Pyramids FC: quem está por trás do clube que leva brasileiros ao Egito
Egípcios tiraram Rodriguinho do Corinthians, além de contratar outros brasileiros; investimento e comando de sheik árabe chamam atenção
Futebol|Do R7
O que há por trás do Pyramids FC? O novo projeto de clube, no Egito, ganhou as manchetes no Brasil pelas contratações e tem chamado a atenção de todos ao redor do mundo, sob a promessa de ser a "nova geração de times esportivos do Oriente Médio". A equipe recentemente ganhou maior destaque na mídia ao tirar Rodriguinho do Corinthians por cerca de R$ 22,6 milhões.
Há muito o que se discutir sobre a novo time - desde o comando até mesmo o interesse no futebol brasileiro, passando por um retrospecto de confusões com a torcida egípcia.
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O clube "renasceu" e foi fundado com um novo nome em 2018; agora, o time pertence a ninguém menos que Turki Al-Sheikh, bilionário, ex-presidente honorário do Al-Ahly e autoridade geral do esporte na Arábia Saudita (cargo similar ao de Ministro dos Esportes no Brasil).
Investimento financeiro de peso
Antes de ser vendido para o sheik árabe e responder por seu novo nome, o Pyramids FC era o modesto Al-Assiouty. Muitas questões são dignas de debate acerca do novo time, mas a mais óbvia - e mais necessária - talvez seja o gigantesco investimento financeiro.
Desde o anúncio da formação do clube, o Pyramids FC injetou o equivalente a US$ 37,6 milhões (cerca de R$ 47 milhões) em novas contratações, de acordo com as cifras divulgadas pelo site Transfermarkt. O valor é relativo apenas à soma de reforços que tiveram seus investimentos divulgados; o preço pago por alguns jogadores não foi confirmado.
Desses US$ 37 milhões, US$ 29,1 milhões foram destinados às contratações dos cinco jogadores brasileiros do clube. O valor, convertido, dá em torno de R$ 108 milhões.
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Tamanho da torcida e a 'força' da camisa do Pyramids
Dinheiro claramente não é um problema para Turki Al al-Sheikh, mas o bilionário terá de superar um obstáculo em sua caminhada à frente do clube: a torcida. O Pyramids é uma "nova versão" do Al-Assiouty (com nome, dono e cores diferentes), clube que já tinha problemas com o baixo número de torcedores.
Tradicionalmente, equipes gerenciadas pela iniciativa privada no Egito não tem grande apoio; a maioria do país torce para os tradicionais rivais Al-Ahly ou Zamalek, do Cairo. Outros clubes como Masry e Ismaily também têm uma torcida de tamanho considerável.
A qualidade das contratações leva alguns fãs de futebol a crer que a hegemonia do Al-Ahly pode finalmente ser ameaçada; seria este o nascimento de um novo grande clube? Outros, mais céticos, desconfiam que Turki não tenha um projeto de clube para ser mantido a longo prazo.
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A tragédia de Port Said
Quando se fala de torcida no Egito, é impossível esquecer a tragédia de Port Said, no dia 1º de fevereiro de 2012. Na ocasião, torcedores do Al-Masry invadiram o gramado após uma vitória por 3 a 1 sobre o Al-Ahly e atacaram os adversários com pedras e até mesmo fogos de artifício.
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- Naquele dia, o clima estava muito estranho. A segurança não estava como sempre devia. Provocações normais, mas como o Egito estava passando por mudanças políticas, entendia-se que tudo estava dentro de um contexto. (...) Entre o primeiro e segundo tempos, começaram a jogar pedras. No início do segundo tempo, o Al-Masry marcou o primeiro e o segundo gols; a cada vez que eles marcavam, parte da torcida descia ao campo e depois subia. Virou uma espécie de palhaçada, até o microfone interno do estádio pediu para a torcida do Al-Masry parar para que o juiz não anulasse o jogo - detalhou ao L! o empresário Mohamed Darwich, que estava presente no estádio.
Logo que acabou a partida, os torcedores do Al-Nasry foram pressionar os do Al-Ahly - e uma exigência da Fifa para a realização da Copa do Mundo sub-20 no país, em 2009, certamente facilitou a confusão. Uma das demandas na reforma dos estádios era que as portas do campo para as arquibancadas permanecessem abertas. Foi esse o caminho seguido pela torcida para o campo e, posteriormente, para as arquibancadas do Al-Ahly.
