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BRASILEIRO 2022

Técnico brasileiro tem espaço na Europa? Especialistas divergem

Inglês é direto ao dizer que técnicos daqui não são bons o bastante; experiente comandante no Brasil aponta diferenças culturais

Futebol|Eugenio Goussinsky, do R7

Treinadores brasileiros, como Cuca, vivem pressão por resultados
Treinadores brasileiros, como Cuca, vivem pressão por resultados

O Brasil continua sendo o país do futebol quando se fala no número de jogadores que atuam no exterior. Incluindo equipes da Europa. Mas quando o assunto é treinador, no que se refere aos grandes clubes europeus, o brasileiro continua fora dos planos. Ainda não há mercado para os técnicos do Brasil por lá.

E se conta nos dedos a quantidade de brasileiros que chegaram a comandar algum time de destaque no continente europeu, com nomes restritos a Iustrich (Dorival Kinpel), Luiz Felipe Scolari, Vanderlei Luxemburgo, Carlos Alberto Parreira e Sebastião Lazaroni que, mesmo como destaques no Brasil, ficaram pouco tempo em agremiações europeias.

A exceção, até um tempo atrás, era Portugal, onde brasileiros como Carlos Alberto Silva, Paulo Autuori, Otto Glória e o próprio Scolari (na seleção) fizeram sucesso. Mas, nos últimos tempos, o mercado português também não trouxe mais treinadores brasileiros para as principais equipes.

"A resposta para isso é simples, eu acho que eles (treinadores brasileiros) não são bons o suficiente. O futebol é uma profissão bastante meritocrática, então os melhores geralmente - nem sempre, mas geralmente - chegam ao topo. Os próprios técnicos brasileiros costumam dizer que não se mudam porque se sentem confortáveis ​​no Brasil, que ganham um bom dinheiro e não precisam se mudar, mas isso é uma desculpa, na minha opinião. O ponto mais importante talvez seja porque eles não são bons o suficiente", diz o jornalista Joshua Law, que há muito tempo cobre o futebol europeu para revistas como a Planet Football e a Forbes.


Law ressalta que, neste caso, o nível de qualidade se relaciona mais ao interesse e à postura dos técnicos do que à capacidade deles.

"Há algumas explicações para isso. A primeira e mais óbvia é o conforto, o descanso do futebol brasileiro sobre os louros. Ocasionalmente, você ouve os treinadores brasileiros dizerem: 'Vencemos a Copa do Mundo cinco vezes, o que podemos aprender com alguém?' Ligada a isso está a falta de mistura cultural e troca de conhecimento que vem com isso. O Brasil é silencioso e fechado para estrangeiros (embora esse seja menos o caso do que era há 5 ou 10 anos), então houve pouca influência externa nos últimos 30 anos ou mais", observa.


Ele cita como exemplo o futebol na Inglaterra que evoluiu muito nos últimos anos, com a entrada de treinadores estrangeiros. Com isso, o país já se desapegou da fama de praticar um futebol apenas baseado na força física e nos lançamentos com bolas altas.

"Basta olhar para a Inglaterra para ver o impacto positivo que um influxo de treinadores e jogadores estrangeiros pode ter na cultura do futebol de um país. Por fim, há o calendário e a cultura do futebol de curto prazo no Brasil. Os treinadores têm muito pouco tempo para trabalhar com seus jogadores no campo de treinamento e, se perderem três jogos, serão demitidos. Nessas circunstâncias, seu trabalho geralmente será mais seguro se você evitar todos os riscos e formar uma equipe defensiva que joga futebol de bola longa direta", ressalta Law.


Treinador experiente

Neste sentido, e somente neste sentido, o experiente treinador brasileiro, Renê Simões, concorda com Law. Mas, em termos de qualidade, ele não vê uma defasagem na capacidade do treinador brasileiro que, na visão dele, se tivesse mais tempo de trabalho no Brasil, poderia ter mais chances de atuar na Europa.

"Vejo sim desta maneira, se o treinador brasileiro não ficasse tão pressionado, poderia ousar mais e abrir um mercado que neste momento está fechado, que é o europeu. Cito o Guardiola, que acho espetacular. Mas, no Bayern, ele ficou três temporadas e já na primeira não ganhou a Champions. Esse era o maior objetivo do clube. Ele foi demitido por isso? Não, ficou lá por três temporadas. No Brasil, na primeira que ele perdesse, já estaria demitido", observa Simões.

Por experiência própria, Renê considera que, quando houve tempo para implementar suas ideias, seus trabalhos foram bem-sucedidos. Conta dois casos, um em relação à Jamaica. Foi ele, afinal, o técnico que classificou a seleção jamaicana para uma façanha histórica: disputar a primeira e única (até agora) Copa do Mundo, em 1998. Mas ele conta que nada disso aconteceria se não fosse a convicção do presidente da federação jamaicana.

