Neymar será uma bomba-relógio no Catar. Tite finge não enxergar o descontrole do seu protegido. Vexame na Rússia não bastou
Se conseguiu descobrir novos atacantes importantes para a seleção, Tite seguiu nestes quatro anos omisso em relação ao descontrole emocional de Neymar. Esse é o grande risco do Brasil no Catar
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
A decisão não foi tomada em julho de 2016, quando assumiu a seleção.
Não, desde agosto de 2014, quando acreditou que sucederia Luiz Felipe Scolari, Tite havia optado por defender Neymar. Passando por cima de todas as injustiças, incoerências, reservando os privilégios aceitáveis e inaceitáveis.
Por puro egoísmo.
Tite sabe melhor do que ninguém que o seu camisa 10, dono de todos os pênaltis e faltas, que não é capitão porque não quer, é o único jogador excepcional que tem nas mãos na seleção.
Ao contrário de outras gerações. Em 1958, Pelé, Garrincha, Djalma Santos, Didi. Em 1962, Pelé, Garrincha, Amarildo, Nilton Santos. Em 1970, Pelé, Rivellino, Gerson, Jairzinho, Tostão. Em 1994, Romário, Bebeto, Mazinho. Em 2002, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho.
Agora, só Neymar.
Há seis anos, Tite vive negando a realidade.
Não assumindo sua postura de comandante de um grupo, que tem como obsessão vencer novamente a Copa do Mundo.
Ele fecha os olhos para as bobagens, infantilidades que Neymar segue fazendo, mesmo aos 30 anos.
O sucesso, esperado de Pedro, e sua convocação garantida para o Mundial servem para distrair os mais ufanistas, jornalistas/torcedores, que esperam exclusivas do treinador e dos jogadores, como retribuição aos elogios rasos.
Exaltam as goleadas do Brasil nas duas últimas partidas antes da Copa. Contra seleções fraquíssimas da África. Raphinha, Vinícius Júnior, Danilo, Richarlison e Pedro conseguiram se destacar, ganhar espaço importante.
Mas, na análise fria, outra vez foi Neymar o ponto negativo. Não com a bola aos seus pés, já que segue sendo um jogador excepcional.
Só que sua mentalidade esportiva segue a de um menino mimado.
Como explicar dois cartões amarelos contra Gana e Tunísia?
Dois cartões amarelos, na fase de classificação, resultam em suspensão.
Os cartões vieram da mesma maneira. Ao revidar pontapés, cair em provocações óbvias, anunciadas. O mundo sabe que o "menino Ney", de 30 anos, não suporta ser irritado. E haverá o revide. Principalmente os árbitros.
Depois do vexame na Copa da Rússia, com as simulações vergonhosas, Neymar decidiu que só pontapés de verdade o levariam ao chão.
E ele é caçado, sim. Há rodízio de pontapés de jogadores adversários no brasileiro.
Mas como há também em Messi. No belga De Bruyne. No francês Mbappé.
E a reação do trio não é a de revidar, xingar, empurrar os adversários.
Não cobrar os árbitros como se fossem intocáveis.
Neymar age como um juvenil desrespeitado, como se sua honra tivesse sido atingida ao sofrer um pontapé. Caberia a ele, depois de 11 anos como profissional, se controlar. Entender que a falta é assumir não ter qualidade para desarmá-lo lealmente. Mas isso quem deveria explicar e cobrar é Tite.
O técnico brasileiro parece temer ofender Neymar. Sabe quanto o atacante é irritadiço.
E o quer como aliado, no sonho de ser campeão do mundo. Mesmo em situações em que ele não tem defesa.
Tite é incoerente, busca frases de efeito, faz comparações vazias. Garante manchetes afoitas para fugir da questão central. Cobrar Neymar um comportamento centrado, de líder técnico da seleção pentacampeã do mundo, que não consegue chegar sequer a uma final de Copa há 20 anos.
O técnico o elogiou ontem porque o jogador de 30 anos decidiu se dedicar fisicamente à Copa do Mundo. Algo que deveria ser obrigatório. Tite apela até para palavra inglesa para destacar a dedicação.
"O Neymar tem que ser elogiado publicamente porque teve consciência profissional. Segundo, do Ricardo Rosa, seu preparador particular que deu o suporte. Terceiro, o PSG, que trouxe a evolução.
Nós enquanto seleção ficamos felizes porque beneficiados desse processo. Ficamos acompanhando nesses jogos o improve [evolução, em inglês] que ele tem. É como se diz na Mentalidade Mamba: "se preparar e continuar se preparando", como está no livro de Kobe Bryant que nós colocamos como conexão com os atletas mais jovens.
