Nas piruetas da vida, o que mais fez a americana Simone Biles, 24 anos, se destacar é o fato dela ter a habilidade de surpreender o mundo. Fez isso em na Rio 2016, com a leveza de saltos e rodopios que a faziam parecer uma pluma flutuante. Era sua personalidade sendo mostrada nos movimentos. Também surpreendeu cinco anos depois, de outra maneira. Com essa mesma personalidade. Deu um salto que, na opinião de especialistas, terminou com o pé no chão, elegância e altivez, ao desistir de participar das decisões por equipes e individuais, dos Jogos de Tóquio 2020, por causa de questões emocionais, ligadas à cobrança e pressão por resultados. Essa pressão está presente sempre para os ginastas, nos treinos, na exigência de precisão de movimentos, nos exercícios constantes. Mas para uma superestrela, tudo isso ganhou conotações insuportáveis. Neste sentido, quem melhor pode julgar, no bom sentido, sua atitude, é aquele que julga os movimentos dos ginastas, que refletem, nos aparelhos e no solo, toda essa pressão do dia a dia. E para a árbitra internacional de ginástica artística, Márcia Cristina Fonseca de Oliveira, 51 anos, o movimento de Simone Biles foi mais do que natural e ela mereceria uma nota alta pela sinceridade e caráter. "É tanta sobrecarga emocional, que em alguns momentos, as pessoas que estão em volta, comissão técnica, treinadores, não conseguem, até inconscientemente, perceber, esquecendo que ela é um ser humano fora do ginásio de treinamento, como qualquer um, que gostaria de ter uma vida normal mais perto do possível. Claro que no caso dela, é muito difícil, mas acredito que ela gostaria de ter isso, fora dos holofotes. Sim, esporte de alto nível é isso, resultado, cobrança, pressão, mas é preciso ter consicência do lado humano", ressalta Márcia, árbitra de etapa da Copa do Mundo de Ginástica Artística. Márcia lembra que Simone Biles despontou em um momento em que essa cobrança não era tão grande em relação a ela. Isso ocorreu nos Jogos de 2016, quando os holofotes estavam voltados para nomes como Michael Phelps e Usain Bolt. Ela surgiu como uma estrela, e a leveza daquele momento pôde ser percebida em sua performance espetacular. Mas, quando a supresa passou a se tornar cobrança, a questão emocional se tornou mais latente. "É um momento em que ela está meio perdida emocionalmente e ainda bem que o grupo, a equipe, a comissão técnica e ela, como atleta de alto rendimento e experiente, souberam a hora de recuar e dar um ou dois passos para trás", disse a árbitra. Márcia, que, além de atuar no júri, já foi ginasta e atuou como técnica no E.C Pinheiros, considera que, neste tipo de esporte de tanta precisão, um erro, um desvio de concentração podem trazer consequências gravíssimas. "Esses movimentos na ginástica artística, ainda mais os de nível E, por exemplo, que costumava ser o valor mais alto de pontuação, devido à dificuldade, são movimentos de alto grau de complexidade. E se quem os executa não estiver totalmente focado, sabendo que o movimento está pronto para ser executado, com precisão e segurança, um erro, um deslize, uma falta de concentração, uma desistência, não saber se está girando para a direita ou para a esquerda, podem até custar a vida do atleta. A vida dela estava em risco, caso prosseguisse sem confiança", afirma Márcia. A árbitra descreve o grau de dificuldade de um salto, para exemplificar esse alto risco. "Estar lá em um duplo mortal estendido, com uma dupla pirueta e se perder ali é algo gravíssimo. Se a atleta não estiver totalmente preparada e segura para esse movimento, a decisão mais acertada é parar, recuar e saber que aquele é o seu limite. Até os fenômenos e os gênios têm limites que não podem ser ultrapassados. É o que a Simone Biles está passando, muita pressão, período de pandemia, treinos parados. Não é fácil, esses atletas têm de ser muito reconhecidos e aplaudidos, só de chegar à Olimpíada é um grande mérito, imagine então o valor de uma Simone Biles", completou.Show de imagens: atletas treinam forte antes da estreia em Tóquio