"No início, me sentei com ele e falei: 'Qual o seu projeto? Se for vencer a Copa do Caribe, podemos fazer isso em curto prazo. Senão, podemos pensar na Copa do Mundo daqui a quatro anos, e então vou ter de alterar toda a equipe'. Ele preferiu a segunda opção. Resultado, fomos eliminados na Copa do Caribe, para Cuba, que tem um futebol ainda pouco desenvolvido. Choveram críticas, de torcedores, imprensa. Mas ele manteve o pé firme: 'o projeto é para daqui a quatro anos'. E deu certo, chegamos à Copa do Mundo, em um feito histórico", lembra.

Também no Al-Rayyan, do Qatar, Simões viveu situação semelhante nos anos 90. Chegou ao clube e, no primeiro turno, a equipe terminou em último lugar.

"O presidente me chamou. Já pensei que seria demitido. Mas, então, ele me perguntou o que faltava, como eu achava que o time poderia melhorar, quais as perspectivas. Eu falei sobre a necessidade de um projeto consistente, que tudo poderia melhorar. Ele me manteve, viramos no segundo turno e terminamos como campeões".

Formação e postura

A questão da formação do treinador, segundo Simões, também já deixou de ser um motivo. Segundo ele, a obrigatoriedade de os técnicos terem a licença PRO, após curso da Uefa, para atuarem deixou de ser uma vantagem em relação ao Brasil. Ele ressalta que o curso ministrado pela CBF já se equipara, tendo inclusive uma carga horária maior.

"Neste sentido, a possibilidade de adquirir conhecimento também existe no Brasil. Os cursos se assemelham em qualidade. O que muda é a cultura em cada local. No Brasil, o treinador tem de fazer um trabalho mais próximo do jogador, ser um suporte para ele, muitas vezes. Na Europa, há um distanciamento maior, mais frieza na relação. Além disso, tirando exceções, há fatores que dificultam o técnico brasileiro: distâncias maiores, longos períodos em aeroporto, abrupta mudança de clima para cada partida. Muitas vezes, os times brasileiros quase não dormem de uma viagem a outra. O desgaste é imenso", ressalta.

Para Paulo Dagoberto Castro, professor de Educação Física, especialista em futebol, formado pela OSEC/Unisa, a estrutura de formação de treinadores no Brasil é muito recente. 

"O que existia antes eram cursos não reconhecidos. Colabora para essa realidade também as experiências mal sucedidas de técnicos aqui renomados e que fracassaram lá fora. Mas sou otimista e creio que esse quadro vai melhorar. Hoje temos curso reconhecido de formação, a nova geração tem mais interesse em estudar e procurar aperfeiçoamento lá fora", afirma Castro.

Se há uma defasagem grande, segundo Simões, é na postura do jogador brasileiro, em comparação com o europeu. No Brasil, há um envolvimento muito menor dos jogadores com projetos, de acordo com ele. Em outras palavras, é muito comum jogador insatisfeito, por qualquer motivo banal, derrubar técnico.

"Sim, isso existe mesmo, bem mais do que lá. Eu já tive experiências assim. Uma vez, no Coritiba, apliquei uma goleada de 5 a 0. Saí todo satisfeito, achando que tudo o que tinha planejado deu certo. Quando esfriei a cabeça, vi com calma o replay do jogo e percebi os absurdos que os jogadores adversários faziam para tomar gol. Jogadas primárias. Derrubaram o treinador", conta.

Treinadores argentinos

Simões admite, porém, que a postura do treinador brasileiro também poderia ser melhorada. Neste sentido, ele vê uma falta de abertura.

"Quando eu dirigia o Vitória de Guimarães, fui jogar contra o Tatabania, da Hungria, pela atual Liga Europa (antiga Uefa). O clube mandou o gerente nos receber no aeroporto. Ele me apresentou duas relações, dos jogadores que iriam e não iriam atuar, me tratou com toda a gentileza, me apresentou as dependências, tudo. Ganha quem é melhor, o resto não importa. No jogo de volta, retribuí e passei a fazer isso sempre, com o visitante. No Brasil, é mais assim: 'o que sei, sei, não passo para ninguém'. É mais cada um por si, não importando tanto o todo", diz.

Os treinadores da Argentina, segundo Simões, têm mais espaço e conseguem bons resultados na Europa, muito em função de fatores culturais.

"O argentino em geral é aguerrido, tanto jogador como técnico. Insiste e vai atrás dos seus projetos e conceitos. Além disso, a Argentina tem muito de Europa, nossa cultura é diferente. Inclusive o clima da Argentina é mais parecido com o europeu. E a Europa tem em seu cerne o sentido de reconstrução, após guerras, como a Segunda Guerra Mundial. Esse sentido de reconstrução requer planejamento. Isso acaba sendo assimilado pela sociedade local, em todos os setores, inclusive o futebol", ressalta.

Já Castro vê na questão do idioma um empecilho, apesar deste estar longe de ser intransponível.

"Acredito que a questão cultural e a língua sejam fatores preponderantes e que nos diferenciam em muito dos argentinos", completa.

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