Futebol 'raiz'! Tradicional torneio de várzea, 'Desafio ao Galo' retorna
Prevista para voltar a partir de 31 de março, competição que marcou época no futebol visa mostrar que várzea é fábrica de talentos e espaço para cidadania
Futebol|Do R7
Os embates acirrados e os destaques do futebol de várzea terão novamente espaço no calendário brasileiro. Tradicional competição amadora de São Paulo, o "Desafio ao Galo" volta a entrar em cena na TV Gazeta, com início previsto para o dia 31 de março. E com um objetivo claro: resgatar a importância da várzea para a revelação de atletas e contribuir na formação de cidadãos.
Leia mais: Saiba como acompanhar o futebol de várzea em São Paulo
- O "Desafio ao Galo" é uma parte fundamental da história da várzea de São Paulo. Desde que o Nilton Travesso e o Paulo Machado de Carvalho Filho fundaram o programa (na TV Record) em 1972, a gente tem a estimativa de que 24 mil jogadores passaram por lá. São desde jogadores vindos das equipes dos bairros, que surgiram para o futebol, até os aposentados que vinham e "reforçavam" as equipes - detalhou, ao LANCE!, Joseval Peixoto, que, após ter trabalhado em veículos como o SBT e a Jovem Pan e de ter exercido a advocacia, retomará o posto de narrador das partidas.
Também idealizador do projeto, Elias Skaf afirmou que o impacto da várzea não foi perdido com o passar dos anos:
- Você vê um amor maior à camisa, de quem briga mais pela bola. Isso é impagável! E colocar estas partidas como preliminar de um jogo grande na televisão, como a gente pretende, sem dúvida dará um destaque para a revelação de novos jogadores - afirmou o coordenador do "Desafio ao Galo", que terá ainda reportagens de Cleo Brandão e comentários de Flávio Prado.
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A abertura da competição ocorrerá em um estádio tradicional da capital: o Ícaro de Castro Mello, no Ibirapuera.
Pecularidades do regulamento
Nos 24 anos em que ocupou as manhãs de domingo (20 anos na TV Record e, mais tarde, da TV Gazeta), o "Desafio ao Galo" ficou marcado por peculiaridades em seu regulamento. A começar pelo nome do programa, que vem de uma expressão derivada do boxe:
- Para se manter no posto de "Galo", o time precisa, a cada nova partida, ganhar ou empatar com o seu adversário. Caso perca, o novo vencedor é que começa a ser desafiado - esclarece Joseval Peixoto.
Joseval recordou-se de uma reviravolta curiosa causada graças ao regulamento do "Desafio ao Galo":
- Foi um jogo em que o "Galo" não só estava perdendo como, no último minuto, teve o seu goleiro expulso por cometer o pênalti. Tiveram que improvisar o zagueiro no gol! O batedor do time que estava ganhando cobrou o pênalti na trave, a bola voltou para o meio de campo e não é que um jogador do "Galo", de longe, empatou o jogo? E se a bola fosse para fora, o desafiante é que ganhava (risos).
Já outro fator visa coibir a violência no campo:
- O time que agredir o juiz não joga mais a competição! Isto é definitivo para a gente.
O regulamento ainda faz uma exigência em relação à idade dos jogadores:
- Assim como era nos anos 70, 80 e 90, não vai ter limite máximo de idade. Mas toda equipe terá de contar com dois jogadores de até 17 anos. Ao exigirmos isto, significa que o técnico terá de dar chance aos garotos. Porque sabemos que a várzea continua a ser o maior celeiro de craques do país - evidenciou Elias Skaf.
Além disto, o Super Galo continua a fazer parte do calendário, conforme declara Joseval Peixoto:
- Nossa ideia é de que a primeira fase ocorra até setembro. Nos meses seguintes, acontecerá o Super Galo, no qual os oito melhores times lutam para ver quem se sagrará o campeão de fato do "Desafio ao Galo".
Celeiro de craques
O fato de dar espaço aos jovens fez com que os gramados do "Desafio ao Galo" se tornassem cenário dos primeiros passos de jogadores que, mais tarde, se consolidariam no futebol:
- Muitos nomes bons. A gente viu surgirem o Cafu, Casagrande, César Sampaio, VIola... - elencou Elias Skaf.
Skaf relembrou a maneira como o "Desafio ao Galo" contribuiu para que o capitão do pentacampeonato da Seleção Brasileira fosse descoberto:
- Cafu já tinha feito vários testes. Eu lembro que jogou por um time da Zona Sul e o Telê (Santana) o viu disputando a partida. Logo depois, Telê o chamou para jogar no São Paulo. O Cafu só se tornou quem é graças à oportunidade que teve lá na várzea.
Atual comentarista da Rede Globo, Casagrande lembrou-se de sua passagem no "Desafio ao Galo":
- Eu joguei umas duas vezes no "Desafio ao Galo". Tinha 15 anos na época, já jogava no juvenil do Corinthians. Foi bem legal de atuar, me agradava porque tinha vários caras que jogavam muito!
Joseval Peixoto relembrou que, entre as equipes de futebol amador, havia a presença de ex-jogadores ilustres:
- O "Desafio ao Galo" abriu espaço para muitos jogadores que penduraram as chuteiras. Até campeões do mundo com a Seleção Brasileira, como Dino Sani, Djalma Santos e Orlando Peçanha jogaram na várzea!
