O destino muitas vezes explica trajetórias. Aquele gol de Basílio, na final do Paulista de 1977, vencida por 1 a 0 pelo Corinthians, contra a Ponte Preta, foi também um instante que retratou e uniu histórias. A infância de João Roberto Basílio se entrelaçou com a de tantos outros apaixonados pelo clube.
"Desde menino adorava futebol. Cresci jogando bola com palmeirenses, santistas, são-paulinos. E gostava tanto do Corinthians que até pulava o muro do Pacaembu para ver jogos da arquibancada."
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A bola deslizou no barbante após o bate-rebate que parecia o pulsar de corações palpitantes. E o grito do gol marcado por Basílio, aos 37 do segundo tempo no Morumbi, só explodiu tão forte porque revelava milhões de verdades espalhadas pela cidade, até então silenciosa naquela noite.
Ter sido o mensageiro dessas verdades não fez de Basílio alguém acima de todos. Ele apenas simbolizou o fim de quase 23 anos sem títulos. Seu heroísmo decorreu do fato de ele ter desnudado plenamente o seu lado humano. Do menino sonhador que viveu na Casa Verde, respirando futebol nas ruas e nos campinhos, ele se transformou no jovem batalhador, típico paulistano, para atuar na várzea, fazer testes perto de casa e se tornar jogador da Portuguesa.
Seria impossível evitar que tal simbologia não o tornasse um dos maiores ídolos da história do clube. Mas Basílio, hoje com 72 anos, se aproveita da condição de ídolo apenas para fazer sua opinião ser mais pesada. De divino, ele só tem o apelido, "Pé de Anjo". De resto, até hoje, fala como um corintiano comum. Um ser humano comum.
Aquele que entende que, para vencer no Corinthians, é preciso transformar o que é complexo em algo simples. Como era o seu futebol. Tal segredo, porém, na opinião dele, comentarista da rádio Capital e atuando no departamento cultural do Corinthians, os atuais jogadores do clube não estão conseguindo decifrar.
"Vejo que o Corinthians de hoje, pelas contratações, está tentando acertar, mas infelizmente não está conseguindo. Jogadores contratados que rendiam em outras equipes, depois de contratados pelo clube não renderam. Cito o exemplo do Luan, no qual se acreditou, mas ele ainda não correspondeu. Diretoria e torcedores ainda acreditam. Depende mais dele, condições ele tem", afirma.
Torcida inigualável
Em relação à pressão, ele não acredita que atualmente haja uma cobrança maior do que nos anos 70.
"Muito pelo contrário, na minha geração a pressão era maior, havia muita descrença, depois da perda do título de 1974 para o rival Palmeiras. Depois daquela derrota, a pressão aumentava a cada dia. A reviravolta que trouxe a grande confiança no torcedor foi a arrancada no Brasileiro de 1976, que levou o corintiano a voltar a acreditar", conta o ex-jogador.
Basílio chegou ao Corinthians em 1975, após ser campeão paulista na Lusa, dois anos antes. Um dos que o indicaram foi o próprio Rivellino, antes dele ter de deixar o clube por causa da pressão dos torcedores.
O título paulista, na verdade, teve início com a campanha no Brasileiro de 1976, quando o Corinthians chegou à final, após, nas semifinais, contra o Fluminense, sua torcida lotar o Maracanã e ser mais numerosa do que a do tradicional e popular adversário.
O calor da torcida corintiana foi tão grande que contagiou até o dirigente tricolor Francisco Horta. Nem a torcida flamenguista o inebriava com tanta energia, a ponto dele ir frequentemente a São Paulo para admirar a fiel torcida em ação no Pacaembu.
"Até hoje me arrepio quando me lembro. Entrei no intervalo. O Givanildo, volante, estava com febre e o substituí. O Ruço, que estava na meia, passou a ser volante e fui na função de meia, ao lado do Neca. Isso nunca mais vai acontecer da mesma maneira com outra torcida. Foi a prova para ninguém mais vai duvidar do corintiano. Ele vende carro para ir a um jogo desses. Tanto que o Inter, finalista, se assustou e restringiu os bilhetes, temendo nova invasão. Mesmo assim o corintiano se virou e foi em grande número, mas sofreu dentro e fora do Beira-Rio", conta Basílio.
O Corinthians venceu o Fluminense, nos pênaltis, e acabou ficando com o vice-campeonato nacional, após derrota por 2 a 0 para o Inter (RS).
Mas o fervor daquela época ainda está presente. Mesmo o aumento das cifras e as mudanças no futebol não tiraram esse lado "raiz" do torcedor corintiano, segundo Basílio.
"Se o corintiano mudar vai ser sempre para ser mais corintiano ainda. Isso sim. A paixão só aumentou desde então, hoje há informações de todos os lados, o corintiano acompanha tudo, se informa, palpita. Há muitos jovens, hoje o fanatismo está ainda maior. Vejo como exemplo o que houve no Japão, em 2012 (final do Mundial). Foi parecido com o jogo do Maracanã. Conheço gente que vendeu coisas, se sacrificou mas, no fim, não reclamou de nada. Ficou é satisfeito de ter podido estar com o Corinthians."
E se, para Toquinho, ser corintiano é ser um pouco mais brasileiro, para Basílio, ser corintiano é ser um exemplo para os outros brasileiros.
"Dizem que o brasileiro não tem memória. Mas o corintiano tem. Faço parte do departamento cutural do clube, os ex-jogadores são valorizados. Montamos uma equipe masters e quando o grupo sai, para tudo quanto é lado, é recebido com enorme carinho. Digo para cada um deles valorizarem tudo isso, como uma retrospectiva que premia a carreira, algo gratificante."
A lembrança de Vicente Matheus
Quando se fala em dirigente, antes de elogiar a iniciativa de Andrés Sanchez e Mário Gobbi de terem iniciado esse projeto com veteranos, Basílio lembra com carinho do ex-presidente Vicente Matheus, falecido em 1997. Como seria Matheus administrando o clube com os problemas de hoje, quando as cifras subiram intensamente?
"Houve uma evolução grande desde os tempos do seu Vicente. Mas até a última gestão dele, ele renovava seus conceitos para dirigir o clube. Mas o conhecendo, hoje ele poderia administrar, mas permaneceria com suas ideias básicas, mesmo inovando aqui e ali. Isso significa que ele até poderia contratar, mas uma coisa é certa, iria ser difícil de gastar, ia segurar custos. Sempre dizia 'o meu dinheiro é uma coisa, outra é o dinheiro do clube', que tinha de ser preservado."
O Corinthians, neste sentido, é uma entidade que vai além do patrimônio, dos jogadores atuais, do tecido do uniforme. É uma energia invisível e contínua que une um grupo de jogadores em campo ao povo, fora dele. E que acaba se tornando palpável por meio dos nomes que por lá passaram.
"Tudo que se faz hoje é uma sequência de outros tempos. Na minha geração, também trouxemos para nós a época de Cláudio, Luizinho, Baltazar. Agora é a vez dos jogadores atuais. E muitos deles são vitoriosos, ligados ao clube, como Cássio, Fágner, Gil e Fábio Santos. A questão é eles vencerem. Com resultados bons, o time tem condições de voltar a conquistar títulos. O grupo tem uma história bonita, mas precisa de um pouco mais de personalidade. Não adianta ser um leão só quando se enfrenta o Corinthians e se inibir quando veste esta camisa. Jogador do Corinthians não pode ser acanhado", completa Basílio, com a sabedoria de ex-jogador. E a paixão de eterno torcedor.
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