Será possível escolher o melhor arqueiro da história do "Timão"?
Difícil. Tempos e estilos muito diferentes separam Gylmar, Ronaldo, Dida e Cássio. De todo modo, segue uma análise das características dos quatro.
Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti
Convenhamos, a mim parece absolutamente ilógica qualquer pesquisa destinada à escolha da melhor qualquer coisa de cada coisa em todos os tempos. Melhor atriz, melhor ator, o melhor filme, tudo bem, vá lá, estão por aí as películas à disposição de quem deseje analisar. Idem em relação ao melhor cantor, ou à melhor atriz, melhor canção, estão aí os fonogramas, ainda que os tempos e os seus costumes respectivos produzam distorções de julgamento. Todavia, optar pelo melhor arqueiro da história do Corinthians é uma tarefona para um humano onisciente e/ou onipotente.
Catalisou a discussão o fato de Cássio ter fulgurado na peleja de quarta-feira, dia 27 de Fevereiro, ao defender os dois penais que redundaram no dramático sucesso do “Timão” sobre o Racing da Argentina, na Copa Sul-Americana. Num primeiro ato, porque o gaúcho de Veranópolis cumpriu, em tal porfia, a sua exibição de número 395 na meta do clube e se igualou a Gylmar dos Santos Neves, um superastro no decurso da década inteirinha de 50.
Daí, num ato subseqüente, porque apareceu em cena Ronaldo Giovanelli, o recordista na posição, 602 pelejas entre 1988 e 1998, um justo candidato ao galardão. Pois Ronaldo ampliou o debate ao dizer que, apesar dos seus números, caberia a Cássio ocupar o topo da classificação. Mais: no percurso da discussão, alguém se lembrou do baiano Dida, “Mosqueteiro” de 1999 a 2002 e um dos responsáveis pelo título do Mundial de Clubes da Fifa de 2000 ao catar um pênalti na final contra o Vasco da Gama no Maracanã.
Repito o “convenhamos” da abertura deste artigo. Ora, de que maneira comparar atletas em ação durante épocas tão distantes e por elencos e contra adversários tão diferentes? Admito que não ousaria mergulhar em águas tão traiçoeiras. Mas, porém, todavia, contudo, no entanto, eu testemunhei todos os quatro ao vivo e em cores, nos gramados e não apenas pela TV. E por isso acredito que consiga analisar o básico das suas características. Não importa se naqueles idos de Gylmar eu não passava de um adolescente e agora, diante de Cássio, já entrei na veteranice. Confio nas sensações que se agregaram à minha memória. A decisão sobre o melhor fica para quem me lê.
Observação:
Na contagem das partidas pela seleção aparecem aquelas que cada um disputou enquanto integrava o “Mosqueteiro” e, daí, entre parênteses, o seu total pela CBF. Quanto aos títulos pela seleção, se referem exclusivamente aos abiscoitados quando recebeu a convocação como atleta do Corínthians.
GYLMAR DOS SANTOS NEVES
Santos/SP, 22/8/1930 – 25/8/2013
Altura: 1m81.
Partidas pelo clube, de 1951 a 1961: 395
Campeonato Paulista – 1951, 1952, 1954
Torneio Rio São Paulo – 1953, 1954
Partidas pela seleção, de 1953 a 1961: 55 (93)
Copa do Mundo – 1958
Em 25/11/1951, acusado de fracassar num cotejo do Paulista, contra a Portuguesa, então uma esquadra poderosa, derrota por 3 X 7, acabou encostado por quatro meses e, depois, se tornou um ídolo indebatível. Embora econômico nas acrobacias, se destacava pela elasticidade e pelas intervenções nas bolas altas, as chamadas “pontes”. Sóbrio, frio, seguríssimo, não hesitava em sair da área pequena e, com munhecadas potentes, desviar os escanteios e os chuveirinhos. Gylmar foi um dos pioneiros na sua posição a abdicar das velhas joelheiras de proteção. E não recorria às luvas.
