapolis, e depois desapareceu.
Espero que ele tenha aprendido a lição de que dinheiro nenhum no mundo justifica esse tipo de atitude. Um homem deve cumprir em pé aquilo que ele firma sentado. Ainda mais se tiver em um papel assinado.
Ele poderia perfeitamente ter dito aos dirigentes do Ipatinga: 'Olha, esperem segunda-feira, após o jogo, e voltamos a conversar. Se vocês realmente estiverem interessados no meu futebol, estou apto a manter o contato. Mas hoje sou atleta do Villa e vou cumprir com meu contrato até o último instante com o clube de Nova Lima.'
Infelizmente não foi feito. Desejo que o Ricardinho esteja bem, com sua família e seus entes queridos. E que tenha aprendido a lição de que esse tipo de atitude não vale a pena.”
Apelido de Rei do Drible
”Acho que esse apelido de Rei do Drible já caiu no esquecimento. Na carreira dele, ele não fez jus a esse epíteto que ganhou no início de sua trajetória no futebol.”
Glaysson e Tucho
“Absolutamente o oposto do que ocorreu com o Ricardinho. Glaysson foi um dos melhores jogadores em campo. Defendeu bola inclusive com o rosto, correndo risco físico de ter uma contusão grave. E o Tucho fez sua melhor exibição pelo Villa Nova na passagem que ele teve pelo clube de Nova Lima. Marcou dois gols nessa partida. Foi um destaque. Jogou como um jogador de caráter, de hombridade, assim como o Glaysson, e justificaram a confiança que o clube depositou neles.
Nada durante a carreira deles pode maculá-los. O Glaysson, inclusive, continua em atividade. É um jogador que goza de um cartaz muito grande no interior mineiro.”
Queda do Ipatinga
“O Ipatinga foi fundado em junho de 1998. Coincidentemente, assisti ao jogo de batismo do quadricolor do Vale do Aço. Foi uma derrota para o Atlético-MG por 2 a 0, no dia daquela semifinal que a França eliminou a Croácia pela Copa do mundo de 1998. Exatos dez anos depois, o clube começou sua decadência.
Subiu como um foguete e caiu idem. Foi rebaixado para o Módulo 2 do Campeonato Mineiro. E, antes de tentar levar os três jogadores do Villa Nova, havia tirado o técnico Moacir Junior do Tupi. O Tupi fez uma grande campanha. Mesmo após a saída do Moacir Junior, continuou bem e acabou se classificando para as semifinais do Campeonato Mineiro. O Ipatinga caiu com o Moacir Junior, que foi retirado do Tupi. No final do ano fez uma campanha bizonha no Brasileirão e foi rebaixado.
Zumbi do futebol
Depois disso, [o Ipatinga] ainda voltou para a elite do Mineiro e chegou a disputar a final de 2010 contra o Atlético [Mineiro], perdeu e dali em diante foi uma decadência total. Caiu novamente de divisão no Campeonato Mineiro de 2011. Foi caindo no Brasileiro até não ter série mais para disputar.
Tentou uma mudança para o município de Betim, onde inclusive eu trabalho aqui na Câmara Municipal daquela cidade. Mudou de nome para Betim. Não deu certo. Voltou para o Vale do Aço. Foi refundado com o nome Ipatinga. Hoje luta pra não cair para a terceira divisão do futebol mineiro. Ou seja, é mais um zumbi que perambula o futebol mineiro. Nada daquele clube que foi semifinalista da Copa do Brasil, campeão mineiro em 2005, que revelava atletas... Nada, nada, nada daquilo.
Tenho certeza de que essa atitude do Ipatinga contribuiu decisivamente para o início do declínio do clube. É uma pena porque é uma cidade progressista. Muito boa. Forte economicamente. Uma região que adora futebol e tem um belo estádio. Enfim... Merecia uma sorte melhor. Mas por causa do desatino de determinados dirigentes, o clube pagou caro por isso.”
