A terrível farra da pedofilia no futebol. Finalmente exposta
O caso de Barry Bennell chocou o mundo. O Santos precisa esclarecer denúncia gravíssima de pedofilia
Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli
No dia 19 de fevereiro de 2018, Liverpool deu um exemplo para o mundo.
A justiça mandou encarcerar Barry Bennell.
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Por 30 anos não sairá da cadeia.
Como tem 64 anos, não deverá sair com vida da prisão.
Condenado por violentar meninos entre oito e 15 anos.
O que foi um alívio para a Inglaterra.
Ficou provado por inúmeros depoimentos que ele é um monstro, que deve estar longe do convívio da sociedade. Durante 12 anos, ele se aproveitou do setor mais frágil do futebol. As categorias de base.
Como coordenador e treinador do Crewe Alexandra, clube da Divisão Inglesa, já tinha inúmeros garotos sob seu comando. Mas era como olheiro do Manchester City, do Chelsea e do Stoke City, que ele acabava ficando em contato com meninos pobres, que sonhavam com um futuro melhor para suas famílias graças ao futebol. Sua fama era a de melhor olheiro das categorias de base de todo continente inglês.
Como predator sexual, Barry tinha um tipo favorito. Meninos entre 8 e 15 anos, morenos, sorridentes. Inúmeras vezes fazia amizade com a família, que acreditava nas suas promessas e entregava o filho que queria ser jogador.
Primeiro, ele mostrava às famílias sua forte ligação com os dirigentes não só dos clubes, mas das próprias seleções de base da Inglaterra. E dava a garantia que, com ele, os meninos ficariam seguros.
Seu livre acesso às dependências do Crewe Alexandra, a qualquer momento, facilitava as ações. Nos finais de semanas, após as partidas dos garotos da base, que costumam ser disputadas pela manhã e começo da tarde, Barry ficava livre. Muitos meninos eram de bem longe de Crewe, distante quase 300 quilômetros de Londres. E moravam na concentração.
Era quando começava a história de terror.
Barry os levava, um a um para sua casa. Para os mais novos, colocava filmes de terror, os mais apavorantes possíveis. E se oferecia para protegê-los, os abraçando. Dava bebidas alcóolicas. E depois os estuprava.
Com os mais velhos, ele era direto. Também oferecia cerveja, uísque, colocava filmes pornográficos. E ameaçava. Se não cedessem aos seus desejos sexuais, Barry garantia que não virariam jogadores de futebol. Não iriam atuar em clube algum da Inglaterra. Estariam banidos, no dia seguinte, do Crewe Alexandra.
Diante de tanta pressão, inúmeros garotos cederam.
E, pior, se mantiveram em silêncio.
Depois de satisfeito, ele largava os garotos à própria sorte.
As promessas de grandes contratos não se concretizavam.
A farra sexual de Barry durou 12 anos.
Acabou em 1994, em Jacksonville, Estados Unidos. A polícia norte-americana o condenou a quatro anos de prisão por ter abusado de um garoto britânico em uma excursão que promoveu, como inúmeras outras, entre garotos de 11 a 14 anos. O menino disse aos pais que havia sido abusado.
Estima-se que Bannel tenha abusado sexualmente mais de cem crianças. Depois que foi preso nos Estados Unidos, seu mundo caiu. Ele foi tema de documentário no Channel 4, em 1997. A exposição estimulou inúmeras denúncias de meninos, jovens e homens que foram molestados.
Alguns dos homens confessaram que nunca tiveram uma vida normal depois dos abusos dos pedófilos. Nunca tiveram uma vida sexual normal, apelaram para drogas, bebidas e até foram tentados a se suicidar. Os depoimentos eram dados em forma sigilosa, por causa da vergonha da terrível situação.
Entre esses homens está Andy Woodward. Ele decidiu se expor. Assumir todo o mal que sofreu de Barry Bennell.
Andy foi jogador profissional por dez anos. Zagueiro, seu grande mérito foi uma temporada no Sheffield United.