RONALDO SOARES GIOVANELLI
São Paulo/SP, 20/11/1967, ambidestro
Altura: 1m88
Partidas pelo clube, de 1988 a 1998: 602
Campeonato Brasileiro: 1990
Campeonato Paulista: 1988, 1995, 1997
Partidas pela seleção, de 1991 a 1993: 2 (2)
Copa do Brasil: 1995
Reserva de dois egressos da seleção, Carlos e Valdir Peres, o treinador Jair Pereira o promoveu como titular exatamente num clássico diante do São Paulo, em 28 de Fevereiro. E o Corinthians venceu por 2 X 1 graças a Ronaldo, que pegou um pênalti batido por Darío Pereyra. Essencialmente um torcedor em campo, agitado, falador, espetaculoso, um milagreiro mas, também, às vezes exagerado nas reclamações, na indisciplina e em atritos bobocas com os colegas. Pegou 24 penais em sua carreira no “Timão”. Embora idolatrado pela torcida, e contra a sua vontade, acabou negociado com o Fluminense, por um mero capricho do recém-contratado Vanderlei Luxemburgo.
NÉLSON DE JESUS DA SILVA - DIDA
Irará/BA, 7/10/1973, canhoto
Altura: 1m95
Partidas pelo clube, de 1999 a 2002: 100
Mundial da FIFA: 2000
Campeonato Brasileiro: 1999
Copa do Brasil: 2002
Torneio Rio-São Paulo: 2002
Partidas pela seleção, de 1999 a 2002: 35 (91)
Copa do Mundo: 2002
Adjetivar Gylmar como sóbrio e frio significa determinar Dida como gélido e inabalável. Por seu desempenho marcante, no Cruzeiro de Belo Horizonte, ganhou um contrato com o Milan da Itália. Mas, satisfeito com Sebino Rossi, Christian Abbiati e Valerio Fiori, o treinador Alberto Zaccheroni o estacionou no Lugano da Suíça e em seguida o emprestou ao “Timão”. Por alguns meses, em 2000, retornou à Bota, ainda sem se fixar. E o Milan o re-emprestou.
Apesar dessa intermitência, a sua estada no “Mosqueteiro” se definiu pela categoria com que enfrentava os penais. No desenrolar da sua carreira, evitou dois de Rogério Ceni. Aliás, formidavelmente, num curto período, evitou quatro em série. Em 24/11/1999, o batido por Marcelo Souza no Brasileiro, 1 X 1 diante do Guarani. Na pugna imediatamente seguinte, 29/11, dois penais cobrados por Raí, do São Paulo, placar de 3 X 2, que levaria o Corinthians à final contra o Atlético Mineiro e ao troféu da temporada. E, em 14/1/2002, o chutado por Gilberto na decisão por penalidades do primeiro Mundial da FIFA, o oficial. Impressionante: Dida praticamente não celebrou.
CÁSSIO RAMOS
Veranópolis/RS, 6/6/1987, canhoto
Altura: 1m96
Partidas pelo clube, desde 2012: 395
Mundial da FIFA: 2012
Copa Libertadores: 2012
Recopa Sul-Americana: 2013
Campeonato Brasileiro: 2015, 2017
Campeonato Paulista: 2013, 2017, 2018
Partidas pela seleção, desde 2012: 1 (12)
Um acumulador de performances extraordinárias. Logo na sua estréia numa porfia pela Libertadores, em 2/12/2012, fase das oitavas-de-final, na rota da inédita conquista daquela taça pelo “Timão”, garantiu a igualdade de 0 X 0, no Equador, diante do Emelec. Na etapa das quartas, aos 87’ do jogo contra o Vasco, assegurou o resultado de 1 X 0 ao realizar uma intervenção de fato exponencial, cara-a-cara com Diego Souza. O Corinthians arrebatou invicto aquela edição da Copa, 22 tentos a favor e 4 sofridos, em 14 combates. E Cássio amealhou o precioso laurel de arqueiro da competição.
Em 16 de Dezembro, num outro desempenho fenomenal, liderou o alvinegro na decisão, contra o Chelsea da Inglaterra, de outro Mundial da FIFA, 1 X 0. E ganhou o prêmio duplo de melhor do cotejo e do certame. Porque é o único dos quatro a somar todos os títulos possíveis, do Paulista ao Mundial, reúne todos os atributos cruciais para justificar um posto superlativo no panteão dos heróis do “Mosqueteiro”. No entanto, e sempre existe um senão, há quem o acuse de fraquejar infantilmente em lances simples e de sempre sair muito mal da meta. De fato, conforme prega o ditado, “ninguém é perfeito”.
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