Repercussão
"Me incomdou muito, na época, o total silêncio da imprensa mineira sobre o ocorrido. Esse caso repercutiu imensamente fora de Minas Gerais, em São Paulo, Rio, Rio Grande do Sul, Paraná, Nordeste... Recebi centenas de manifestações por telefone, por e-mail. Quando o Ipatinga caiu foi incrível como as pessoas até comemoraram de fora do estado.
Aqui, a não ser por uma exceção, foi um silêncio sepulcral. Não sei se foi porque a prefeitura de Ipatinga era um anunciante muito forte em vários veículos de comunicação, mas o fato é que a imprensa mineira foi uma decepção neste evento. Praticamente não noticiou absolutamente nada."
Nesta temporada, o Villa Nova disputou e se manteve na primeira divisão do Campeonato Mineiro, terminando a competição em 10º lugar.
O Ipatinga, por sua vez, joga pela segunda divisão. No próximo sábado (7), o time do Vale do Aço visita o Clube Atlético Uberlândia, e, a depender dos resultados da rodada — a última do campeonato —, pode cair para a terceira divisão.
A reportagem procurou por Ricardinho, que não respondeu. Atualmente, o ex-atacante de 34 anos não está em atividade no futebol.
Aos 39, Glaysson, por sua vez, defende o Tupynambás, que está na quarta posição da segunda divisão do Campeonato Mineiro. A equipe briga por vaga na elite do Estadual e, também no sábado, recebe o Mamoré.
Melhor release da história
Confira trechos do release do Villa Nova:
“O atacante Ricardinho, 24 anos, não faz mais parte do Leão do Bonfim. O jogador recebeu uma proposta indecorosa do Ipatinga F. C., aceitou prontamente e foi desligado do elenco alvirrubro pelo presidente João Bosco Pessoa.
Ricardinho aceitou receber R$ 30 mil para assinar um pré-contrato com o clube do Vale do Aço às vésperas da última rodada da Primeira Fase do Campeonato Mineiro.
Na negociata espúria, acertada nas catacumbas da traição durante a quinta-feira, há uma cláusula que impede a participação do atleta na partida de domingo entre Ipatinga X Villa Nova.
Dócil aos encantos do dinheiro sujo da corrupção, Ricardinho aceitou prontamente a condição. Ao descobrir a manobra, a diretoria do Leão mostrou a porta da rua para esse profissional mau caráter.
Contratado pelo Villa Nova como uma das principais aquisições para a disputa do Campeonato Mineiro, Ricardinho, o fariseu, teve uma passagem apenas discreta pelo Castor Cifuentes. Foram somente sete jogos e míseros quatro marcados. Um problema crônico no púbis retirou o jogador de várias partidas.
O atacante chegou a Nova Lima com a fala de ser o Rei do Drible, mas sai pelas portas dos fundos do clube como o verdadeiro Rei da Pipoca. O Villa Nova, próximo de completar o primeiro centenário de fundação, é muito maior do que esse calhorda venal.
O traidor Ricardinho não foi o único jogador do Leão a receber sondagens pornográficas. O goleiro Glaysson, exemplo de profissional e de respeito à camisa gloriosa do Villa Nova, também foi alvo de duas investidas indecentes.
Na primeira delas, os corvos que infestam o futebol mineiro propuseram pagar R$ 15 mil para o goleiro simular uma contusão e não viajar para Ipatinga. Glaysson rechaçou na hora essa propositura, momento em que o suborno subiu para R$ 30 mil e mudou de patamar: o goleiro teria, então, de entrar em campo e deixar entrar alguns gols do Ipatinga. Os frangos em Minas estão valendo muito...
Glaysson comunicou na hora à diretoria a tentativa de suborno e foi treinar normalmente, numa demonstração de hombridade que só os verdadeiros profissionais são capazes de fazer. O goleiro estará em campo no domingo, como já fez em outras 63 oportunidades, pronto para honrar a camisa que veste."