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74 pessoas morreram durante o episódio. A polícia inicialmente se recusou a abrir os portões, deixando os torcedores do Al-Ahly encurralados. Como resultado após a tragédia, os jogos da Egyptian Premier League foram suspensos por duas temporadas, retornando apenas para 2013-2014.
O incidente fez com que a federação proibisse a presença de torcida em jogos domésticos no Egito. A decisão até mesmo foi discutida antes do início da temporada 2018-2019, mas até o momento não foram anunciadas modificações na regra.
Reação da torcida local à fundação do Pyramids
Tamanho investimento financeiro em um clube do país seria bem visto pelos torcedores locais, certo? Não necessariamente. Acontece que a absoluta maioria no Egito torce para o Al-Ahly, clube de onde Turki Al al-Sheikh é ex-presidente honorário. O rompimento entre o sheik e o clube não foi lá dos mais amigáveis, o que gerou ressentimento por parte da torcida.
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O começo de al-Sheikh no Al-Ahly foi tranquilo, com boa aprovação da torcida e dinheiro investido em contratações. Entretanto, a personalidade extremamente midiática subiu à cabeça; em alguns momentos, as declarações de Turki levavam a crer que ele realmente se considerava presidente do clube egípcio. A autoridade chegou a criticar abertamente o então treinador Hossam El-Badry, afirmando que estava pronto para investir em um técnico estrangeiro.
A declaração não repercutiu bem, visto que o Al-Ahly é tido como referência na gestão profissional de futebol no Egito. Algumas trocas de farpas depois, al-Sheikh renunciou ao cargo de presidente honorário. O clube lançou alguns breves pronunciamentos sobre o assunto, mas não chegou a citar o nome do sheik.
Turki ainda ameaçou processar o time, afirmando que o dinheiro destinado a reforços foi usado de maneira equivocada. Posteriormente, contudo, a autoridade retirou as acusações da Justiça, tendo em vista que o Al-Ahly era "a sua casa" e o presidente Mahmoud El Khatib era "como um irmão". Um jornalista do Egito confirma a ideia de que o árabe quer que sua personalidade seja cultuada.
- Acredito que Turki apenas queira estar nos holofotes e não há país que possa lhe oferecer isso na região, a não ser o Egito. Ele lembra uma criança mimada que quer gastar vastas quantidades de dinheiro para se divertir e ver o povo falar dele. (Para isso) o que é melhor que um país com uma população de 100 milhões de pessoas que é apaixonado por futebol? - disse o jornalista, que teve a identidade preservada por questões políticas.
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No geral, a percepção pública é de desconfiança: os egípcios simplesmente não confiam em Al-Sheikh. O tempo irá dizer se há uma real preocupação com o esporte ou se esta é apenas mais uma manobra de "soft power", visando o estabelecimento de acordos ou melhorias na percepção pública e/ou relações internacionais do país. A estratégia ganhou destaque após as ações de Nasser Al-Ghanim Khelaïfi e da Qatar Sports Investments (grupo que é dono do clube francês Paris Saint-Germain) na aquisição de Neymar Jr.
Imprensa local celebra e quer vagas em projeto de al-Sheikh
Ao contrário da absoluta maioria da torcida, a imprensa local comemora. O dinheiro investido no Pyramids FC é visto por jornalistas como um importante passo em direção a maiores investimentos e um nível de competição mais acirrado nos torneios do Egito. A mídia egípcia é extremamente nacionalista e apoia quaisquer projetos que possam beneficiar remotamente o país.
Há, também, o lado do interesse. Muitos apresentadores de TV no Egito elogiam abertamente a gestão de Turki, mas o motivo é pessoal e envolve a briga no mercado de trabalho. O sheik árabe tem planos de lançar sua própria emissora televisiva; por isso, alguns jornalistas elogiam sua figura publicamente na esperança de conseguir uma vaga no novo projeto. Afinal, todos sabem que a folha de pagamentos de Turki é alta.
E quem não quer elogiar também não pode criticar: não é permitido fazer críticas públicas à figura de Turki no Egito. Os episódios de repressão à liberdade de imprensa se intensificaram após o golpe de Estado em 2013, quando o atual presidente Abdul-Fattah Al-Sisi tomou o poder.
Efeito Salah?
Mas o que levaria um sheik da Arábia Saudita a aplicar tantos recursos no futebol do Egito, em vez de investir com mais força no desenvolvimento da liga de seu próprio país? Alguns poderiam pensar ser um efeito direto da crescente popularidade de Mohamed Salah, jogador do Liverpool. O egípcio, cada vez mais querido pelo público ao redor do globo, foi peça fundamental na campanha das Eliminatórias que levou o país à disputa da Copa do Mundo de 2018; a última participação do Egito em Mundiais tinha sido em 1990.
