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15 minutos para entender quem foi Ricardo Boechat

A empolgação com uma entrevista que seria feita com Adriano já demonstrou toda a paixão, toda a intensidade, a vibração do jornalista pela notícia

Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli

Ricardo Boechat abriu coração e mentes para o país que vivemos
Ricardo Boechat abriu coração e mentes para o país que vivemos Ricardo Boechat abriu coração e mentes para o país que vivemos

São Paulo, Brasil

Era uma quinta-feira, final da segunda quinzena de agosto de 2009.

Eu já havia me despedido do UOL, onde deixei grandes amigos.

Avisado que trabalharia no novo portal de notícias da TV Record, o R7.

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Foi quando recebi a confirmação de Gilmar Rinaldi.

O Adriano me receberia na próxima semana para uma entrevista no Flamengo. 

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Era o meu penúltimo dia no Bandsports. Trabalhava diariamente no programa "Por Dentro da Bola", que já era uma introdução para Neto se tornar apresentador.

Era conduzido por Datena, que conheci vinte anos e cinco anos atrás, como repórter esportivo, vindo de Ribeirão Preto. E a participação especial era de Silvio Luiz, a pessoa mais generosa e sagaz com quem tabalhei. Ele nos apresentou as redes sociais.

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Fiquei empolgado com a confirmação da exclusiva com Adriano. O conhecia desde a Copa América de 2004. Sabia de detalhes do seu drama, com a morte do pai, por conta de ter entrevistado várias vezes Gilmar Rinaldi, seu empresário, quando era goleiro.

Um amigo da TV Bandeirantes soube que eu faria a entrevista e nem imaginava que no dia seguinte, sairia da Bandsports, já contratado pelo R7.

E, de surpresa, me levou para conhecer Ricardo Boechat.

Ele já era um dos jornalistas mais importantes deste país. A idade me permitiu acompanhá-lo na coluna do Swann, no início da década 80, quando terminava a faculdade. A leitura dos jornais cariocas O Globo e Jornal do Brasil era obrigatória, mesmo com um dia de atraso.

De longe, vi sua incursão na tevê. Sua saída da Globo graças à briga pela telefonia no Brasil. E o renascimento na Band e, principalmente, na Bandnews, quando era ele mesmo.

Com erudição, coragem, ironia, revolta e bom humor, servia como farol para os brasileiros. Ele apontava com precisão e esclarecia sem medo os motivos que travam o país no atraso. A podridão da política, os conchavos, os descasos com a saúde, educação. Citava as facções criminosas, explicava o quanto estão infiltradas em todas as áreas. E repetia a endêmica tendência à corrupção no Brasil.

Ficava de queixo caído com sua fluidez, linha de raciocínio e conclusão do pensamento que parecia simples, mas se encerrava profundo. Calando fundo na alma. Revoltando, fazendo chorar, despertando vergonha.

Falava como se escrevesse. 

Cada frase era uma estocada.

Não conheço um jornalista que não o admirasse.

Indo ao Bandsports todos os dias por quase um ano, foi impossível não encontrá-lo chegando para o Jornal da Band. Quem estava no estacionamento se supreendia ao ver o mais respeitado jornalista da emissora.

Ele deixava um Twingo cinza, amassado, velho. Não combinava. Ele ria e cumprimentava a todos. Ironizava, às vezes, dizia para quem fosse: "não está à venda. Nem adianta"... E saía veloz para a reunião de pautas. Sim, ele estava sempre atrasado, de acordo com quem trabalhava com ele.

Muito bem remunerado, poderia ter o carro zero que quisesse. Mas ele dizia que adorava o Twingo e detestava o caótico trânsito de São Paulo. Além de saber que o carro 'humilde' não chamaria a atenção dos bandidos.

Nunca havia trocado mais do inevitável 'boa tarde', nos corredores da Bandeirantes.

Até aquela quinta-feira.

