Fé, família e três cirurgias: como Rebeca Andrade voou para a prata
Ginasta operou três vezes o mesmo joelho e chegou a pensar em desistir; ela garantiu ida a Tóquio a dois meses dos Jogos
Olimpíadas|Paulo Guilherme, do R7
Rebeca Andrade encara a vida com a naturalidade e simplicidade com que voa nas acrobacias para encantar o mundo ao som do 'Baile de favela'. Aprendeu com o exemplo da mãe, Rosa Santos, que criou Rebeca e mais sete filhos trabalhando como empregada doméstica, junto com mais sete irmãos, em Guarulhos, na Grande São Paulo, que os obstáculos da vida estão aí para serem encarados com leveza e resiliência. E que pensamentos bons e gratidão pela vida atraem coisas boas. Rebeca Andrade é medalha de prata na Olimpíada de Tóquio 2020. Histórico.
"Quando conseguimos expressar quem somos naquilo que fazemos, é possível experimentar a realização plena", diz a primeira medalhista olímpica da história da ginástica brasileira. "O que você tem de diferente é o que você tem de mais bonito!"
Rebeca quase desistiu
E pensar que ela quase desistiu? Tantos treinos, saltos, quedas e competições de alto nível colocaram à prova o corpo da ginasta de 22 anos e 1,54 metro de altura. Rebeca brilhou na Olimpíada de Tóquio com três cirurgias nos joelhos. Na primeira delas, em 2015, pensou em parar com a ginástica. Rebeca rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito durante um treino para os Jogos Pan-Americanos de Toronto.
"Na primeira cirurgia ela quis muito parar. Eu disse filha, não pare antes de tentar", revelou a mãe Rosa, em entrevista a Mylena Ciribelli. "Eu falei para voltar para os treinos aí vai ver se acabou ou não. O que você decidir a mãe vai assinar embaixo. Vamos focar na recuperação. Foi o que ela fez e deu certo."
Dois anos depois, Rebeca rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito durante um treino no Mundial de Montreal, no Canadá.
A última cirurgia foi em junho de 2019, após ela torcer o joelho operado durante uma prova do Campeonato Brasileiro. O ligamento foi reconstruído.
Rebeca não se abateu, mesmo sabendo que o tempo de recuperação para uma cirurgia dessas, normalmente de oito meses, provavelmente a tiraria da Olimpíada de Tóquio se os jogos tivessem sido realizados em 2020. "Infelizmente aconteceu essa lesão, mas tenham certeza que não descansarei um dia até estar 100% outra vez", disse na época.
"Estou forte e confiante que tudo vai dar certo e o melhor ainda está por vir."
Energia de sobra
Desde menina Rebeca mostrava muita energia e alegria na vida. A tia dela trabalhava no Ginásio Bonifácio Cardoso, em Guarulhos, e um dia resolveu levar a menina para gastar toda esse energia por lá. Mônica Barroso dos Anjos, técnica da equipe de ginástica de Guarulhos e árbitra internacional, viu o talento e apostou na pequena Rebeca. Ela ia de bicicleta treinar. E não parou mais.
Aos 11 anos, Rebeca foi convidada para treinar em Curitiba com a técnica Kelly Kitaura. Em 2012, quando tinha 13 anos, Rebeca brilhou em seu primeiro campeonato como profissional. A jovem se tornou campeã do Troféu Brasil de Ginástica Artística, superando grandes nomes da modalidade nacional, como Jade Barbosa e Daniele Hypólito.
Rebeca foi convidada pelo técnico da Seleção Brasileira, Francisco Porath a treinar com ele no Flamengo. E ela se mudou para o Rio de Janeiro.
Três anos depois, Rebeca Andrade fez sua estreia em competições internacionais com a Seleção Brasileira. Na Olimpíada do Rio 2016, ela não chegou ao pódio, prejudicada pelas lesões. Rebeca terminou em 11º lugar no individual geral e 8º na competição por equipes.
Rebeca mostrava crescimento a cada competição. Em maio de 2017, a atleta conquistou seu primeiro ouro em competições adultas. Em 2018, a ginasta disputou mais uma etapa da Copa do Mundo, em Cottbus, na Alemanha, e assegurou mais dois ouros: no salto sobre o cavalo e na trave. No ano seguinte, em Stuttgart, também em território germânico, Rebeca conquistou o primeiro lugar na disputa por equipes.
Pandemia ajudou
Em 2020, recuperada da terceira cirurgia, Rebeca acabou favorecida pelo adiamento da Olimpíada de Tóquio por causa da pandemia do novo coronavirus. Com mais tempo para se recuperar, conseguiu fazer a preparação para garantir sua vaga em Tóquio no início de junho. Era a última oportunidade de ir para a Olimpíada do Japão.
Rebeca comemorou muito a vaga. "Foram várias situações que tive que enfrentar. A gente ficou muito tempo sem competir e disputar uma competição, mesmo no nosso País, e manter a calma, foi muito difícil", disse. E fez um agradecimento especial ao técnico. "Obrigada por sempre me apoiar, incentivar, acreditar e por nunca soltar a minha mão em nenhum momento."
Brilho em Tóquio
Enquanto todos os olhos do mundo se voltavam para a norte-americana Simone Biles, a brasileira Rebeca Andrade brilhou nas provas de classificação e conseguiu vaga em três finais olímpicas em Tóquio: individual geral, salto e solo. Fez 57,399 pontos, ficando atrás apenas da super favorita Simone Biles.
A norte-americana desistiu de disputar a final para cuidar da saúde mental e abriu caminho para Rebeca brilhar.
"Meu caminho foi cheio de pedras, mas sempre tive pessoas importantes que me ajudaram a passar por cima ou até mesmo chutar cada uma delas e essa é uma sensação incrível".
É Rebeca, a história está escrita.