"Minha carreira não pôde ser normal. Fui abusado quando era menino por Barry no Crewe Alexandra. Os estupros que sofri me perseguiram. Me destruíram psicologicamente. Tive ataques de pânico. Pensava em me suicidar. Me sentia culpado, sujo, atormentado pelo que sofri. Sabia que outros jogadores profissionais tinham passado pelo mesma tortura, violência que eu.
"Não tinha coragem de falar, mostrar o monstro que Barry era. Até que ele foi preso nos Estados Unidos. E seria julgado na Inglaterra. Foi quando percebi que as denúncias deveriam ser públicas", confirmou para a imprensa inglesa.
A coragem de Andy deu certo. Estimulou outros homens a contar as barbaridades praticadas pelo pedófilo. Foram fundamentais para sua prisão.
"Minha vida foi arruinada. Até os 43 anos, quando pude falar tudo o que sofri. É preciso livrar o futebol destes monstros", repete Andy.
Ele tomou para si a missão de expor seu terrível caso.
Woodward estará hoje, às 19 horas, ele estará dando uma palestra gratuita no Museu do Futebol, em São Paulo.
Sua chegada é mais do que providencial.
O Santos Futebol Clube vive um escândalo envolvendo pedofilia.
O clube que revelou Pelé, Robinho e Neymar está no foco do furacão.
Ruan Pétrick Aguiar de Carvalho decidiu procurar a polícia.
Acabou com o silêncio que o atormentava há anos.
E contou a sua história de terror.
Em 2010, ele estava decepcionado. Saiu da Portuguesa Santista. Tinha 11 anos. Foi quando conheceu Ricardo Marco Crivelli, conhecido como Lica. Era observador técnico, olheiro do Santos. Lica o teria convencido que, se deixasse fazer sexo oral nele, seria jogador do Santos. Ruan permitiu. E semanas depois, chegava na Vila Belmiro.
Suportou um ano e meio. Teria sofrido bulling o tempo todo de companheiro, pela intimidade que tinha com Lica. Tudo teria acabado quando Ricardo Marco Crivelli o teria convidado para passar uma noite com ele. Ruan garante que se recusou e acabou dispensado do Santos.
Ele ainda tentou a sorte no Red Bull, no Paraná Clube e até no Suryoye Paderborn, time da quinta divisão alemã. Disse que nunca mais conseguiu evoluir porque o assédio de Lica o teria sabotado psicologicamente. Passou a beber. Diz que não era mais a mesma pessoa. No ano passado, também fracassou no Santa Cruz, de Pernambuco.
Foi quando surgiu a chance de um retorno ao Santos. Mas ao saber que Lica era o coordenador da base, viu seu sonho acabar. Foi quando decidiu procurar a polícia e contar o que viveu.
"Fiz para que esse sujeito nunca mais se aproveite de criança nenhuma", insiste.
Por meio de seu advogado, Adriano Vanni, Lica desmente o assédio.
"Ele trabalha há muitos anos com garotos e nunca teve uma mácula na carreira. Confiamos na investigação policial. É questão de tempo para a verdade vir à tona", disse Vanni ao jornal espanhol El País.
Vanni ficou conhecido por defender o médico Roger Abdelmassih, condenado a 181 anos de prisão por estupro de 37 pacientes.
Lica se recusa a falar com a imprensa.
O presidente do Santos, José Carlos Peres, esperou uma semana. Mas não conseguiu proteger Ricardo Marco Crivelli. Ele deu todo o seu apoio na eleição. Pressionado por conselheiros e pais de jogadores da base, Peres o afastou. "Até que tudo seja esclarecido", avisa.
A situação está ficando complicada para Lica.
A Delegacia de Repressão e Combate à Pedofilia já tem outra testemunha. Ela também relata abusos sexuais do coordenador da base do Santos.
A pedofilia no futebol brasileiro sempre foi tratada como tabu.
O que favorecia a ação de predadores.
Aliás, no mundo todo sempre foi assim.
Ações como a de Andy Woodward são fundamentais.
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