Zagallo comemora 90 anos, supera polêmicas e se torna referência
Único tetracampeão mundial faz 90 anos nesta segunda-feira, após se consagrar em uma carreira de controvérsias e títulos
Futebol|Eugenio Goussinsky, do R7
Um ano depois de o Brasil participar de sua primeira Copa do Mundo, em 1930, nascia aquele que iria participar de quatro entre as cinco conquistas mundiais e ajudar a impulsionar o futebol brasileiro. Naquele dia 9 de agosto de 1931, há exatos 90 anos, Mário Jorge Lobo Zagallo veio ao mundo, em Atalaia (AL), cidade situada 48 km de Maceió.
Quando ele tinha apenas oito meses, sua família deixou a cidade, famosa por ter sido o local onde foi desfeito o Quilombo dos Palmares (1710), e mudou para o Rio de Janeiro, em busca de uma vida melhor.
Aroldo Cardoso Zagallo, o pai de Zagallo, tinha como objetivo se firmar, no Rio de Janeiro, como representante comercial dos Tecidos Alexandria, uma fábrica que pertencia ao seu cunhado, Mário Lobo, irmão de sua esposa, Maria Antonieta, em Alagoas.
Tendo ele estudado na Inglaterra e a mãe de Zagallo, dona Maria Antonieta, tendo sido aluna em um internato francês em Alagoas, os pais queriam dar aos filhos uma educação ao estilo europeu, para que eles seguissem uma formação cultural robusta e cursasse contabilidade, inclusive para ajudar na empresa.
Zagallo foi matriculado no tradicional Externato São José, mas não se desapegou da bola e chegava a jogar escondido nas ruas da Tijuca e no terreno do Derby Club. Seu talento logo o levou a jogar pelo time amador do Maguary. Estava difícil segurar o ímpeto do menino.
O pai, bem-sucedido financeiramente, acabou sendo convencido pelo seu filho mais velho, Fernando, que o menino poderia seguir no futebol.
Zagallo ingressara no juvenil do América-RJ, clube do qual Aroldo era conselheiro e havia contribuído para a compra dos primeiros refletores do estádio Campos Salles.
Com seu jeito extrovertido, confiante e supersticioso (sempre gostou no número 13) logo ele foi aproveitando as oportunidades, já com o apoio do pai. Seu envolvimento com o futebol o tomou por completo e nada iria segurar aquele desejo de estar em campo.
Um dos argumentos de Fernando para convencer o pai a deixar Zagallo jogar foi o fato de jogadores como Evaristo de Macedo e Joel Martins, vindos de famílias mais abastadas, também seguiram no futebol.
No América-RJ, em 1949, ele conquistou seus primeiros títulos, vencendo o Campeonato de Amadores do Rio de Janeiro e em seguida o Torneio Início do Campeonato Carioca.
A carreira dele, então, decolou. O América-RJ tinha visibilidade e, logo em 1950, ele foi para o Flamengo, por onde conquistou o tricampeonato carioca de 1953-1954-1955. Do Flamengo, a seleção brasileira.
Com a mesma confiança, acabou sendo uma das referências táticas do time campeão mundial de 1958, funcionando como um quarto meio-campista e já demonstrando talento para a função de técnico, que exerceria anos depois.
Estilo pragmático
Já consagrado, Zagallo acabou não renovando com o Flamengo e foi para o Botafogo, onde também obteve glórias, jogando ao lado de Nilton Santos, Garrincha, Didi e Quarentinha. Encerrou a carreira de jogador aos 35 anos e se tornou técnico do juvenil do Botafogo.
Seu estilo direto e pragmático de ver o jogo logo o levou a comandar o profissional, por onde se sagrou bicampeão estadual, em 1967 e 1968. A seleção brasileira acabou sendo o seu destino também como treinador.
Ele assumiu a equipe em 1970, após a saída do vitorioso João Saldanha, com o objetivo de lidar com uma geração de craques como Pelé, Jairzinho, Gerson e Rivellino.
Com sabedoria, conseguiu encaixar todos os craques exercendo funções diferentes, incluindo também Tostão, após visualizar no meia-atacante do Cruzeiro a capacidade dele ser um falso nove na seleção. Quando soube disso por Zagallo, Tostão entendeu a intenção do treinador.
"Disse ao Zagallo: 'Vou jogar como o Evaldo joga no Cruzeiro.' O Evaldo fazia o que fiz na Copa de 1970. Ele facilitava para mim e para o Dirceu Lopes. Entendi logo qual seria minha função na seleção", disse ao R7.
