‘Fiz Éder Jofre bicampeão mundial. Don King não me deixou trazer luta de Muhammad Ali para o Maracanã.’ Maestro João Carlos Martins
Rara exclusiva com o maior representante da cultura do Brasil no mundo. O maestro João Carlos Martins mostra seu envolvimento com o esporte, quando ficou afastado da música erudita, por conta de suas 29 cirurgias. “Descobri como é sujo o mundo do boxe.’
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É o brasileiro que mais luta pela cultura deste país.
Jamais houve personagem sequer parecido.
João Carlos Martins, 84 anos.
Melhor intérprete de Bach da história.
Admirado e premiado no mundo todo.
Fez concertos inesquecíveis.
Provocava inquietação.
Como um brasileiro se tornou o principal intérprete do mestre alemão?
A resposta estava nas oito horas diárias de treino e na memorização das partituras.
Somadas à sua genialidade.
Mas o piano cobrou caro tamanho talento e dedicação.
Se submeteu a 29 cirurgias para seguir na música.
Não só nos braços, como no cérebro.
Enfrentou a distonia focal, que provoca movimentos involuntários nos seus dedos. Os sintomas apareceram aos 14 anos, quando já era um ‘fenômeno’.
Sofreu uma queda, depois de se convidar para treinar com a Portuguesa, no Central Park, em Nova York, onde estava tocando. O destino quis outra vez castigá-lo. O tombo foi violentíssimo.
Amparou a queda com o cotovelo direito. Uma pedra pontiaguda entrou no seu braço, afetando o nervo ulvar, responsável pela coordenação dos dedos.
Já era adulto.
Acreditou que não tocaria mais com o mesmo talento.
E chegou a entrar em uma banheira com água e uma gilete, pensando em tirar a própria vida.
Mas o telefone tocou insistentemente.
Teve forças, levantou da banheira e abandonou a terrível ideia.
Com o auxílio de dedeiras de aço, voltou a fazer concertos, principalmente nos Estados Unidos, encantando os críticos do mundo todo. O teclado do piano ficava manchado de sangue, pelo esforço de interpretar, com excelência absurda, Bach. João Carlos Martins chegou a sair com ambulância, com embolia pulmonar, vertendo sangue pela boca pelo desgaste das artérias. Foi nesse período que decidiu mudar de ramo, para não sofrer mais. E se aprofundou no esporte, muito além do seu amor irrefreável à Portuguesa.
Encontrou Éder Jofre, já com 37 anos e campeão peso galo. João propôs empresariá-lo para que lutasse nos penas e buscasse outro título mundial. “Eu conhecia pessoas ligadas ao boxe nos Estados Unidos. Depois de convencer o Éder, foi fácil. Junto com a cúpula do Conselho Mundial de Boxe, organizamos algumas lutas ‘fáceis’.
E depois trouxemos o campeão mundial, um cubano naturalizado espanhol, Jose Legra. Ele derrubou o Éder, mas depois o brasileiro se impôs e ganhou o segundo título mundial”, relembra João Carlos. Empolgado, quis trazer para o Brasil a luta entre Muhammad Ali e Joe Frasier, pelo título mundial dos pesados. “Seria no Maracanã, estava tudo bem adiantado. Mas aí chegou um sujeito chamado Don King e vi como mundo do boxe é sujo. Ele levou o combate para as Filipinas. Decidi aposentar minha carreira de empresário. Duro foi encontrar Éder, anos depois, com Alzheimer e ele não me reconhecer.”
O seu retorno à música estava melhor do que o esperado, até que, em um assalto na Bulgária, o ladrão acertou golpe fortíssimo na sua cabeça, com uma barra de ferro. O braço direito ficou comprometido. João Carlos voltou a tocar só com a mão esquerda. Fez inúmeros concertos. Mas a distonia focal retornou, atacando as duas mãos.
Teve de parar.
Mas, em 2003, sonhou com o histórico maestro Eleazar de Carvalho. Que lhe disse para reger. E o pianista decidiu seguir o conselho. E se tornar maestro. Foi além, assumiu a missão de difundir a música clássica no país, formou a Orquestra Bachiana Filarmônica. Com o patrocínio do Sesi-SP.
Foram mais de 20 milhões de brasileiros que já acompanharam concertos da orquestra de jovens músicos deste país. O maestro rege a orquestra sem conseguir segurar as batutas ou virar as páginas das partituras. Ele simplesmente as decora. E usa o olhar e as mãos, com os dedos recolhidos, por conta da doença, para orientar os músicos.
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“Vou às favelas, presídios, pequenas cidades levar a música erudita. É cultura. O que o nosso país mais precisa.” Quanto ao futebol, seu amor à Portuguesa segue eterno. Começou com uma bolada no rosto, quando o time treinava no Ibirapuera. Nininho cobrou pênalti, o goleiro Caxambu não defende e a bola explodiu no rosto de João. “Tinha uns oito anos. Os jogadores me acudiram. Foram ver se eu não tinha morrido. Foi tanto carinho que virei torcedor ferrenho.” A desilusão maior com a Portuguesa foi o rebaixamento para a Série B, que desandou o clube. E o levou para a Quarta Divisão.
“Foi muita sujeira. Lógico que houve dinheiro envolvido. Eu sei, mas não tenho provas. Então só posso lamentar. Mas a Portuguesa fará como eu faço na minha vida. Irá se reerguer a cada dificuldade.” O maestro segue não só regendo a Bachiana. Como também acaba de criar a Bachiana Jovem, para crianças. E estudando. Toca piano só com alguns dedos, com o auxílio de luvas ‘biônicas’, criadas para ele, que esticam suas falanges.
“Vou me despedir fazendo meu 30º concerto no Carnegie Hall, em Nova York. Será no dia 9 de maio. “Depois vou seguir regendo meus concertos com artistas brasileiros populares (como Maria Bethânia, por exemplo). Para difundir a música erudita neste país. “É minha missão. “Não vou parar nunca...”
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Privilégio deste país ter João Carlos Martins.
A rara entrevista marca a segunda temporada do Canal Cosme Rímoli.
É uma parceria com o portal R7.
A cada semana um entrevistado ligado ao esporte.
A ligação não precisa ser óbvia, como no caso do maestro.
São mais de 8 milhões e 600 mil acessos.
Toda terça-feira, um novo convidado...
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