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Na Copa de 1970, Félix desafiou a superstição e usou luvas só na final

Figura importante na conquista do tri, que completa 50 anos, goleiro doou chuteiras para atacante do Flu fazer gols do título nacional daquele ano

Futebol|Paulo Guilherme, do R7

Goleiro Félix (à direita) na final da Copa do Mundo de 1970 no México
Goleiro Félix (à direita) na final da Copa do Mundo de 1970 no México Goleiro Félix (à direita) na final da Copa do Mundo de 1970 no México

Estádio Azteca, Cidade do México, 21 de junho de 1970: o goleiro Félix abre o armário do vestiário, já uniformizado, retira um par de luvas de couro escuras. Faltam poucos minutos para a final da Copa entre Brasil e Itália.

Com alguma dificuldade, consegue vestir a mão esquerda, que está com o dedo mínimo inchado, maior que o polegar, fruto de uma luxação durante um treino.

O atacante reserva Paulo César Caju corre em sua direção e agarra suas mãos, tentando arrancar as luvas do goleiro.

“Você está louco, Félix?”, questionou Paulo César. “Você jogou a Copa inteira sem luvas, vai usar justo agora, na final? Isso vai dar azar!”

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Félix se manteve firme e respondeu ao colega supersticioso: “Não falaram que eu sou um goleiro ultrapassado, velho, que não sei jogar de luvas? Agora eu vou ser campeão do mundo usando luvas! Eu só não uso porque não gosto!”

Até então, Félix tinha disputado seis jogos sem luvas, diferentemente do inglês Gordon Banks, que sujou o seu belo par de luvas brancas para fazer a imortal defesa na cabeçada de Pelé, e do uruguaio Ladislao Mazurkiewicz, que também vestia luvas de couro.

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Félix gostava de jogar sem luvas
Félix gostava de jogar sem luvas Félix gostava de jogar sem luvas

Mas Félix era ‘old school’, gostava de por a mão crua naquela bola pesada de capotão, que quando chovia enchia de água pela costura e ficava do tamanho de uma bola de basquete. Era conhecido como Papel, pelo tipo físico franzino, impensável hoje em dia para um goleiro. Não tinha medo de nada.

As luvas do tri Félix levou, depois da Copa, para Aparecida. Foi junto com a família pagar promessa pela conquista do título mundial e deixou as luvas na antiga igreja.

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Já o par de chuteiras Félix doou para um grande amigo, o ex-jogador Mickey, seu colega no Fluminense. "Calça aí para você sentir um pouco o que é ser tricampeão", disse. Mickey não só experimentou como jogou toda a Taça de Prata de 1970 com as chuteiras de Félix nos pés. E com elas marcou gols nos três jogos decisivos na conquista do título daquele campeonato nacional.

A camisa está emoldurada em um quadro na casa da filha mais nova, Patrícia Venerando, que cuida de todo o legado do tricampeão.

“Eu ia com meu pai nos treinos, também queria ser goleira, cheguei até a jogar na areia com o Radar, mas ele não deixou”, conta Patrícia, que acabou usando as mãos para jogar vôlei. "Minha técnica dizia que eu tinha reflexos de goleira igual meu pai, defendia todas as bolas no fundo de quadra", lembra Patrícia, que depois do vôlei se tornou personal trainer.

Chegada à seleção

Em uma época onde se dizia que virava goleiro quem era maluco ou ruim com a bola nos pés, Félix aprendeu observando os mais velhos. Quando começou a jogar, no Juventus, era reserva de Oberdan Cattani, grande ídolo do Palmeiras, que estava encerrando a carreira no clube da Mooca. Depois, já na Portuguesa, revezava a posição com Cabeção, goleiro de seleção brasileira.

Foi jogando pela Lusa que Félix começou a ser convocado para a seleção, em 1967. Era o início da busca por um novo goleiro para o Brasil para substituir Gylmar dos Santos Neves, bicampeão do mundo em 1958 e 1962. Guardada as devidas proporções, era como aconteceu recentemente com o São Paulo depois de 20 anos de Rogério Ceni: nenhum outro goleiro parecia ser bom o suficiente.

Félix atuou sem luvas e defendeu uma cabeçada à queima-roupa contra Inglaterra
Félix atuou sem luvas e defendeu uma cabeçada à queima-roupa contra Inglaterra Félix atuou sem luvas e defendeu uma cabeçada à queima-roupa contra Inglaterra

Além de Félix, também foram testados os goleiros Manga, Cláudio, Raul Marcel, Alberto e Picasso. Faltando dois meses para começar as Eliminatórias para a Copa de 1970 e o técnico João Saldanha chamou Gylmar de volta, então com 39 anos. Percebendo que iriam querer levá-lo para mais uma Copa do Mundo, Gylmar fez um amistoso e então anunciou que estava encerrando a carreira.

