Pelé 80: Sua Majestade é mesmo real. E até me deu autógrafo
Impossível não lembrar em detalhes da primeira vez diante do ser humano melhor dotado na história da Humanidade para o exercício de um esporte
Especiais|Eduardo Marini, do R7
São Paulo, meados da década de 1990. Trabalhava como editor especial de uma importante revista de circulação nacional do País quando recebi a tarefa de acompanhar, no Estádio da Vila Belmiro, em Santos, um encontro de Pelé com a diretoria do clube.
Era a primeira vez que teria a chance de, como diz o ótimo poeta e filósofo carioca Antônio Cícero em relação às altezas de forma geral, testemunhar “o rei chegar; o rei passar”. A oportunidade de estar diante do ser humano melhor dotado em toda a história da Humanidade para o desempenho de uma atividade esportiva.
De estar olho a olho com a personagem que virou exemplo do que significa arranhar com as unhas a perfeição: fulano é o Pelé da engenharia, beltrano é o Pelé da medicina, sicrano é o Pelé do jornalismo.
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Ao final da tarde estávamos todos – cartolas, conselheiros, filhos de conselheiros, fãs e jornalistada - lotando um espaço do mitológico estádio da Baixada Santista. O Rei demorou, a noite caiu, mas finalmente ele chegou. Passou e aquele pedaço da Vila veio abaixo.
Um dirigente anuncia sua chegada, como se houvesse a mais remota necessidade. A atitude chega a soar irônica. Pelé ocupa uma cadeira da bancada, deseja boa noite a todos e faz um rápido comentário sobre o prazer de estar ali. O espaço desaba novamente em aplausos e gritos.
Ao final do encontro, Sua Majestade concede, num ponto mais reservado, ainda que de forma improvisada diante dos tufões e furacões que invariavelmente cercam suas aparições, um breve tempo para aproximação e perguntas dos jornalistas.
Foi quando, pela primeira vez, o turbilhão de emoções acumuladas pelo admirador venceu em mim a carapaça do profissional e pedi um autógrafo a quem estava à frente circunstância profissional. A situação se repetiria anos depois, quando Arthur Antunes Coimbra, o Zico, ídolo maior e eterno do Flamengo, recebeu este rubro-negro de sonhos infantis, nascido e criado em Três Rios, no interior do Estado do Rio, para uma entrevista em seu centro esportivo. Ao menos até agora, posso garantir, foi só.
A fila da jornalistada para pegar um autógrafo do Rei, a bem da verdade, era grande. Indiferentes mesmo só os colegas acostumados a cobrir o Santos – que, evidentemente, fizeram isso, ou mais, em momentos anteriores.
Pelé subia como um foguete da Nasa em suas cabeçadas antológicas. O recurso (que recurso ele não tinha?) levou muitos a crer que ele tem muito mais do que seus comportados 1,73 metro de altura.
No mundo real (não simbólico, por favor, porque aí seria covardia) o Rei tem quinze centímetros de altura a menos do que meu 1,88 metro. Não é por nada não, mas, quando me lembro desse dia, reforço a certeza de que estiquei o braço ao alto, até a última possibilidade, para conseguir segurar de volta a caneta e o papel com a sequência de quatro letras em desenhos arredondados, a lembrarem bola, que o Rei direcionava a me devolver. Continuo até hoje a me controlar para não ser indelicado com quem eventualmente tenta me convencer de que essa certeza é fruto de mera sensação.
Nesse vídeo acima, enviado a jornalistas no embalo das comemorações de seus 80 anos, a serem fechados nesta quinta-feira (23), Pelé, recolhido em casa por ser do grupo de risco para a pandemia, pediu desculpas pelos estragos promovidos por ele, em campo, nos adversários.
“Com todos os campeonatos que ganhei, claro que o outro lado fica um pouco triste. Mas é coisa da vida, me desculpem. Agradeço de coração tudo o que ganhei na minha carreira”, registrou Sua Alteza, no exercício cada vez mais maduro e afetuoso de sua imensidão real.
Imagine, Majestade. Se quiser voltar, tenha rigorosa certeza: a gente aguentará tudo de novo.
Sem reclamar e com o prazer dos súditos uma vez mais recompensados.
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