Fui apresentado pelo amigo a ele. E entendi imediatamente o motivo de uma carreira tão importante na história da mídia desse país. Quando ele soube que iria entrevistar o Adriano, que estava ainda em excelente momento no Flamengo, time de coração de Boechar, o repórter veio à tona.

É como se as imensas responsabilidades do seu dia tivessem desaparecido, como por encanto. Com os olhos brilhando, ele fez inúmeras perguntas pertinentes sobre a relação dele com o paí, com Gilmar Rinaldi, com a mãe. Como ele poderia jogar e beber. Sobre o motivo de o empresário não o interná-lo para tentar resolver o alcoolismo.

Falou sobre o desperdício e já antevia a falta que ele faria para a Seleção Brasileira e para o Flamengo, se não parasse com as festas que varavam noites e dias. 

Não via no futuro próximo ninguém como o "Imperador".

Explicou a sua importância, o quanto era diferente: forte, ágil, talentoso e artilheiro. Repetia que o Brasil não poderia perder Adriano para o álcool. Sugeriu questionamentos.

A empolgação era de um calouro de faculdade. Com a sapiência de um dos mais brilhantes jornalistas.

Entendi sua carreira premiadíssima.

Boechat queria saber de tudo sobre a entrevista.

Ele seguia escrevendo na Isto É.

Além de trabalhar na Band e na Bandnews.

Muito menos pelo dinheiro.

Mas era sedento por furos, por notícias exclusivas, que ninguém tinha.

Adorava escrever.

Ricardo Boechat e seu folclórico Twingo. Ele amava o carro velho e amassado
Ricardo Boechat e seu folclórico Twingo. Ele amava o carro velho e amassado Ricardo Boechat e seu folclórico Twingo. Ele amava o carro velho e amassado

Foi muito carinhoso, me deu seu telefone para quando tivesse alguma notícia, me deu a mão.

E um grande sorriso.

Ele voltava dos 15 minutos de imersão em Adriano, no seu Flamengo, no futebol brasileiro.

Precisava retornas às suas imensas obrigações como âncora.

Mas enfatizou que dissesse o que havia apurado com a entrevista.

No dia seguinte, me despedi do Bandsports.

Ganhei um abraço de Silvio Luiz.

Com os olhos marejados, ele me desejou boa sorte.

Deixei bons amigos no Morumbi.

Mas Silvio Luiz foi o mais próximo.

Vim empolgado para o R7.

Nunca mais vi pessoalmente Ricardo Boechat.

Não telefonei.

Não falei sobre a exclusiva com Adriano.

Veja mais: Famílias enterram as cinco últimas vítimas identificadas da tragédia do Flamengo

Não havia sentido.

Eu estava agora trabalhando para a Record.

Ele não soube que a entrevista acabou muito importante, sendo distribuída no mundo todo pelo site da Fifa, de jornais italianos, argentinos, ingleses...

Fiz questão de registrar esse fugaz encontro.

Ele me fez entender o motivo de tanto sucesso.

O profundo amor de Ricardo Boechat pelo jornalismo. À flor da pele
O profundo amor de Ricardo Boechat pelo jornalismo. À flor da pele O profundo amor de Ricardo Boechat pelo jornalismo. À flor da pele

A inquietude que não deixou o brilhantismo esmorecer.

Se em relação a uma entrevista com Adriano, que nem era sua, ele já colocava seu raciocínio, seus instintos, sua lógica para funcionar, fica fácil entender como tratava os assuntos mais relevantes desse país.

Não foi ironia o seu último comentário, de ontem, questionar profundamente a diretoria do Flamengo.

E o descaso com a morte de seus dez meninos.

Era o clube do coração cometendo seu maior pecado da história.

O exemplo ficará para sempre.

Boechat seguirá cumprindo sua missão.

Mostrar a importância do jornalismo na vida de um país.

A sua morte é enorme perda.

Irreparável...

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