Velório de Maradona mostra tudo o que não deve ser feito em pandemia
Esperavam um milhão de fãs, mas insistiram em concentrar multidão mesmo com pouco tempo de velório. Deu no que deu - e no que sabiam que daria
Futebol|Eduardo Marini, do R7
A situação da covid-19 na Argentina é bem melhor do que a vivida no Brasil. Mesmo assim, 'los hermanos' se aproximam de 1,4 milhão de casos e de 38 mil mortes provocadas pela pandemia.
Diante dessa realidade, e não apenas por ela, o velório de Diego Maradona na Casa Rosada, sede do governo argentino, nesta quinta-feira (25), foi um show do que não se deveria ter sido feito nesses tempos. A impressão é de que, por ironia trágica, tudo parece ter sido milimetricamente pensado para dar errado.
A abertura ao público foi feita às seis da manhã. As autoridades argentinas queriam prolongar as visitas até sexta-feira (27) ou provavelmente sábado (28). Os familiares desejavam que os portões fossem fechados ao público às 16h desta quinta-feira (26). Depois, diante dos tumultos que se ensaiavam, concordaram em estender o horário até 19h. Por fim, recuaram e encerraram às 17h.
As autoridades argentinas estimavam que até um milhão de pessoas tentariam se despedir do ídolo no velório. Ainda que se considere as 13 horas de duração, das 6h às 19h, e não as dez iniciais, numa conta simples, seria possível dedicar, no período, em média, um único segundo para cada 21 pessoas. Se apenas a metade do milhão de fãs se dirigisse à Casa Rosada, seria preciso incluir dez pessoas na visita a cada escasso segundo.
Nas onze horas de duração ao final, entre 6h e 17h, pouquíssimo tempo para um velório de uma figura dessa dimensão com participação popular, a média seria de 25,25 pessoas por segundo, em caso de um milhão, e quase treze com a metade de todo esse povaréu.
Não seriam necessários cálculos e pensamentos profundos para se chegar à singela conclusão de que essa logística seria impossível de ser cumprida.
Em um mundo em condições normais de temperatura e pressão, o ideal, claro, seria dar a chance da despedida presencial a todo argentino que assim desejasse.
Mas movimentos com essa dimensão devem ser feitos em situações normais, e não em meio a uma pandemia que desaconselha qualquer aglomeração, pequenas, grandes e ainda mais as imensas, como é o caso de Buenos Aires nesta quinta-feira (26).
O resultado não poderia ser outro: milhares e milhares de pessoas espremidas, respirando coladas sob o sol, confrontos tensos com a polícia, balas de borracha, pauladas, gente machucada, choro, reclamação.
Em resumo: ainda mais tristeza e decepção. E uma multidão se apertando em frente e nos arredores da Casa Rosada durante todo o dia, sem previsão de dispersão. Com os portões fechados, muitos tentaram invadir o prédio. E tome paulada e bala de borracha da polícia.
Melhor teria sido se apenas os familiares estivessem no depósito e, depois, o corpo percorresse em caminhões seguros por vários pontos da cidade, até o cemitério, para o adeus das pessoas diluídas ou, pelo menos, em concentrações menores e menos perigosas pelo caminho.
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As autoridades que propuseram o velório aberto na Casa Rosada sabiam que o desfecho visto era fatal com tão pouco tempo para visita popular? Não é difícil imaginar que sim. Se a família não queria um velório tão longo, para além da quinta-feira (26), por que fazer nos moldes vistos?
Maradona é idolatrado na Argentina e amado por muitos em todo o mundo. Claro que todos desejariam uma realidade mais favorável à proposta de permitir a chance de dar o último adeus ao gênio da bola a quem quisesse. Mas a Argentina e o mundo estão numa pandemia. Que mata e merece ser combatida com o máximo rigor.
A morte do grande Diego Armando Maradona não deu para evitar – mas que se trabalhe para evitar outras tantas na Argentina, no Brasil e no mundo.
Multidão de fãs e tumulto com polícia marcam adeus a Maradona