Sem confiar em Félix, a quem dizia que era muito frágil para enfrentar atacantes europeus e não sabia sair do gol, Saldanha tentou então dois jovens goleiros: Ado, do Corinthians, e Leão, do Palmeiras. Não deu certo. Após um empate do Brasil com o Bangu (isso mesmo), Saldanha foi demitido e Zagallo assumiu como técnico da seleção.

E Zagallo confiou na experiência de Félix, que, com 32 anos, era o mais velho do elenco tricampeão e um dos líderes do grupo, junto com Carlos Alberto, Brito, Gérson e Piazza. Era também generoso. Foi ele quem deu a idéia para Zagallo convocar um terceiro goleiro, Leão, no lugar do atacante Rogério, cortado por contusão às vésperas da Copa. Afinal, se ele ou Ado se machucasse durante o Mundial, o Brasil ficaria sem um goleiro reserva.

Nocaute e piloto automático

Félix mostrou toda coragem no jogo mais difícil daquela Copa, contra a Inglaterra, então campeã mundial. Ele defendeu uma cabeçada na pequena área do atacante Lee. E ainda levou um chute no rosto do mesmo jogador que tentou aproveitar o rebote. Félix seguiu em campo desorientado, agindo “no piloto automático”, e só recobrou a consciência ao descer para os vestiários.

Na semifinal contra o Uruguai, Félix falhou ao tentar defender um chute de Luis Cubilla. O pé ficou preso na cal da linha do gol e a bola passou na sua frente entrando no canto direito. Félix compensou defendendo uma cabeçada do mesmo Cubilla no segundo tempo, evitando o que seria o gol do empate (o Brasil vencia por 2 a 1). Pouco depois, Rivellino faria o terceiro gol brasileiro.

Na final, manteve a calma mesmo depois de sofrer o gol de empate da Itália, em uma lambança do zagueiro Brito. O Brasil fez mais três gols no segundo tempo.

Félix Mielli Venerando, campeão na Copa de 1970
Félix Mielli Venerando, campeão na Copa de 1970 Félix Mielli Venerando, campeão na Copa de 1970

Pediu pra sair na final

Faltando pouco para o jogo acabar, Félix olhou para o banco e fez o sinal de substituição para Zagallo. Queria que Ado, seu reserva, jogasse alguns minutos daquela Copa.

“O Ado apoiava todo mundo, aparecia sempre comemorando os gols no banco de reservas”, diz Patrícia. “Meu pai queria homenagear o amigo deixando ele jogar uns minutinhos da final da Copa. Mas o Zagallo não permitiu.”

O técnico explicou depois que se tivesse substituído o goleiro, Félix não ganharia a medalha de campeão, que naquela época era entregue só para quem terminasse a partida final. Carregado nos ombros pelos mexicanos, Félix recebeu os parabéns de Saldanha durante a transmissão da festa nos vestiários. O ex-treinador tinha se tornado comentarista de uma rádio naquela Copa.

Patrícia Venerando, filha de Félix, mostra a camisa que ele usou na final da Copa de 1970
Patrícia Venerando, filha de Félix, mostra a camisa que ele usou na final da Copa de 1970 Patrícia Venerando, filha de Félix, mostra a camisa que ele usou na final da Copa de 1970

Luta pela aposentadoria

Depois do tri, Félix seguiu mais dois anos na seleção e conquistou vários títulos pelo Fluminense. Parou de jogar em 1977 e se tornou treinador de goleiros do clube.

Em 2006, Félix ouviu do então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, a promessa de se criar uma aposentadoria e um plano de saúde para os jogadores campeões mundiais pelo Brasil. Passou então a lutar insistentemente por esse direito e a cobrar o que foi prometido.

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Félix morreu no dia 24 de agosto de 2012, aos 74 anos de idade, no Hospital Vittoria, no Jardim Anália Franco, na zona leste de São Paulo, em conseqüência de um enfisema pulmonar.

No ano seguinte, foi aprovada a lei que criou a aposentadoria dos campeões e mais um prêmio de R$ 100 mil. “Minha mãe viveu da aposentadoria dele por mais cinco anos depois que meu pai morreu e manteve todos os custos”, destaca Patrícia, que tem as irmãs Lígia e Gislaine.

A família mantém viva a memória de Félix com a venda de camisas retrô dele da seleção e do Fluminense, um site oficial com toda a carreira do goleiro e tem encaminhados projetos de livro e de um documentário em fase final de produção.

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