Quanto aos pontapés que o jogador revidou, Tite fugiu da resposta.
"O emocional ficou bastante evidente por dois aspectos. Estávamos numa atmosfera em que grande parte da torcida não era nossa, era da Tunísia. Tentava localizar nossos torcedores e estavam diluídos. Isso criou uma atmosfera. O jogo em campo, sabíamos que seria competitivo, leal, mas não esperava que acontecesse o lance que aconteceu com Neymar, um lance passível de tirar jogador de Copa do Mundo. Mas sabíamos disso, fizemos amistosos com equipes do Mundial. Espírito competitivo não te permite jogar amistoso sem um embate mais forte, corríamos esse risco e foi aquilo que decidimos."
Tite tem duas assessorias de imprensa. A da CBF. E a sua particular. Ou seja, ele é treinado para dar evasivas, só responder ao que for conveniente. Quando estiver encurralado, seus auxiliares Cléber e César Sampaio acompanham entrevistas e respondem. Sem, evidente, a importância do técnico da seleção. São situações estudadas, ensaiadas.
E Neymar é o principal personagem a ser protegido.
O jogador ontem deu rápidas declarações. Sabia que não foi a estrela dos dois jogos. E que caiu na provocação nos amistosos, tomando cartões amarelos.
Como é de costume, quando vive situações ruins, ele nega a realidade. Distorce. Ele tem mais de 30 profissionais contratados para cuidar de sua imagem. Mais a assessoria de imprensa da CBF.
Após as partidas, principalmente nas Copas, ele é orientado sobre quais serão as perguntas mais duras que os jornalistas farão. Mesmo assim, não consegue se controlar.
"Acho que o primeiro jogo da Copa foi hoje (risos). Acho que os jogadores da Tunísia se empolgaram um pouco com a torcida, que se manifestou bastante, e acabou que exageraram um pouquinho na força. Mas tivemos cabeça boa, jogamos futebol e conseguimos vencer o jogo."
Perguntado diretamente sobre os pontapés que recebeu, a resposta sem sentido.
"Cara, a gente já não é mais criança. Apesar de ter vários jovens no nosso time, são jogadores de time grande.
Esse teste psicológico a gente já trabalha faz tempo."
Fosse assim, ele não teria tomado dois amarelos.
E ainda escapado de análise de expulsão, por parte do VAR.
O Brasil terminou sua preparação para a Copa.
Tite não enfrentou o problema enorme que é o lado psicológico de Neymar.
Tempo ele teve de sobra.
Mas optou pelo caminho mais fácil, de mostrar que está ao lado do jogador, de qualquer maneira.
Aconteça o que acontecer.
Estando ele errado ou não.
Foi essa postura que prevaleceu na Copa da Rússia.
Com Neymar rolando pelos gramados a qualquer ameaça de pontapés.
Egoísta, tentando decidir as partidas sozinho.
Quatro anos se passaram, até pelos 30 anos, a parte coletiva de Neymar melhorou muito. Ele é capaz de jogar pelo time, algo que não fazia com a camisa da seleção.
Mas, em relação às provocações, segue agindo como menino mimado.
Esse é um grande perigo que Tite arrastará para a Copa.
Para privilegiar seu único jogador excepcional que possui.
O risco é enorme.
Esta foi a escolha de Adenor Leonardo Bachi.
Contrária a todas as atitudes como técnico de clube.
Enfrentou, cobrou os principais jogadores de Corinthians, Grêmio, Atlético, Palmeiras, Internacional.
Mas na seleção, não.
Mudou, se submete a Neymar.
Espera, como compensação, a conquista do título mundial.
Se vier, todos os privilégios serão esquecidos.
Os vitoriosos escrevem a história.
Agora, se o Brasil perder, o tratamento especial de Tite ao seu camisa 10 será relembrado, e condenado, por todos.
Como foi em 2018.
Mas nem ele nem Neymar aprenderam com as simulações vexatórias e descontrole emocional contra a Bélgica.
Tite não desarmou a bomba-relógio que pode sabotar o Brasil na Copa.
Ele se submete mais uma vez, por sua conta e risco.
Apesar do surgimento de Raphinha, Vinícius Júnior, Richarlison, Paquetá, Rodrygo, Antony, Pedro, a dependência de Neymar, para o técnico do Brasil, segue ainda mais forte.
Os dois terminarão a Copa de 2022 abraçados.
Ou comemorando o título, apesar do amadorismo.
Ou lamentando não terem tido uma relação mais madura.
De comandante justo para comandado...
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