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Cosme Rímoli - Blogs

Deus, café, cigarro, Corinthians. As histórias do eterno Marcos

Cosme Rímoli|Cosme Rímoli

Marcos, pentacampeão, consola Oliver Kahn
Marcos, pentacampeão, consola Oliver Kahn

"A turma do amendoim acha que eu não fui para o Arsenal porque não passei no exame médico. Isso é mentira. Sou do Interior, né velho? Londres, frio para caramba. Falei, 'ah, não vai dar para mim, aqui, não'.

"Poderia ter ido, né, cara? Feito contrato de cinco anos. Jogava dois jogos, ia mal. Aí, os caras emprestam para cá, você ganha uma grana alta de lá e também daqui.

"Mas nem isso eu pensei. Burro!

"Ainda falei para os caras, tenho de voltar. Tenho jogo no Brasil. Palmeiras contra Mogi Mirim. Preciso jogar. Voltei e joguei e não fui para a Inglaterra."


"O pessoal que estava no Corinthians em 2005 (MSI) me fez uma baita proposta. Eu sairia do Palmeiras vendido para o Benfica. Mas ficaria lá só seis meses. E depois chegava no Parque São Jorge. Pensei, os palmeirenses vão perceber e vão me matar. Eu sempre gostei muito de jogar no Palmeiras. Não ia fazer essa trairagem. Joguei mais dinheiro fora."

"Estava um frio do cacete. E me deu uma puta vontade de tomar um café. Sabia que o massagista tinha uma garrafa térmica que ficava no banco. Pedi. E ele me trouxe. A bola estava no nosso ataque e eu tomei. Só que a tevê me pegou bebendo. Os caras do Strogest da Bolívia ficara putos quando souberam. Aqui, ganhamos de 3 a 1. Lá, tomamos de 4. E cada gol que eles faziam, imitavam que estavam tomando café. Todos no Palmeiras disseram que perdemos aquele jogo da Libertadores por causa do bendito café. Se eu soubesse que ia dar essa confusão, tinha tomado suco."


Cobri grande parte dos 19 anos da carreira de Marcos no Palmeiras foi incrível. Com direito a muitas risadas e manchetes garantidas. Ele foi o jogador mais sincero que conheci nos meus 32 anos de carreira. Vanderlei Luxemburgo chegou a proibir que o goleiro desse entrevista logo após os jogos. Acreditava que, tomando banho, relaxando, Marcos controlaria as palavras. Mas não adiantava. Seguia espontâneo, bem ao contrário desta geração, acorrentada e assustada por assessores de imprensa.

O primeiro contato que tive com Marcos foi em 1996, na pré-temporada do Palmeiras, em Serra Negra.


"Puta que o pariu, cacete, vá para o inferno." Aos gritos ele lastimava voltar a sentir dores no tornozelo direito. Não queria nem saber se havia jornalistas perto. Não importavam os pedidos do médico, do massagista. Do titular Velloso. O cabeludo terceiro goleiro palmeirense só queria desabafar sobre a dor que sentia.

Tinha sido goleiro do Lençoense. O clube interiorano aceitou cedê-lo ao Palmeiras por 12 pares de chuteiras. Antes, havia feito um período de testes no Corinthians. Passou, iria jogar a Copa São Paulo de juniores. Só que seus documentos ficaram escondidos na secretaria do clube. O pai do goleiro que perderia o lugar para Marcos tinha força nos bastidores do Parque São Jorge e manipulou para que Marcos ficasse sem condições de ser inscrito. Revoltado, não quis voltar ao Corinthians.

Marcos e seus mulets
Marcos e seus mulets

Só por isso, foi parar no Palmeiras.

Lógico que a espontaneidade, os palavrões chamaram a atenção. Mas era nos treinos que Marcos se destacava. Explosão muscular, agilidade, coragem. E muita dedicação. "Cosme, eu fui muito burro. Sempre treinei como um cavalo. Mesmo quando não precisava. Queria estar sempre no meu melhor. Lógico que isso me ferrou joelhos, tornozelo, pulsos, dedos, ombros. Sofri muito. Mas valeu a pena."

Acompanhei os dois extremos na sua carreira. A tristeza pela perda do título mundial para o Manchester United. E a conquista do pentacampeonato mundial, como titular absoluto da Seleção de 2002. 

