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Tapas na cara, desmaios e sangue: Power Slap é um esporte controverso

Modalidade que consiste em dar tapas na cara do adversário foi regulamentada nos EUA após ser organizada por Dana White, do UFC

Mais Esportes|Calum Marsh, do The New York Times


Muitas dos duelos do power slap duram menos de 1 minuto Daniel Dorsa/The New York Times - 28.06.2024

Las Vegas – Quando a palma da mão carnuda de Vasil Kamotskii, criador de porcos siberiano de 163 quilos e 34 anos, conhecido como Dumpling (algo como Bolinho de Massa), atingiu a bochecha macia do homem que o encarava, foi como se um trovão tivesse estourado. Dumpling não parecia despender muito esforço – balançava o corpo devagar, do jeito que fazemos para pegar uma mosca. Mas foi o suficiente para fazer seu oponente, Kamil Marusarz, jovem de 26 anos de Orland Park, Illinois, cair no chão. Isso foi no fim do mês passado.

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Os árbitros e a equipe médica que acompanhavam a contenda no palco do Cobalt Ballroom do Fontainebleau Hotel and Casino, em Las Vegas, correram para verificar se Marusarz estava bem. Os aplausos subiram da multidão de 3.500 espectadores. Se houve alguma tensão nesse momento, ela foi aliviada quando alguém com uma visão clara do ringue gritou que Marusarz ainda respirava. A atmosfera tinha a agitação embriagada de uma despedida de solteiro.

Dumpling levantou o punho, sorrindo em triunfo quando o locutor o declarou vencedor. Marusarz permaneceu imóvel no chão do palco. Toda a luta, se é que podemos chamar assim, durou cerca de 30 segundos. A maioria dos fãs concordou que foi o ponto alto do evento da noite, com oito lutas em que duplas de competidores tentavam se manter de pé enquanto trocavam tabefes violentos, de ensurdecer.

Modalidade começou quase como um passatempo que fez sucesso online Daniel Dorsa/The New York Times - 28.06.2024

Há muitos anos Dumpling lida com tapas em sua Rússia natal. É considerado um dos precursores desse passatempo incomum, tendo ajudado a popularizar os combates com vídeos virais de destaque no YouTube. Essa foi sua primeira vez no Power Slap, a riquíssima liga de lutas criada por Dana White, presidente do UFC. Para fundar a liga, em 2021, White se inspirou nos vídeos de Dumpling. Impressionado com a capacidade de atrair atenção, ele se perguntou o que aconteceria se o jogo fosse “feito da maneira certa”, ou seja, feito por ele.


Dana White, organizador do power slap,comemora o sucesso Daniel Dorsa/The New York Times - 28.06.2024

“Como resultado, tivemos sete bilhões de visualizações em 17 meses; precisa dizer mais?”, disse White, de 54 anos, em uma entrevista recente. Ele fez referência a uma estatística que registra o número total de visualizações da liga Power Slap em vários canais de mídia social, incluindo o YouTube, o TikTok e o Snapchat. White gosta de relatar a contagem de seguidores e a compara (sempre favoravelmente) a vários esportes da liga principal. “Até agora, o Power Slap ganhou mais de um milhão e meio de seguidores no Instagram só em 2024. O que é mais do que a Nascar, a Major League Soccer, a NFL, a Major League Baseball e a NHL”, afirmou ele.

Riscos extremos

A luta de tapas já foi uma competição confusa, com troca de golpes fortes com a mão aberta até chegar ao nocaute. Com seus recursos consideráveis, White conduziu os duelos, se não em direção à respeitabilidade, a pelo menos uma aparência de ordem, estabelecendo um conjunto de regras oficiais e implantando protocolos que dão ao empreendimento a aparência de um esporte legítimo. Ele disse que, para esse fim, a organização “apressou os passos em direção à regulamentação”, trabalhando ativamente com grupos desportivos, como a Comissão Atlética de Nevada, que licenciou oficialmente a organização e sediou os eventos sob sua jurisdição. Com isso, reforçou a legitimidade da liga e “garantiu que o esporte é agora regulamentado e seguro”.


O árduo e longo caminho do UFC para alcançar a legalização e a legitimidade foi resultado de esforços concentrados de lobby e de batalhas legais que duraram anos. A organização finalmente conseguiu a aprovação de seus eventos em cada um dos 50 estados norte-americanos em 2016. Superou a oposição daqueles que reclamavam da extrema violência física. Muitos estudos demonstram que as lutas envolvem um elevado risco de ferimentos na cabeça.

