"Fui, como todos de meu grupo, um torcedor violento, com consumo de drogas e brigas. Brigávamos com armas, vi muitos amigos morrerem e isso sempre foi algo que me machucava. Um dia, pensei que não poderia continuar dessa maneira, e busquei alternativas. Estamos trabalhando para diminuir a violência no futebol, para acabar com ela".
O depoimento de um dos líderes da torcida organizada Comandos Azules de Millonarios, da Colômbia, José Glasses, revela que a violência nas torcidas organizadas é um problema na América do Sul, com muitas causas em comum, como a falta de perspectivas dos jovens e a própria violência da sociedade, e algumas características específicas de cada país.
Na busca de soluções, duas torcidas rivais colombianas passaram a se organizar para um outro tipo de luta: no ringue. Praticar boxe foi a forma encontrada pelos líderes, para fazerem seus integrantes canalizarem a agressividade de forma regulamentada, com ética e espírito esportivo.
Por vários anos, as torcidas realizavam treinos e combates mas, desde o último sábado (17), a iniciativa ganhou visibilidade, com o apoio do poder público local. O evento, denominado BoxVida, ocorreu em Bogotá. Jovens barra bravas (o nome em espanhol de torcedores violentos) das torcidas La Guardia Albirroja Sur de Santa Fé e os Comandos Azules de Millonarios, realizaram combates nos quais os participantes lutaram uns contra os outros.
"Para mim isso tem uma importância grande, que é encontrar uma alternativa de extravasar e não entrar em brigas. Vamos trabalhar as duas torcidas, não nos relacionamos como amigos, mas para organizar, e acabar com a violência e resgatar a cultura futebolística. Há mais ou menos oito anos anos tínhamos uma escola em diferentes pontos da cidade onde os jovens treinavam. Marcávamos lutas como forma de gerar cultura futebolística, e essas ações resultaram no último evento deste sábado", observa Glasses.
A iniciativa foi organizada pelo Idipron (Instituto Distrital para la Protección de la Niñez y la Juventud), da cidade de Bogotá, e tem a função de transformação social pela paz, convivência e projetos de vida de crianças e jovens. Foi articulada com projetos que caminhavam em separado, como o “Caminhando Descontraído” (processo nos bairros) e Goles en Paz 2.0 (programa oficial da Secretaria de Governo).
"Trata-se de uma política pública, uma maneira de buscar um processo de convivência por meio do Esporte, dentro de um projeto mais amplo, com mesas de diálogo e açõs para combate à violência. Esta é uma atividade esportiva com enfoque comunitário, não interessa tanto o alto rendimento, mas sim utilizar o esporte para transformação social e possibilidade de desenvolvimento. Trabalhamos com pessoas vulneráveis por meio do esporte", observa Alejandro Villanueva Bustos, da Idipron.
"Em vez de facas e revólveres, os torcedores usam luvas para lutar com seus rivais, dentro de regras, disciplina e respeito ao adversário", ressalta Bustos.
Questão social
Na Colômbia, as brigas carregam uma questão social muitas vezes ligada, além da falta de perspectivas dos jovens, ao narcotráfico. Armas brancas e armas de fogo fazem parte da rotina das organizadas locais. Mesmo na pandemia, as brigas prosseguiram. Entre 2008 e 2020 foram 149 mortos em confrontos das principais equipes dos grandes centros do país: Bogotá, Medellín e Cali.
Após os acordo de paz entre governo e as guerrilhas do narcotráfico, em 2016, líderes das organizadas se mobilizaram mais para diminuir a violência entre seus associados.
"Os acordos de paz ajudaram a criar propostas de desenvolvimento do esporte social e comunitário, em setores rurais e nos bairros mais populares com cinturões de miséria. O que fizemos é tentar alcançar os setores mais vulneráveis, de onde os narcotraficantes e grupos criminosos vinham captando torcedores barra bravas de distintas equipes para fazer parte dos grupos, aumentando a violência", conta Bustos.
As lutas de boxe ocorreram em três rounds de três minutos cada, em cinco confrontos de homens e um de mulheres. Mas, mesmo com esse número restrito de participantes, o evento atraiu a iniciativa de centenas de torcedores que, além de organizarem as lutas, as assistiram sem entrar em choque, contribuindo para um clima de paz.
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