São Paulo, Brasil
"A Justiça não levou em consideração que ele não sabia que estava cometendo um delito, porque não entendeu que lhe deram documentos falsos.
"Ele é tonto."
"Na apelação haverá um teste psicológico?
(Para provar que ele é deficiente mental.)
"Você está tomando muito literalmente o que eu disse."
Esse diálogo ficaria interessante saído de uma tragicomédia italiana qualquer.
Mas ele foi real.
Aconteceu no Palácio da Justiça de Assunção, entre o advogado Rodolfo Marin e a repórter da Folha, Sylvia Colombo.
Ficou explícito que o chefe dos advogados, muito bem pagos para tentar tirar Ronaldinho Gaúcho da prisão no Paraguai, por ter usado passaporte falso, não considera o próprio cliente 'um gênio".
Pelo contrário um 'tonto'.
Mas não será necessário teste algum para provar se ele é ou não deficiente mental.
Ronaldinho optou em deixar sua vida séria, com decisões adultas, nas mãos do irmão Roberto Assis.
A decisão não foi madura, voluntária.
Pelo contrário.
Fo traumática.
E ele mesmo recordou há dois anos, em uma carta imaginária que mandaria para Ronaldinho Gaúcho menino.
"Caro Ronaldinho de 8 anos de idade,
"Amanhã, quando você voltar para casa depois de ter jogado futebol, vai ter muita gente em sua casa.
"Seus tios, amigos da família e algumas pessoas que você não vai reconhecer estarão na cozinha.
"A princípio, você pensará que se trata de uma festa. Todos estarão lá para comemorar os 18 anos de seu irmão, Roberto.
"Geralmente, quando você volta para casa depois do futebol, sua mãe está sempre rindo ou fazendo algum tipo de piada.
"Mas desta vez ela estará chorando.
"Então, você vai ver Roberto. Ele colocará o braço em volta dos teus ombros e vai te levar para o banheiro para que vocês possam estar num local mais reservado. Ele vai te contar algo que você não irá compreender.
"Houve um acidente.
"Papai se foi.
"Ele morreu. (...)
Este é um trecho da carta que o jogador escreveu para o The Players Tribune, site norte-americano, que conta com depoimentos dos principais atletas do mundo, contando infância e começo no esporte.
A morte de João Moreira foi terrível.
A família de Ronaldinho era simples. E o sonho do irmão Assis era comprar uma casa bonita espaçosa e com piscina para os pais.
Não havia dinheiro.
O pai, João, era soldador durante o dia e, à noite, trabalhava como segurança do estacionamento do Grêmio.
Com o início na carreira no mesmo Grêmio, Assis pôde comprar uma, como sempre desejou. Mas, infelizmente, pouco tempo depois da aquisição e festa na família, João Moreira, pai de Ronaldinho, foi encontrado morto na piscina.
Desde então, Assis deixou de ser irmão para se transformar em pai. Arcar com todas as responsabilidades, todas as decisões que o jogador tomaria para o resto da vida.
Foi Assis, por exemplo, que esteve por trás na sua entrada no Grêmio, na transferência brigada para o PSG, ida ao Barcelona, a infeliz ida para o Milan, Flamengo, Atlético Mineiro, Querétaro e Fluminense.
Como é ele quem fechou contratos de todos os tipos.
O irmão nunca nem se deu ao trabalho de discutir.
Ou mesmo pensar em outro empresário.
Ele sentia que tinha a esperteza do irmão com a proteção paterna.
Nunca ele o colocaria em apuros.
A escolha seria sempre a melhor.
Assis é conhecido em Porto Alegre por ter ambição desmedida.
Não descansa, não rejeita a oportunidade de ele e o irmão faturarem dinheiro.
Mesmo nas campanhas mais esdrúxulas.
Desde desenho realista indiano, campanhas de cerveja polonesa, supermercado russo, energético austríaco até milionário contrato com a Nike.
Mas também o colocou em negociação dúbia.
Como aceitar ser o rosto em uma empresa de investimento em criptomoedas. Empresa que está sendo acusada de usar a estratégia de pirâmide. Ronaldinho está sendo processado em R$ 300 milhões, em uma ação coletiva.
A promessa aos investidores era de até 2% ao dia, como está na publicidade.
As vítimas lesadas podem passar de mil, de acordo com advogados. As empresas processadas são a 18k Ronaldinho Comércio e Participação Ltda. e 18k Watches Comércio Atacadista e Var. de Relógio Ltda.
O processo começou em fevereiro deste ano.
Assis também coordenava as participações do ex-jogador duas vezes melhor do mundo. Cobrando cachês, Ronaldinho atuava em times de futsal, partidas de exibição.
Assis fechou uma parceria com o Barcelona e o irmão é um dos embaixadores do clube pelo mundo.
Mas o que Ronaldinho apreciava era aparições em grandes festas, lançamentos de empresas.
O Ministério Público acredita que Ronaldinho e o irmão foram na semana passada para o Paraguai para prestigiar uma festa em cassino. Além de campanha social e o lançamento de sua biografia.
Foi quando os passaportes falsos teriam chegado a Ronaldinho e a Assis.
Não há a menor dúvida.
Se Ronaldinho Gaúcho está hoje preso no Paraguai, a responsabilidade é de Assis.
Quem é próximo do jogador sabe que sempre fez questão de ser alienado em relação à documentos, burocracia.
Sua vida sempre foi jogar, se divertir, mulheres.
Aliás, tinha um potencial fabuloso.
Se não fosse a tendência às farras, sua carreira teria sido muito mais fabulosa.
Esse é o problema quando um familiar próximo é o empresário.
Como o pai, que garante, sem constrangimento, mimar até hoje Neymar, 28 anos.
Por isso as festas sem hora para acabar.
Um exemplo de como é importante ter um empresário de verdade foi com Lewis Hamilton, hexacampeão mundial de Fórmula 1.
Sua carreira só deslanchou de vez ao despedir ao seu próprio pai, Anthony Hamilton.
Mas essa situação nem passou pela cabeça de Ronaldinho.
Ele nunca foi tonto.
Mas alienado.
Porque pensou estar protegido pelo irmão/pai.
Errou.
Porque a ambição de Assis não teve limites no Paraguai.
O Ministério Público do país vizinho usa como linha de investigação, o fato de Assis tomar todas as decisões pelos dois.
E que ele teria recebido os passaportes que mostram os dois como paraguaios naturalizados.
O que é mais do que uma mentira.
Um crime.
Assim como empunhá-lo como fez Ronaldinho ao chegar em Assunção.
E ambos foram detidos, algemados.
Estão na cadeia.
Pela falta de cuidado de Assis.
E pela alienação de Ronaldinho Gaúcho...