Cobri o Palmeiras na conquista da Libertadores. Scolari desrespeitou a essência 'acadêmica' palmeirense e o fez um time copeiro. Veio o título e a decisão do Mundial no Japão, em 1999. Eu iria. Mas briguei com meu editor. E, como castigo, fui cobrir o São Paulo. Acompanhei a derrota do time de Felipão, por uma falha de Marcos.

Embora para a televisão, ele tentava se mostrar forte, na entrevista que fiz com ele, em São Paulo, percebi. Estava arrasado. Se sentia culpado pela derrota. Não importava que o Palmeiras perdeu pelo menos três chances claríssimas. A sua saída em falso proporcionou o gol dos ingleses. Eu sabia o motivo. Felipão o fez decorar que os cruzamentos de Ryan Giggs era na primeira trave. E Marcos deu dois passos para a direção da ponta esquerda, antes do galês bater na bola. Ela a encobriu e encontrou o irlandês Roy Kane livre. 

"O Felipão falou. Mas o burro fui eu. Deveria ter esperado. Lógico que estou mal. Cada vez que alguma pessoa vem me consolar, fico mais puto. Porra, poderia ter ajudado o Palmeiras a ser campeão do mundo. Não fiz minha parte. Isso vai doer para sempre."

Lógico que era uma grande injustiça que ele fazia. Marcos foi responsável por inúmeras defesas que levaram o Palmeiras à conquista da Libertadores. Sem ele, o clube não teria decidido o Mundial. 

Mas seria no Japão, sua redenção. E eu o acompanhei de perto na Copa do Mundo de 2002. Foi, disparado, o melhor goleiro da competição. E um dos grandes responsáveis pelo pentacampeonato. "Ah, os jogos foram passando e a minha confiança aumentando. O bicho não era tão feio, não. O foda era a concentração nos jogos. Eu sentia que não podia nem piscar. E me dediquei de corpo e alma. Não falharia de novo, como na final com o Palmeiras. E eu estava lá, no Japão. Deus não iria permitir que aquilo acontecesse de novo."

Na verdade, Marcos não queria ser o novo Barbosa. Nem gostava de ouvir a história do goleiro da Copa de 1950, que foi excelente durante todo o Mundial do Brasil. E falhou na decisão contra o Uruguai, ficando marcado pelo resto da vida.

"Ah, na véspera da final, eu estava muito preocupado. Estava no quarto e antes de dormir, fiz uma promessa a Deus. Orei e prometi. Se a gente for campeão e eu não errar, vou doar 50% da premiação. Aí fui no banheiro e pensei: 'Exagerei'. E voltei a falar com Deus. "Olha, 50% é muito. Vamos fechar em 5%". E foi o que doei..."

Eu sabia que Marcos fumava. E quando ele perdeu dois jogos importantes por não conseguir se recuperar de uma constante gripe, publiquei a notícia. Ele ficou bravo, não desmentiu. Conseguiu ser seco comigo por umas duas semanas. Depois, voltou ao normal. "Mas que você é foda, você é", me cobrou.

O vício o levaria a uma cirurgia do coração, no ano passado...

Sobre a sua volta do Arsenal, eu sabia que era a diretoria do Palmeiras que estava forçando sua saída. Queria o dinheiro. Na época, 2,5 milhões de libras esterlinas, quatro milhões de dólares, uma quantia enorme para um goleiro, em 2003. E foi muito engraçada a sua definição do exame médico no clube inglês. 

"Foi muito moderno, fizeram todo o tipo de teste. Passei em tudo. Eu não quis ficar porque achei sacanagem, os dirigentes queriam me empurrar. Mostrei que eu tinha muita vontade também. Era adorado pela torcida. Sou campeão do mundo com a Seleção. Volto e o Palmeiras é rebaixado. E quando vou disputar a Segunda Divisão, saio atrás de dinheiro na Inglaterra? Não quis. Voltei.

"O único problema físico que tinha era uma bobagem nos dedos. Se tivesse de trabalhar como costureira por uns tempos, não daria. Mas para jogar no gol, tudo bem. Foi o que fiz, na Série B. Lá, eu mostrei o meu amor ao Palmeiras. Por isso que a torcida gosta tanto de mim."

Depois de um choque com o argentino Ernesto Farias, que jogava no Cruzeiro, em 2010, nunca mais o joelho direito foi o mesmo. Tinha dores em todos os treinamentos. Até encerrar a carreira, dois anos depois. 

