Candinho, ex-técnico da Arábia: "no meu tempo seria demitido"
Candinho, que já classificou a seleção da Arábia Saudita para uma Copa, diz que na sua época não escaparia de perder o cargo se sofresse uma goleada
Copa 2018|Eugenio Goussinsky, do R7

A fala simples e direta de José Cândido Sotto Maior, o Candinho, facilitou muito as conquistas dele durante a carreira de técnico. Além de sua trajetória no Brasil, ele tem experiência de cinco passagens no futebol da Arábia Saudita, entre 1984 e 2007, numa das quais, em 1993, dirigiu a seleção do país.
Ele fala com conhecimento de causa sobre o que ocorreria, na época em que atuou no país, com um treinador que tomasse uma goleada de 5 x 0, como a que os sauditas levaram dos russos na estreia da Copa do Mundo de 2018, na quinta-feira (14).
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Para ele, o técnico espanhol Juan Antonio Pizzi, da Arábia Saudita, deve agradecer que os novos tempos, ainda que lentamente, também já chegaram ao rigoroso país de leis islâmicas e ditadura dinástica.
— Não sei como está a cabeça de quem dirige a federação local hoje, acredito que tenha evoluído de acordo com os novos tempos. Mas, naquela época mais antiga, já mandaram o Parreira embora no meio da Copa. Não acredito que acontecerá atualmente mas, se fosse naquela época, após uma goleada como a que tomou hoje, no dia seguinte mandariam o treinador pegar o primeiro voo, se ele tivesse sorte (risos).
O caso de Carlos Alberto Parreira, citado por Candinho, se refere a um episódio em que o ex-treinador foi demitido da Arábia Saudita durante a Copa de 1998, após duas derrotas. A seleção saudita não se classificou para as oitavas.
Hoje, aos 73 anos, já se dizendo aposentado do futebol, Candinho compara, com a sincera linguagem do boleiro, os tempos atuais com a época em que era treinador. Tendo comandado a seleção saudita que se classificou para o Mundial de 1994, nos Estados Unidos, ele afirma com segurança que a atual geração é bem mais fraca.
— Quando treinei a seleção, em 1993, o time era bem melhor do que esse atual, prova é que foi para a Copa dos EUA e passou de fase. Saiu só na seguinte e ainda teve o gol mais bonito (de Owairan, contra a Bélgica). Só não dirigi naquele Mundial porque briguei com o "homem" lá, mas classifiquei a equipe.
Sobre a briga, ele conta que, em 1993, no Catar, deixou a seleção, junto com sua equipe de assistentes, porque o príncipe Faisal bin Fahd, irmão do rei naquela época, começou a tentar interferir na escalação, após a Arábia Saudita já ter garantido a vaga na Copa, durante quadrangular final.
— Antes do último jogo, um secretário dele veio e falou que ele queria que eu trocasse o goleiro e o centroavante. Eu respondi que não, porque jogamos dois anos com aquela equipe. Batemos boca, fui embora, antes do jogo, já estando classificado. O príncipe, que era Ministro dos Esportes, ficou p...em Riad. Eu já ia mesmo direto para o Brasil.
Ele esclarece que não foi o medo de voltar para a Arábia Saudita que o fez ir da concentração para o Brasil. Mas admite que os jogadores ficaram em uma situação delicada e nada puderam fazer para mantê-lo no cargo.
— Não teria problemas em voltar, tanto que voltei depois e dirigi o Al Hilal e o Al Ittihad e fomos campeões. Mas os jogadores, ficaram ao meu lado mas não podiam falar nada, eles sim temiam sofrer represálias.
Candinho lembra que foi ele o treinador da Arábia Saudita em outro jogo contra a Rússia, o único além deste da estreia na Copa de 2018. Foi em um amistoso, na cidade saudita de Damman, do qual Candinho se lembra com bom humor. Sua seleção, afinal, venceu uma Rússia repleta de jogadores de alto nível, como Karpin, Mostovoy, Yuran e Tetradze, que enfrentaram o Brasil na Copa de 1994.
— Antes de ir para a Copa, vencemos os russos por 4 x 2. Nesse jogo, o primeiro tempo foi bem disputado, mas no segundo tempo os russos não conseguiam nem andar, o calor era de 40 graus e eles, acostumados com o frio, derreteram. A tendência era nós perdermos, mas mesmo assim tinhamos um bom time.
Para Candinho, que simpatiza com a abertura que o príncipe Bin Salman vem implantando, com a permissão, por exemplo, das mulheres dirigirem automóveis e irem a alguns eventos públicos, as mudanças também afetaram o futebol. O Ramadã, jejum que obriga o fiel a comer apenas após o anoitecer, durante um mês, já não é um empecilho tão grande.
— Na minha época não se podia nem sair do país sem autorização. Como só comiam à noite, no Ramadã, eu dava treino da meia-noite às duas da manhã. Hoje acredito que não seja assim. A juventude de lá viaja, tem internet. A cabeça mudou. Os jovens de hoje estão acabando com essa leis rígidas wahabitas. Quando eu dirigia, iam todos com roupas religiosas. Mais recentemente, já vi jovens com camisas dos EUA, Michael Jackson e tudo mais.
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