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O "efeito Salah", contudo, não é uma justificativa válida para as investidas no Pyramids. O principal motivo é, acima de tudo, diplomático: em 2017, o presidente Abdul-Fattah Al-Sisi recebeu a visita de Turki Al Al-Sheikh para reforçar o acordo de cooperação entre Egito e Arábia Saudita. Os dois países são tidos como nações-irmãs, o que levou ao desenvolvimento de uma parceria para impulsionamento dos esportes na região. Um dos tópicos abordados é justamente o investimento financeiro; há também planos para projetos esportivos conjuntos e um intercâmbio de delegações entre os dois Estados.
A crença da população, contudo, é de que Turki não é digno de confiança. Muitos acreditam que as relações entre Egito e Arábia Saudita não são tão amigáveis assim, e que o sheik na verdade estaria tentando manipular o país africano. Um ponto que também levanta questionamentos é a proximidade entre a autoridade esportiva e Mohamed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita.
Interesse do Pyramids FC no futebol brasileiro
Outro ponto que chama a atenção é o claro interesse da cúpula do Pyramids FC no futebol do Brasil. O povo egípcio é fã do futebol enquanto entretenimento, especialmente a ideia do "futebol-arte" brasileiro. Mesmo sem jamais ter visto o jogadores em ação, os torcedores do Egito acreditam que, por serem brasileiros, os atletas serão obrigatoriamente talentosos e de alto nível técnico. Muitos acreditam que ter o "DNA do Brasil" é sinônimo de poder.
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Atualmente, são quatro os brasileiros que defendem a camisa do clube: Keno, Ribamar, Carlos Eduardo e Rodriguinho. Este foi o último a ser anunciado; a transação envolvendo o ex-Corinthians custou US$ 6 milhões. Arthur Caike chegou a ser contratado, mas foi negociado menos de um mês depois para o Al Shabab - a federação do país permite apenas quatro jogadores estrangeiros na equipe, em adição a no máximo dois sírios, que são considerados egípcios pela entidade desde o começo da temporada 2017-2018. Na beira do gramado, há o também brasileiro Alberto Valentim, que comanda o time. O LANCE! tentou contato, mas o clube não deu o aval para que o treinador desse entrevista até a publicação desta matéria.
O braço direito e auxiliar de Valentim é Ricardo La Volpe, um dos goleiros presentes no elenco campeão do mundo pela Argentina em 1978. Nos cargos de direção, três nomes com passado no Al-Ahly foram chamados por Turki al-Sheikh para compor a cúpula do time. Hossam El-Badry - sim, o mesmo técnico que o árabe ameaçou demitir foi posteriormente contratado por ele - é uma espécie de gerente de futebol.
Hady Khashaba defendeu apenas o Al-Ahly em toda sua carreira de jogador; hoje, ele é gerente e porta-voz oficial do Pyramids. Ahmed Hassan é diretor de futebol do clube e atual recordista de jogos defendendo uma seleção - pelo Egito, o ex-meia jogou 184 partidas entre 1995 e 2012. No Al-Ahly, jogou 58 jogos e marcou 22 gols entre 2008 e 2011, figurando também no elenco que ficou em 6º lugar no Mundial de Clubes 2008.
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Despedida de Arthur Caike causa estranhamento
Um dos acontecimentos mais inusitados desde a fundação do Pyramids foi visto na última sexta-feira. Com menos de um mês de casa, anunciado no dia 29 de junho, Arthur Caike já foi transferido ao Al Shabab (Arábia Saudita).
Fontes locais garantem que Turki tinha prometido o reforço de Keno ao Al Shabab, mas posteriormente contratou o brasileiro para o Pyramids. A equipe saudita não gostou e fez pressão, exigindo a transferência do jogador.
Valentim teria se irritado com a ideia, o que causou um desentendimento interno no clube egípcio; o treinador então sugeriu a ida de Arthur Caike para a Arábia Saudita, alegando que não abriria mão do ex-Palmeiras e Atlético-PR.
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Ganha peso, então, a ideia de que todo o investimento no Pyramids FC não passa de uma megalomania egocêntrica de al-Sheikh. Os sinais de alerta estão ligados (e são muitos). Resta dar tempo ao tempo para que vejamos o que será do futuro do futebol egípcio. O clube estreia na Egyptian Premier League na próxima sexta-feira, contra o ENPPI.
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