Qatar: saiba o que Talibã e Copa do Mundo têm em comum com o país
Estratégia de dialogar com o grupo é similar à que levou o país a se candidatar e se tornar sede do próximo Mundial de futebol
Fora de Jogo|Eugenio Goussinsky, do R7
Quando uma delegação do Qatar desembarcou no aeroporto de Cabul, por volta das 2h20 da madrugada (19h de Brasília), do último dia 1, o Qatar estava dando mais um passo na estratégia que o levou a realizar a próxima Copa do Mundo de futebol, em 2022.
A agência de notícias Al-Jazeera, do Qatar, informou que os técnicos iriam discutir com o Talibã o desenvolvimento de instituições e a reestruturação das atividades no Afeganistão, após tropas dos Estados Unidos e da Otan se retirarem do país. Também estariam sendo avaliadas formas de reabrir o aeroporto para voos.
O diálogo com o Talibã colocou o Qatar em uma berlinda em que, para o governo catari, vale o risco. Isto porque o Talibã é um regime sectário, que já foi ligado e atualmente é suspeito de colaborar com células terroristas. Também tem ligações com o regime xiita do Irã, forte opositor da Arábia Saudita pela hegemonia na região.
Apesar disto, o Qatar acaba de retomar, neste ano, as relações com países do Golfo, após ficar quase quatro anos isolado, sob a mesma acusação de financiar grupos terroristas. Em junho de 2017, a Arábia Saudita comandou um bloco que rompeu relações diplomáticas com o Qatar, retomadas em janeiro último.
Mas a intenção do governo do Qatar é buscar, segundo a sua diplomacia, condições de governo ao Talibã e evitar uma crise humanitária e evitar o isolamento do Talibã, o que, aí sim, segundo os diplomatas, poderia promover um governo sectário e revanchista na política internacional. Desde 2013 o Qatar mantém um escritório no Afeganistão, com diálogo aberto com o grupo.
Tal política, neste momento, busca, mais adiante, dar uma imagem de conciliador ao país que busca novos mercados e se inserir com cada vez mais intensidade no intercâmbio comercial com vários países. É uma estratégia similar à que o levou a se candidatar e se tornar sede da próxima Copa do Mundo, na busca de promover uma imagem de abertura, eficiência e modernidade ao país.
"O Qatar está em uma franca campanha de construção de imagem na tentativa de afastar da pecha de petromonarquia teológica. Desde sediar a abertura da rodada de negociações da OMC a sediar a copa do mundo de futebol. Por ser um pais pequeno, pouco povoado e espremido entre lideranças históricas islâmicas com maior economia população e exércitos, o governo de Doha tenta balancear a relação com os demais", afirma o professor Vladimir Feijó, do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais).
Após cerca de 20 anos, o grupo radical retomou o poder no país. Após a tomada, acontecimentos trágicos se sucederam, com milhares de pessoas tentando deixar o país em aviões, desesperadas, com muitas delas morrendo na tentativa.
Também no dia, um atentado, de autoria do Daesh-Khorasan, que se diz inimigo do Talibã, matou mais de 120 pessoas no aeroporto da capital afegã, dias antes de os Estados Unidos se retirarem por completo do país.
O Afeganistão acabou se tornando um país onde o Qatar buscou algumas soluções para seu isolamento, quando rompeu relações com a Arábia Saudita e seus aliados. O Qatar buscava, pelo menos, ter um governo sintonizado com seus interesses na região.
Neste momento em que o Afeganistão está à beira do caos, com as instituições fragmentadas e a falta de êxito das tropas americanas em dar estabilidade ao país, a presença do Qatar como um mediador até está sendo bem vista pelo governo americano, segundo Feijó.
"Depois das sanções econômicas e suspensões de relações diplomaticas o governo engajou-se firme nas negociações com o Talibã e depois forte apoio logístico à retirada humanitária no Afeganistão. O apoio foi muito bem recebido pelos aliados, especialmente os EUA que mantém base militar ali", observa.
A estratégia é de risco porque pode arranhar a reaproximação do Qatar com a Arábia Saudita e seus aliados, assim como as relações com as potências europeias, que ainda desconfiam desta aliança catari com o Talibã.
Visão Nacional do Qatar
"Apesar de mensagem positiva do Conselho Europeu de Relações Exteriores os países da União Europeia ainda são contidos em elogios, mantendo suspeitas dos verdadeiros interesses do país e se de fato a monarquia deixou de financiar radicais. Mas não é possível negar que a intermediação promovida pelo Qatar foi essencial para negociações com o Talibã e agora a tentativa de reabrir rotas de ajuda externa à população afegã", destaca Feijó.
Tanto o apoio ao Talibã quanto a organização da Copa do Mundo fazem parte do projeto nacional "Visão Nacional do Qatar 2030", cujo objetivo, segundo Simon Chadwick, professor de geopolítica econômica do esporte da EM Lyon Business School, na França, afirmou à BBC, é se transformar em "uma sociedade avançada capaz de sustentar seu desenvolvimento e proporcionar um alto padrão de vida para seu povo".
Os investimentos no futebol foram um dos passos iniciais dentro desta estratégia. Em 2012, a Qatar Airways se tornou o primeiro patrocinador na camisa do Barcelona. No mesmo ano, o grupo QSi (Qatar Sports Investments) passou a controlar o Paris Saint-Germain, tendo investido cerca de 2 bilhões de euros (R$ 12,34 bilhões) desde então.
Para a Copa do Mundo, o país irá investir cerca de 200 bilhões de dólares (R$ 1,034 trilhão), construindo, inclusive, uma cidade com infraestrutura esportiva só para atingir seu propósito de realizar um Mundial com tecnologia de ponta.
Para se ter uma ideia, o custo total da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, cercada de acusações de superfaturamento, foi de cerca de R$ 40 bilhões, sendo que 40% foram destinados à construção de estádios.
Em 2020, promotores dos Estados Unidos indiciaram cinco dirigentes da Fifa, sob a acusação de terem sido subornados para votar nas candidatas Rússia e Qatar, para serem as sedes das Copas de 2018 e 2022. O indiciamento é consequência de anos de investigações que começaram em 2015, com o Fifagate.
Além da suspeita de corrupção para obter o direito de realizar a Copa, o Qatar também foi criticado por, segundo artigo do jornal The Guardian, colocar os trabalhadores que erguiam as obras para o mundial em condições análogas à escravidão.
Segundo o jornal, pelo menos sete mil imigrantes já morreram no emirado, com muitos desses óbitos relacionados sendo direta ou indiretamente às condições de trabalho e de vida no país.
Como resposta, o governo do Qatar declarou que contratou um escritório de advogados internacional para investigar as acusações para que "examine todas as acusações de forma independente e que apresente um relatório sobre sua veracidade".
As acusações contrastam com o próprio objetivo do país de melhorar sua imagem. E se a aliança com o Talibã não evitar o ressurgimento do terrorismo no Afeganistão, será mais um fator que isolará novamente o país, fazendo o país iniciar o controvertido Mundial já com um perigoso gol contra.
De Messi a Phelps: veja máximas do esporte nos últimos 30 anos