No futebol, usar camisa de rival no lazer é pior do que espancar mulher
Há algo de deplorável quando torcedor se melindra com estrangeiro de seu time usando outro uniforme e minimiza os socos do goleiro na companheira
Futebol|Eduardo Marini, do R7
Dois fatos, um polêmico e outro absolutamente deplorável, marcaram o futebol brasileiro, e em particular o São Paulo Futebol Clube, nesta quarta-feira (18).
A polêmica ficou por conta do zagueiro equatoriano Robert Abel Arboleda Escobar, o Arboleda, 28 anos, do tricolor paulista, que, de férias em seu país, postou uma foto sua vestindo a camisa do Palmeiras ao lado de um amigo.
E o fato repugnante foi protagonizado pelo goleiro reserva Jean, 24 anos, preso na Flórida, Estados Unidos, após agredir a esposa, Milena Bemfica, com oito socos.
O rosto castigado da moça, com a pele esfolada e os lábios inchados pelas pancadas da covardia, formaram a imagem triste do dia.
Chamaram atenção, no entanto, as reações majoritárias da suprema maioria da torcida do São Paulo aos dois episódios. Analisadas em conjunto, elas formam um retrato bem definido da distorção de valores que costuma prevalecer e manter no limbo os padrões éticos e sociais no ambiente do esporte mais popular do País.
No Twitter oficial da principal torcida organizada são-paulina, a Independente, surgiram textos condenando o zagueiro equatoriano. Um deles: “Arboleda mau caráter. Não respeitou grandeza do São Paulo. Trairagem com quem o defendia. A certeza não pode ficar impune. Se tivesse no Morumbi vendo Lugano, Fabão e Bordon jogar (sic), jamais ousaria usar uma camisa sem mundial e bi rebaixados”. Sobre a covardia primitiva e criminosa de Jean, nenhuma palavra.
O desequilíbrio seguiu em outro grupo de torcedores, o São-Paulinos Unidos: “os BUNDÕES da Diretoria são amadores/medrosos. Sabe o que vai acontecer? Jean vai rescindir o contrato e perderemos o $ (dinheiro) investido. Arboleda pedirá desculpas e ficará por isso mesmo. Arboleda é INGRATO. SPFC não merece cara assim. Deixe APODRECER EM COTIA (espaço do clube na cidade de Cotia, na região metropolitana de São Paulo) até vender.
Particularmente, este que vos escreve não vê problema em um jogador estrangeiro usar camisa de outro clube do país em que trabalha quando está de férias no seu, ainda que este clube seja um rival direto do que o mantém sob contrato.
Jogadores são profissionais. Trocam de camisa o tempo todo como gesto de respeito e fair play. A chance de Arboleda ter recebido a camisa em questão em um jogo contra o Palmeiras, da mão de um colega de trabalho, é grande.
Cultura exagerada do melindre, mesmo porque fica difícil imaginar Arboleda apaixonado pelo São Paulo, o Verdão, o Flamengo, o Vasco ou qualquer outro clube brasileiro, e não a LDU, o Emelec, o Barcelona de Guaiaquil ou qualquer outro do Equador. Pegou uma camisa e foi para o churrasco com o amigo. Simples como isso.
Mas ainda que se identifique alguma falta de cuidado ou mesmo imprudência na atitude do zagueiro, e se reconheça o direito e as justificativas dos são-paulinos para reprovar a atitude, é injustificável priorizar esse incômodo ao mesmo tempo em que se minimiza o fato de atleta de seu clube espancar covardemente a mulher, ser detido nos Estados Unidos e as cenas da barbárie caírem nas redes sociais.
A ponto de grande parte dos torcedores lamentar o dinheiro a ser perdido em caso de rescisão de contrato do agressor, como se sugerisse que a vista grossa e o pano quente do tempo poderiam ser a melhor solução para o clube.
Coisas que explicam porque o futebol insiste em manter hábitos medievais num país com necessidade vital de atingir níveis mínimos de educação e civilidade nas relações pessoais.
Jean é mais um na lista de jogadores acusados de agredir mulheres