A partir da conquista do tricampeonato mundial com a seleção, Zagallo se tornou uma figura controvertida nos anos 70. A questão dele comandar o time nacional em meio a uma ditadura militar gerava críticas de alguns que o consideravam conivente com o regime.
Além disso, uma rivalidade entre paulistas e cariocas pautava as críticas às suas convocações. Assim como ocorreu quando seu sucessor Osvaldo Brandão, gaúcho, mas muito ligado ao futebol paulista, comandou a seleção. E depois, a mesma rivalidade predominou nos tempos de Cláudio Coutinho.
Foi quando essa atmosfera mais carregada começou a se instaurar que ele comandou a seleção na Copa do Mundo de 1974. A preparação foi marcada pelas polêmicas, como a do corte do volante Clodoaldo, que até hoje garante que poderia se recuperar.
Em campo, a seleção brasileira não reeditou as grandes atuações a acabou sendo eliminada pela Holanda na semifinal. Mas a lenda de que Zagallo não tinha conhecimento do esquema moderno do adversário, dirigido pelo inovador Rinus Michels, não se sustenta, conforme informou na época o próprio preparador-físico da seleção brasileira, Paulo Amaral, enviado por Zagallo para observar o adversário na partida entre Holanda e Uruguai, pelas quartas.
"Tentei anotar alguns esquemas para esclarecer a posição dos holandeses durante o jogo e a base tática que eles usam. Vi o lateral-direito na ponta-esquerda, o lateral-esquerdo no meio-campo, o Cruyff na defesa, de repente no ataque e em seguida no meio. Em poucos minutos, estava cansado de anotar. E daí pensei. Sabe de uma coisa? Vou apenas ver o que acontece. E larguei papel e lápis de lado", afirmou o preparador na ocasião.
Paixão pela seleção brasileira
Zagallo, no entanto, não desistia. E buscou reverter sua fama de retranqueiro, atribuída a ele por alas paulistas. Com convicção, prosseguiu no futebol, buscando outra oportunidade para mostrar que seus conceitos continuavam válidos.
Aventurou-se pelo mundo árabe, treinando as seleções do Kuwait e Arábia Saudita, antes de retornar ao futebol brasileiro para assumir pela primeira vez o Vasco da Gama, em 1980. Antes, havia treinado também o Fluminense (1971-1972) e o Flamengo (1972-1974), tendo passado pelos quatro grandes do Rio.
Mas a paixão pela seleção brasileira era o que sempre prevaleceu em sua carreira. Ele retornou à seleção nos anos 90, tendo sido coordenador-técnico do Brasil campeão do mundo em 1994, após ser chamado por Carlos Alberto Parreira, que havia sido preparador físico do time nacional em 1970 e com quem trabalhou no mundo árabe.
Zagallo esteve, com isso, presente em todas as conquistas mundiais da seleção até então: em 1958 e 1962, como jogador, em 1970, como técnico, e em 1994, como coordenador, se tornando o primeiro tetracampeão mundial.
Esse amor pela seleção parece algo nutrido desde a infância, misturado ao seu amor pelo futebol. Mais do que teimosia, foi a obstinação que sempre predominou em Zagallo, desde os tempos em que ele insistiu com o pai que queria ser jogador.
E depois seguiu convicto de que daria certo como treinador. Seu grande momento em clubes foi quando, como técnico, comandou o Flamengo na conquista do título carioca de 2001, quando Petkovic fez o gol de falta histórico na vitória sobre o Vasco por 3 a 1, na final.
Zagallo encerrou sua carreira de técnico em 1999, na Portuguesa (SP), um ano após ter levado a seleção brasileira à final da Copa do Mundo de 1998, no famoso jogo em que escalou Ronaldo mesmo após o centroavante ter tido uma convulsão horas antes.
Zagallo vive no Rio de Janeiro e recebe a atenção de seus filhos , principalmente, de Paulo Jorge de Castro Zagallo. O outro filho se chama Mário César. Eles se mantiveram próximos do pai após a morte da mãe, Alcina, em 2012, sempre uma companheira presente na vida de Zagallo.
O treinador, sempre criticado, se manteve firme. Tão firme quanto nas respostas que deu durante a carreira, como o "vão ter que me engolir", após a vitória na Copa América de 1997.
Hoje, o nonagenário Zagallo é reverenciado por suas conquistas. Seu irmão soube o que fez quando convenceu seu pai. E se vivo estivesse, Aroldo ficaria satisfeito em ver que o filho, em vez de atuar como contador, acabou contabilizando títulos.
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