Por que Bauermann recebeu pena leve no julgamento do esquema de apostas? Especialistas respondem
Advogados ouvidos pelo R7 explicam que a tipificação da pena dos jogadores em julgamento no STJD determina 'distância' da pena recebida entre os denunciados
Futebol|Do R7
Na última semana, oito atletas denunciados pelo Ministério Público de Goiás na Operação Penalidade Máxima foram julgados pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), e conheceram suas penas por participar da manipulação de apostas que gerou crise moral no futebol brasileiro.
Após mais de nove horas de julgamento, a 4ª Comissão Disciplinar do STJD proferiu as penas, que variaram de 12 jogos de suspensão até ao banimento do esporte.
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Veja as penas impostas:
Moraes: 760 dias de suspensão e multa de R$ 55 mil
Gabriel Tota: banimento e multa de R$ 30 mil
Paulo Miranda: mil dias de suspensão e multa de R$ 70 mil
Eduardo Bauermann: 12 jogos de suspensão
Igor Cariús: absolvido
Fernando Neto: 380 dias de suspensão e multa de R$ 15 mil
Matheus Gomes: 380 dias de suspensão e multa de R$ 15 mil
Kevin Lomónaco: 380 dias de suspensão e multa de R$ 25 mil
A diferença dos “ganchos” recebidos pelos jogadores virou motivo de discussão.
Porque Bauermann, que nos autos da investigação, aparece combinando com os apostadores levar cartão amarelo em partidas do Brasileirão, em troca de R$ 50 mil, recebeu a menor pena, enquanto parte dos jogadores, denunciados pela mesma ação, foram suspensos por dois anos ou até banidos?
Especialistas ouvidos pelo R7 explicam que esta diferença nas penas impostas aconteceram por conta das diferentes aplicações de artigos do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) contra os denunciados.
"As penas variaram porque os atletas foram incursos, pelo órgão julgador, em artigos distintos, cujas penas são bem diversas entre si. Ou seja, apesar de a Procuradoria haver entendido que as condutas eram semelhantes e denunciado ambos os jogadores com base no mesmo dispositivo do Código, a 4ª Comissão do STJD concluiu que eles praticaram condutas diferentes", explica o advogado Felipe Crisafulli, especialista em Direito Desportivo do escritório Ambiel Advogados.
O zagueiro do Santos, por exemplo, foi suspenso com base no artigo 258, que tem como pena a suspensão de uma a seis partidas.
Assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras deste Código.
Por prometer ser advertido em duas partidas do campeonato brasileiro, a pena foi dobrada, chegando em doze jogos.
O atleta Fernando Neto, que jogava pelo Operário, na série B, quando foi contatado pelo grupo criminoso que atuava no esquema de apostas, também prometeu ser expulso em uma partida, no ano passado.
Apesar disso, ele foi autuado no artigo 243 do código da justiça desportiva, suspenso por 380 dias e multado em R$ 15 mil.
Atuar%2C de forma contrária à ética desportiva%2C com o fim de influenciar o resultado de partida%2C prova ou equivalente
Felipe Crisafulli, opina que os auditores do STJD tiveram papel determinante para tipificar os artigos em que os atletas foram penalizados, e que isso explica a diferença das sentenças.
"Na realidade, ambos os atletas foram denunciados, pela Procuradoria, por violação a mais de um dispositivo do Código, aí incluído o art. 243. Entretanto, no julgamento, os auditores da 4ª Comissão Disciplinar do STJD, por maioria, entenderam que a conduta do atleta Eduardo Bauermann deveria ser enquadrada no que dispõe o art. 258 do CBJD. Com isso, como o art. 258 tem penas mais brandas (no caso de atletas, suspensão de uma a seis partidas), o zagueiro do Santos acabou condenado a "apenas" 12 jogos de suspensão. No caso, ele recebeu a pena máxima (suspensão por 6 jogos) em cada uma das duas partidas em que, consoante as investigações, acertou com os apostadores que receberia cartão no Brasileirão de 2022", explica.
“Já o atleta Fernando Neto, como os auditores entenderam que a conduta dele correspondeu, de fato, à do art. 243 do CBJD, na medida em que teria tido participação mais ativa no esquema de manipulação de resultados, a sua punição acabou sendo fixada em 380 dias e multa de R$ 15 mil, pois esse dispositivo do Código prevê penas que variam de 180 a 360 dias de suspensão e multa de R$ 100 a R$ 100.000,00 (cem mil reais)”, conclui o especialista.
Promotoria e jogadores podem recorrer?
Insatisfeita com o julgamento, a Procuradoria do STJD já declarou publicamente que vai recorrer da pena de Bauermann.
“A procuradoria pode recorrer, uma vez que a decisão é de primeira instância. No caso de Eduardo Bauermann, há o entendimento por parte da procuradoria, que a punição deveria ser em quantidade de dias e não de partidas, o que não ocorreu. Diante disso, não foi a decisão esperada”, explica Thiago Elias de Souza, especialista em direito desportivo do Ferrareze & Freitas advogados.
“Da mesma forma, os advogados dos atletas, entendendo que a pena aplicada é desproporcional aos atos praticados pelos seus clientes, poderão recorrer da decisão”, completa o advogado.
Bauermann foi exceção
Ao lado de Igor Cariús, lateral-esquerdo do Sport, que foi absolvido, Bauermann foi o jogador, até o momento, que recebeu a punição mais branda entre os jogadores denunciados.
Além dos seis jogadores listados acima, mais quatro jogadores julgados anteriormente também receberam duras punições: Jarro Pedroso (720 dias), Nikolas Faria (720 dias), Romário (banido) e Gabriel Domingos (720 dias).
Para os especialistas, a interpretação do tribunal de que a conduta do zagueiro era mais próxima ao artigo 258, ao invés do artigo 243, “livrou” Bauermann de ter de cumprir pena, de pelo menos, 180 dias longe dos gramados.
“Muito fatores são levados em consideração no momento do julgamento, como depoimento pessoal das partes, testemunhas, entendimentos dos auditores diante do conjunto probatório para se chegar a uma decisão razoável e justa, de acordo com o CBJD”, opina Thiago Elias.
Confira o resultado do julgamento dos jogadores denunciados no esquema de apostas