A Conmebol segue envergonhando a América do Sul
Punições leves, insignificantes. E ainda com a possibilidade de recurso. Mesmo diante de racismo e falta de humanidade dos torcedores
Cosme Rímoli|Cosme Rímoli

Na noite de segunda-feira, enquanto grande parte dos brasileiros se divertia com o Carnaval, a Conmebol tratava de mostrar a real folia que domina o futebol neste continente.
Demonstrava porque a América do Sul é formada por países do Terceiro Mundo. Essa designação surgiu logo após a Segunda Guerra, quando começou a Guerra Fria, entre Estados Unidos, que se proclamavam Primeiro Mundo, adepto do capitalismo. E a então União Soviética, seguindo pelo comunismo. Os demais países, neutros, formariam o Terceiro Mundo.
Só que com o passar do tempo, o termo Terceiro Mundo se adequou às nações 'em desenvolvimento'. Ou atrasadas, em relação ao mundo moderno.
É esta sensação que novamente vem à tona . A revolta domina quem tem bom senso, depois de duas decisões de uma entidade que tem como marca a corrupção. Desde a sua origem.
O mundo foi solidário à Chapecoense depois do mais terrível acidente aéreo da história do esporte. Na noite de 29 de novembro de 2016, o clube teve dizimada a equipe que decidiria a Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional, de Medellin. Foram 71 mortes, contabilizando Comissão Técnica, jornalistas, tripulação e dirigentes.
A tragédia ganhou repercussão no mundo todo. A Chapecoense deu uma demonstração brutal de reação. Reconstruiu sua equipe. Ganhou o Campeonato Catarinense de 2017. Não precisou da guarida da CBF para não ser rebaixada no Brasileiro. E mais, se classificou para a "pré-Libertadores" de 2018. Algo extraordinário.
E teve como adversária nos dois duelos eliminatórios, o tradicional Nacional do Uruguai. Perdeu a vaga depois de duas partidas equilibradas, disputadas. Mas vencidas pelos uruguaios.
O que ficou marcado, no entanto, foi o gesto estúpido, cretino de Nicolás Correa. Sócio e torcedor fanático do Nacional. Em plena Arena Condá, onde aconteceu o velório coletivo do elenco que faleceu na tragédia aérea, Nicólas resolveu ironizar os torcedores da Chapecoense.
E abria aos braços, imitando um avião. E depois fazia de conta que este avião se espativava no chão. E levantando os braços, mostrava que não havia sobrado ninguém. E sorria.
Uma das maiores demonstrações de falta de humanidade. Algo nojento.
Ele vestia a camisa do Nacional. Alguns torcedores das organizadas do clube uruguaio sorriam. Incentivavam seu ato bizarro.
A revolta dominou a todos que viram a cena. Principalmente a direção da Chapecoense. Ela entrou com um pedido severo, mas que seria marcante. A eliminação do Nacional da Libertadores.
Exagero? Nicolás Correa teve toda a proteção, a escolta da Polícia Militar de Chapecó para assistir à partida. Isso porque fazia parte da torcida oficial do Nacional, que tinha seu espaço designado na Arena Condá.
O torcedor precisava ser responsabilizado.
Mas como acontece nos países do Primeiro Mundo, os clubes são punidos pelas atitudes de seus torcedores. Até como postura corretiva, educacional. Torcidas anti-semitas, racistas, violentas prejudicam suas equipes. Há centenas de exemplos.
Quando surgiu a possibilidade da expulsão do Nacional da Libertadores, o torcedor que imitou o avião da LaMia tratou de se prevenir.

"Quero pedir desculpas ao povo do Brasil, à Chapecoense e ao Nacional, que é minha vida e fiz um mal. Estamos totalmente arrependidos, tanto eu como o outro rapaz no vídeo. Tenho um sentimento de arrependimento porque prejudicamos o clube e estamos esperando uma punição."
Covarde, Nicolás Correa já imaginava o pior dos cenários. O Nacional expulso da Libertadores. E os torcedores uruguaios o responsabilizando pela pena. Havia o medo de ser caçado, agredido.
Só que ele se esquecia da flexibilidade moral da Conmebol. A entidade cercada de corrupção por todos os lados decidiu ontem à noite. Esta foi a punição 'pesadíssima' imposta ao Nacional por seu mórbido gesto.
O clube foi advertido e multado em US$ 80 mil (cerca R$ 263,3 mil), foi proibido de ter torcida visitante pelas próximas três partidas da Libertadores ou Sul-Americana.
Mas com um detalhe.
Cabe recurso na Câmara das Apelações, onde a possibilidade de que a pena seja abrandada.
Em outra decisão, na nefasta noite de segunda-feira, a Conmebol decidiu que torcedores do tradicional Independiente, que imitaram macacos para torcedores flamenguistas, mostrando todo seu racismo, na Argentina, mereciam penas menores. A atitude aconteceu no primeiro jogo da decisão da Copa Sul-Americana, dia 6 de dezembro de 2017. E o clube foi apenas multado em US$ 15 mil (cerca de R$ 49,3 mil) e advertido que poderá sofrer sanções mais severas em caso de reincidência.
É isso.

Mais uma vez a Conmebol deixa de fazer história.
Punir severamente clubes por falta de humanidade e racismo de seus torcedores.
Isso só estimula outros a repetirem os mesmos gestos.
Independiente já venceu sete vezes a Libertadores. O Nacional, três. Seus dirigentes seguem muito influentes na Conmebol. Isso explica as penas brandas que foram impostas.
E mais ainda.
Explica a Conmebol.
Que vê seus ex-três presidentes, Nicolas Leoz, Eugenio Figueredo e Juan Ángel Naput acusados de corrupção. Leoz e Naput estão presos. E Figueredo responde em liberdade provisória.
Resultado da devassa do FBI na Fifa.
Alejandro Domínguez, atual presidente da Conmebol, era braço direito de Naput.
E está claro que a Conmebol segue a mesma.
Cedendo a pressão de clubes tradicionais.
Perdoando gestos imperdoáveis.
Segue envergonhando a América do Sul.
Continente atrasado.
Digno representante do termo Terceiro Mundo...
