Não tem limite para a crueldade do Flamengo com os meninos mortos
Além de não indenizar as famílias dos garotos mortos no incêndio no dormitório, clube não deixa sequer os pais entrarem para rezar, um ano após a tragédia
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
O sol não esconde a tristeza no Rio de Janeiro.
A cidade mais bela do Brasil acordou enlutada.
Envergonhada.
A tristeza pela morte de dez garotos em um incêndio tão brutal quanto evitável, virou revolta silenciosa.
Em uma ação simbólica perfeita, varais foram espalhados pela Cidade Maravilhosa.
Na frente do Ministério Público, do 42º Distrito da Polícia Civil, ao Maracanã, ao Ninho do Urubu e outros pontos da cidade.
Nos varais, dez camisas do Flamengo, com os nomes dos dez meninos mortos no dia 8 de fevereiro de 2019.
O número é o mesmo: 10.
Arthur Vinicius, Athila, Bernardo,
Christian Esmério, Gedson, Paulo Henrique,
Rykelmo, Samuel, Vitor Isaias.
Todos entre 14 e 16 anos.
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Os nomes dos dez meninos estão nas costas da camisa do clube mais popular do Brasil.
Que prevê faturar R$ 750 milhões em 2020.
E que foi o responsável pela absurdas, cruéis, horrendas mortes dos dez garotos.
Foram mortos em contêineres soldados, improvisados como dormitório, de forma irresponsável, criminosa.
Eles estavam dormindo quando houve um curto circuito no ar condicionado também improvisado.
Era madrugada.
O fogo foi veloz, sem piedade.
Em contato com a estrutura dos contêineres se espalhou. Além de provocar uma espessa nuvem de fumaça tóxica. Não havia luzes de emergência. Corredores dominados pelo fogo se transformaram em armadilhas mortais.
Os meninos morreram de duas formas.
Ou queimados.
Ou intoxicados, respirando fumaça tóxica.
Jamais houve algo parecido na elite do futebol mundial.
É a maior tragédia da história do Flamengo.
Faz um ano que tudo aconteceu.
Daí começa a ser motivo de vergonha do Rio de Janeiro.
Do Brasil.
E principalmente desta diretoria.
O que valem os títulos da Libertadores, do Brasileiro, do Carioca de 2019?
Se não houve competência de Rodolfo Landim em resolver a situação das dez famílias, que colocaram a vida de seus filhos, netos, sobrinhos sob a responsabilidade do clube.
Levaram os filhos cheios de esperanças e os receberam em caixões.
Com os corpos queimados ou intoxicados.
O Flamengo havia recebido 31 multas da prefeitura do Rio de Janeiro pelo uso dos contêineres como dormitório. Pela planta que a prefeitura tinha, no local deveria haver um estacionamento.
A partir da sequência terrível de enterros, começou uma nojenta batalha judicial por dinheiro.
A frouxa e lenta legislação do país não conseguiu, em 365 dias descobrir quem foi o culpado pelas mortes. O local improvisado no qual eles dormiam não permite classificar como 'acidente', 'fatalidade'.
Alguém é responsável por colocá-los naquela armadilha travestida de dormitório.
Impossível não sentir vergonha da justiça brasileira.
Um inquérito preliminar da justiça carioca indiciou o ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, três funcionários do clube, outros três da NHJ, empresa que fabricou os contêineres e um técnico de refrigeração.
Duas vezes o MP devolveu o inquérito pedindo mais provas.
O Ministério Público ainda espera as conclusões finais da Polícia Civil se opta pela acusação de dez homicídios com dolo eventual, sem intenção de matar.
O pior, a parte que cabe ao Flamengo, está sendo levada pela pior maneira possível, por Rodolfo Landim.
O Ministério Público Estadual, o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública chegaram a um valor para as dez famílias, no dia em fevereiro de 2019.
Fixou R$ 2 milhões de indenização para cada família, por dano moral. E pensão de R$ 10 mil por cada jogador que perdeu a vida, ao longo de 30 anos.,
A reação do Flamengo foi virulenta.
De ódio.
Dirigentes foram firmes e disseram que o clube não seria prejudicado.
Não aceitavam a intervenção do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública. Iriam tratar diretamente com os familiares.
E ofereceram R$ 300 mil para cada menino morto. E mais a pensão de um salário mínimo por dez anos.
Em média, 20% do que as autoridades disseram ser um 'valor justo'.
Como os familiares dos garotos são, na sua maioria, pobres, muitas já dependentes dos salários dos meninos, não suportaram a falta de dinheiro.
E com os advogados do Flamengo, inclementes.
Três acertos foram feitos.
Com as famílias de Athila, Gedson e com o pai de Rykelmo.
O clube foi firme.
Os parentes tiveram de assinar um acordo de confidencialidade.
Se os valores vazarem para a imprensa, terão de pagar uma multa de R$ 500 mil.
Os contatos com as demais famílias que não aceitaram o que o Flamengo oferecia foram encerrados. Ainda no primeiro semestre do ano passado.
Enquanto o time de Jorge Jesus conquistava títulos, com jogadores caríssimos, e o clube não parava de contabilizar dezenas de milhões em arrecadações e transmissões de seus jogos, as famílias seguiam abandonadas.
Outro vexame histórico aconteceu ontem na CPI do Incêndio, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.
O clube não havia mandado representante algum.
Familiares dos meninos se sentiram humilhados pelo descaso.
E acusaram o Flamengo de não ajudar absolutamente em nada. Nem dar auxílio psicológico às famílias das vítimas.
O deputado Alexandre Knoploch (PSL) pediu e conseguiu medida coercitiva do presidente Rodolfo Landim.
Se ele não aparecer na nova reunião, marcada para a próxima sexta-feira, ele será levado à força para a Assembléia Legislativa.
A morte dos dez meninos no Ninho do Urubu é a maior tragédia na história do Flamengo.
A postura da diretoria, diante das famílias dos meninos, é a maior mancha do clube mais popular, mais amado deste país.
Essa mesquinharia, esse descaso deveriam ser punidos severamente.
Por uma questão de justiça.
E para servir de exemplo à inúmeras concentrações de clubes espalhados pelo território nacional.
São milhares de garotos expostos às terríveis desgraças.
Em ambientes improvisados, insalubres, sujeitos não só a incêndios pavorosos.
Não faltam relatos de pedofilia, subnutrição, contratos ilegais de trabalho.
Mas falta fiscalização séria.
O Flamengo tomou 31 multas pelo CT improvisado.
Só depois que morreram dez crianças, tudo foi regularizado.
E as mortes?
Quem foi o culpado?
Qual é o suporte justo aos familiares?
Um ano não foi tempo suficiente para resolver.
O Flamengo impediu as famílias de entrarem no Ninho do Urubu.
Não puderam rezar no local onde os meninos morreram.
Homenageá-los um ano após suas mortes.
O Flamengo mostrou.
Crueldade não tem limite.
Que país é esse?
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