Seleção do tri fazia o mortal comum crer que o quase impossível era fácil
O que parecia ser simples ali era de uma falsidade sublime, fruto do alto teor de capacidade e refinamento de Pelé, Gerson, Tostão e companhia ilimitada
Futebol|Eduardo Marini, do R7
“Nunca mais, nunca mais...”
Nasci em março de 1966. Obviamente, não me lembro da transmissão ao vivo, a primeira a cores para o Brasil (embora poucos tivessem tevê colorida à época) do espetáculo de luzes e sombras formado pelos seis jogos da campanha da seleção brasileira no tricampeonato de 1970.
Brasil 4 a 1 na Tchecoslováquia, 1 a 0 na Inglaterra e 3 a 2 na Romênia na primeira fase, a de grupos.
Brasil 4 a 2 no Peru nas quartas, 3 a 1 de no Uruguai, de virada, na semifinal, e o emblemático 4 a 1 sobre a Itália na finalíssima.
“Nunca mais, nunca mais...”
Era o que se limitava a dizer o seu Edson Marini, meu pai, vascaíno até a medula, durante todo o tempo de todas as ocasiões em que reviu, ao meu lado e do meu irmão caçula Christian, uma parte ou a íntegra de algum daqueles jogos de antologia.
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A seleção do tri de 70, o melhor grupo de 11 caras escalado em um campo na história desse negócio chamado futebol, foi a mais perfeita, plástica e bela tradução do que se convencionou chamar de jogar fácil.
Perfeita na contradição, porque de fácil naquele jogo, ao menos para os mortais comuns, não havia nada. A exemplo da cabeleira cuidadosamente arquitetada pelo popstar para dar impressão de um desgrenhado espontâneo, o fácil ali era sublimemente falso, consequência da mais alta megatonagem de talento do coletivo formado por Pelé, Gerson, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Carlos Alberto e companhia ilimitada.
Algo infelizmente inacessível a um mortal condenado pelo destino a se conformar com o produto do limite de seu esforço.
As aulas do “Professor” Gerson, com seus lançamentos tão longos quanto precisos durante toda a Copa. O sentido tático refinadíssimo de Tostão, gigante contra o Peru, com dois gols e uma partida primorosa, e participação coroada com o toque magistral para Pelé no lance do quarto gol contra os italianos, de Carlos Alberto.
A combinação rara de força e talento de Jairzinho. As patadas de Rivelino. A ação elegante e segura do até hoje elegante e seguro Clodoaldo, um dos papos mais agradáveis daquela geração.
E a participação abençoada do Rei Pelé, marcando gols (fez quatro) e distribuindo passes com calma e perfeição em patamares compatíveis com os que se esperava na maturidade do homem mais dotado de talento em toda a história para desempenhar... esse negócio chamado futebol.
Até mesmo as curvas e contrastes das fotos de comemorações de gol dessa turma são as mais bonitas vistas nos campos.
Dias atrás, o telefone de casa tocou à noite. Era meu pai (que efetivamente estava no Maracanã, aos 17 anos, na traumática derrota por 2 a 1 para o Uruguai em 1950). Viúvo, tem feito isso às vezes com filhos e netos para gastar um pouco de conversa enquanto enfrenta, sozinho, o isolamento por conta da pandemia de coronavírus.
Ao final do papo, mandou: “estava vendo de novo o DVD da final de 70 contra a Itália”.
Respondi “sensacional”, “espetacular” ou alguma coisa do tipo.
E o seu Edinho?
Claro: “nunca mais, nunca mais...”.
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