O encontrei em um banco, quatro anos depois. E reproduzi nossa conversa no blog. 

Marcos, não chega de férias, não? Você é um dos grandes ídolos do futebol brasileiro. Não vai voltar a trabalhar? Ser técnico, dirigente, preparador de goleiro? Empresário? Comentarista?

Olha, Cosme, vou ser muito sincero. Não sei se quero voltar a trabalhar com futebol, não. Tenho muito medo de voltar a trabalhar no futebol. O clima é muito pesado. Há muita sujeira. E graças a Deus, eu consegui ter uma carreira limpa. Ninguém tem nada para falar de mim. Dei minha vida, empenhei tudo que podia e o que não podia pelo Palmeiras, pela Seleção. Sou bem tratado onde vou. E não só por palmeirenses. Corintianos, torcedores todos os clubes me abraçam, beijam a minha careca. É uma coisa impressionante. E que me orgulho. Não quero arriscar tudo isso voltando ao futebol. E me queimar.

Como assim?

Vou dizer. Eu não tenho vínculo nenhum hoje em dia com o Palmeiras. Se eu for bater lá e pedir para o Paulo Nobre me arrumar uma coisa, tenho certeza que arruma. E, suponhamos, me coloca como um elo entre os jogadores e o treinador. Parece bom, não é? Mas aí surge um jogador de um empresário importante. Eu acho que o cara tem potencial. Ele é contratado e não dá certo. Vai ter gente que pode dizer que eu ganhei alguma coisa por indicar o jogador. Se veto é porque posso estar ganhando do empresário que tem seus jogadores no clube. Sei como as coisas funcionam. Pronto. Em um mês posso ter jogado no lixo a minha imagem limpa. Não vale a pena.

O Zico passou por algo parecido no Flamengo...

Sim. E eu sei bem o quanto o Zico é honesto. Quando o cara é ídolo em um clube fica visado. Vira alvo. E arrisca o que tem de mais importante : sua credibilidade, as portas abertas com a imprensa, com o torcedor. Se está trabalhando com um presidente, a oposição tem de fazer o quê? Miná-lo, desmoralizá-lo. Para prejudicar quem manda no clube. Caso se alie a um candidato de oposição, está ganhando por fora. No futebol tem muita inveja. Tenho muito medo de estragar tudo que fiz.

Mas você só se vê trabalhando como dirigente?

Não, nem como dirigente. Eu só te dei um exemplo. Como treinador não adianta. Não tenho perfil. Não quero essa pressão. E tenho mais saco para concentração, viagens, cobrança todos os dias. Não vale a pena. Além de sacrificar de novo o que mais amo: a minha família, os meus amigos. Fazer da minha vida treino, viagem, concentração, jogos, entrevista. E na segunda-feira, tudo de novo. E com o risco de ser xingado pela torcida que te amava. Não quero. Empresário, então...Não tem nada a ver comigo mesmo. Não tenho estômago para as negociações no futebol.

Preparador de goleiros, como o Taffarel. Que tal?

Cosme, vou te falar. Não tem como. A cartilagem dos meus joelhos está comprometida. Foram muitos jogos, muitas contusões. Tratamentos infiltrações. O organismo não suportou. Não posso ficar chutando bolas para os jovens goleiros. Eu acho que até gostaria de ensinar, passar o que sei. Só que não dá.

Dono de escolinha de futebol. Pronto...

Você não tem ideia do que está falando. Fui atrás para ver. Se um garoto quebra a perna treinando, o dono da escolinha pode ser processado. E ter de pagar milhões. É uma dor de cabeça imensa. A não ser que faça seguro de vida para todos os meninos. O que é completamente inviável.

Sobrou comentarista de televisão...

Houve algumas conversas. Mas também não me animei. Não está na minha índole falar mal de ninguém. Fui jogador e sei que uma frase de um comentarista pode acabar com a carreira de um atleta. Não quero carregar esse peso para mim. E também tenho de ser sincero com quem está assistindo, com a televisão que está me pagando. Não quero ficar enganando, posando de bonzinho. E nem seria justo comigo mesmo. Me calando diante do que estou vendo. Sou pela verdade sempre. Se não posso falar, me calo. Mas não minto.

Torça para qual time for.

Impossível não gostar de Marcos...

A conquista da Libertadores. Imagem eternizada
A conquista da Libertadores. Imagem eternizada
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