Casagrande contou o que fez com que ele deixasse de atuar na várzea:
- O Corinthians me pediu. O "Desafio ao Galo" ocorria no domingo de manhã, mas a gente jogava pelo Timão na preliminar, de tarde. Só que segui assistindo às partidas de várzea, com meu pai.
O ex-jogador mostra-se favorável à volta do "Desafio ao Galo":
- Seria ótimo voltar, porque pode ajudar a revelar jogadores.
Os heróis que saíram do anonimato
O "Desafio ao Galo" também ajudou a consagrar jogadores e clubes que travavam disputas fortes na várzea de São Paulo. Um deles foi Francisco Fermino Alves.
Então goleiro do Sítio Novo, Chiquinho da Pata foi repor a bola para o jogo quando seu chute atravessou todo o campo e estufou a rede adversária. Passados 28 anos, ele confessa:
- Foi algo que nem eu esperava. Eu queria lançar meu centroavante! - recordou, complementando sobre a jogada:
- A bola estava bem calibrada. Fui encher o pé e ela subiu muito. Aí, Deus me deu este presente incrível.
Chiquinho da Pata, que se dedicou por muitos anos ao futebol de várzea, não esconde sua alegria ao falar sobre a competição:
- As lembranças são as melhores possíveis. Nós íamos para a outra semana sem saber quem era o adversário e a disputa era passada para o Brasil inteiro!
De acordo com o goleiro, o gol rende reverências frequentes a ele:
- Sim, fui destaque nacionalmente. Mas aqui (em São José do Rio Pardo) até hoje sou respeitado e admirado.
Chiquinho destaca o papel social do futebol de várzea:
- O futebol foi muito importante na minha vida. Graças a ele, nunca me deixei envolver com nada ilegal. E aquele gol foi um momento mágico para mim. Eu, que era um goleiro, marquei e ainda apareci na televisão.
Joseval Peixoto contou que esta busca por visibilidade promete ser tão marcante quanto já foi no período anterior do "Desafio ao Galo":
- Como é sorteado um time por semana, uma equipe vai acalentar aquele sonho de mostrar para a família o seu futebol. E a competição não revelou só jogadores e times competitivos. Também se destacaram nomes bons no jornalismo. O Fausto Silva, o Alberto Helena Júnior, o Tiago Leifert, que estava bem no início de sua carreira...
Elias Skaf recordou algumas equipes que se consagraram no decorrer das décadas:
- O Parque da Mooca chegou a ficar 26 partidas sem perder. Tinha o Centro da Coroa, o SDR promoviam grandes jogos.
Os causos da competição
Em meio a 24 anos de lembranças, o "Desafio ao Galo" também rende histórias curiosas para quem lidou com a competição. Elias Skaf revelou que uma equipe já usou uma tática bem controversa para levar a melhor na decisão de um Super Galo:
- Na final do Super Galo, os times se concentram com ainda mais intensidade. Só que um time descobriu onde o outro estava se concentrando e contratou umas garotas de programa para os jogadores adversários. A noite fez diferença (risos).
De acordo com ele, uma rivalidade entre duas equipes já gerou até um conflito surreal:
- Começou uma briga generalizada tão forte no campo, a ponto de torcedores invadirem. Aí um torcedor que era realmente muito forte desferiu um soco e acabou acertando em cheio um cavalo. Caíram o cavalo e o policial juntos.
Joseval Peixoto contou que já foi "traído" por uma brincadeira de mau gosto:
- Já aconteceu de a gente estar no ar e uma pessoa chegar à beira do campo: "Pô, Joseval, morreu um cara que era aqui do time, fala para o juiz fazer um minuto de silêncio". A gente falou, ele fez um minuto de silêncio e logo depois, veio outra pessoa à beira do campo para dizer: "Ô, seu vagabundo, eu não morri não!" - riu, mas logo complementou:
- Desta vez, vamos ficar atentos a tudo para não passar por este tipo de situação.
Tendo em seu currículo a narração da final da Copa do Mundo de 1970 pela Rádio Bandeirantes, Joseval Peixoto garante que levará para o "Desafio ao Galo" um tom mais irreverente:
- Como a competição não tem a mesma formalidade dos jogos tradicionais, a minha narração vai ser mais descontraída. Se um cara perder um gol inacreditável, eu vou poder gritar: "pô, cara, como é que perde uma dessas?".
Os novos rumos do Desafio ao Galo
A expectativa por retomar o "Desafio ao Galo" fica ainda mais intensa com o panorama do futebol de várzea em São Paulo. De acordo com Elias Skaf, a estimativa do número de clubes causou surpresa:
- Quando fomos organizar a volta da competição com a Prefeitura de São Paulo e a FPF, fizemos um levantamento e descobrimos que há 8.500 times de várzea. Isto é espetacular!
Desde a mobilização pela volta da competição, os idealizadores procuraram apoio com o Governo do Estado e a Prefeitura.
Joseval Peixoto ratifica sua confiança de que o "Desafio ao Galo" renderá bons momentos para o futebol nacional:
- A várzea sempre foi um berço para o futebol. Queremos provar que ela não perdeu espaço, nem sua essência.