Apesar do sucesso das competições em Las Vegas, muitos criticam os riscos do esporte Daniel Dorsa/The New York Times - 28.06.2024

Mas o caminho do Power Slap para a legitimidade pode ser ainda mais íngreme. Os céticos destacam que as regulamentações são simplesmente irrelevantes e que os danos causados pelas brigas de bofetadas são intrínsecos à ação e não podem ser mitigados. “Isso não é um esporte, certo? É um evento. Um esporte é uma competição de atletismo ou habilidade. O Power Slap é só a demonstração da capacidade fisiológica de uma pessoa resistir a um traumatismo craniano. É como ver quantas vezes alguém aguenta dar cabeçadas em uma parede de tijolos”, resumiu o dr. Gregory O’Shanick, diretor médico da Associação Americana de Lesão Cerebral.


White apontou que o UFC, outro esporte de combate brutal, precede essa nova modalidade. “Não recebemos o crédito que merecemos pelo fato de não ter havido morte ou lesão grave em 30 anos de UFC. É um esporte de combate, mas gastamos muito dinheiro para garantir que seja o mais seguro possível, e é a mesma coisa com o Power Slap.” (Alguns estudos indicaram que as lutas no UFC também causaram lesões cerebrais traumáticas.)

Frank Lamicella, presidente da Power Slap, tem uma atitude mais do tipo “deixa rolar”. “Se duas pessoas quisessem bater na cabeça uma da outra, e se eu fosse médico, provavelmente diria: ‘Não acho que seja uma boa ideia.’ Mas se, mesmo assim, as duas pessoas quiserem fazer isso, fornecemos a plataforma e gastamos muito dinheiro para garantir que estejam seguras.”

'O Power Slap é só a demonstração da capacidade fisiológica de uma pessoa resistir a um traumatismo craniano' Daniel Dorsa/The New York Times - 28.06.2024

Dayne Viernes, lutador de tapa conhecido profissionalmente como Da Crazy Hawaiian, revelou que no início da carreira tinha algumas reservas sobre a segurança do esporte, em parte por causa das informações que recebera: “Muitas pessoas me contaram sobre a encefalopatia traumática crônica (ETC), sobre danos cerebrais e todas essas coisas.” Mas, apesar dos avisos, Viernes resolveu aceitar o risco. “No momento estou ouvindo meu corpo, e ouço muito bem. De fato, não acredito que isso vai me afetar da maneira como algumas pessoas pensam.”

O’Shanick frisou que, devido à natureza desses tipos de lesões cerebrais, os que sofrem de ETC nem sempre sabem que são afetados.

Ainda existem muitas dúvidas se o Power Slap é realmente seguro Daniel Dorsa/The New York Times - 28.06.2024

Mas White (que foi flagrado dando um tapa na própria esposa em público no ano passado) contou que já havia sofrido esse tipo de crítica antes, quando se esforçava para fazer o UFC crescer: “Todo mundo dizia que o UFC não era um esporte de verdade, que era bárbaro, que nunca daria certo.” Desde sua fundação, em 1993, e especialmente desde que White assumiu a organização em 2001, o UFC amadureceu. Saiu de um nicho restrito de público e entrou definitivamente no mainstream, com mais de US$ 1 bilhão em receita anual e milhões de pessoas sintonizando suas transmissões regulares em pay-per-view no canal ESPN.

No fim da noite, no Cobalt Ballroom, em Las Vegas, Da Crazy Hawaiian comemorava com sorrisos e rugidos sua vitória na luta pelo título dos superpesados. A multidão o aplaudia com entusiasmo. Enquanto ele sacudia seu cinturão de campeão no ar, um locutor perguntou se da próxima vez estaria disposto a enfrentar Dumpling. “Quero muito pegar o Dumpling”, gritou, riu e esfregou a barriga. “Me dá comida! Me dá comida!”

Perguntaram-lhe o que ele gostaria que o mundo soubesse sobre o Power Slap. Da Crazy Hawaiian fez uma pausa para dar ênfase: “Gostem ou não, isso é um esporte. E, gostem ou não, está sendo praticado.”

c. 2024 The New York Times Company

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