Faltou 'gelo no sangue' do Fla no processo que definiu saída de Jesus
Rafinha admite 'falha'. Impossível acreditar na tese do desconhecimento, mas o erro fatal foi crer que Mister não teria motivos para ir - e havia alguns bons
Futebol|Eduardo Marini, do R7
O lateral-direito Rafinha apontou publicamente a falha do Flamengo no processo que culminou com a ida do técnico Jorge Jesus para o Benfica, de Portugal.
“Precisamos ser realistas: o Flamengo falhou. Ninguém imaginava que iria acontecer isso, ele sair, ainda mais tendo renovado o contrato um mês antes. O próprio clube se pronunciou dizendo que falhou. Não ter uma segunda opção caso ele rescindisse. O Flamengo não se preparou para isso. Não dá para culpar a diretoria. O clube renovou, mas ele chegou e disse ter outro projeto, a família dele lá, e pronto”, declarou o jogador em entrevista ao canal ESPN.
A renovação de contrato por mais um ano com o Flamengo foi divulgada pelo próprio treinador em suas redes sociais no último dia 2 de junho. Em 17 de julho, exatos 45 dias depois, o Benfica anunciou o acordo e a ida do Mister para o clube português.
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Rafinha até pode estar certo ao dizer não ser possível “culpar” o presidente Rodolfo Landim e a diretoria pelo desfecho.
Multa rescisória faz parte do contrato como qualquer outra cláusula. Se o profissional decidir aceitar a nova proposta, como foi o caso, e ela, a multa, for paga, o novo contratante não precisa sequer dar bom dia aos antigos chefes do contratado.
O problema maior foi o Flamengo não ter um plano B à mão mesmo no dia 17 de julho, quando todos, das pedras ao mais desinformado dos rubro-negros, passando por jornalistas daqui e de lá, davam como certa a uma forte negociação em curso.
Com respeito a quem pensa o contrário, fica impossível acreditar na tese de que Landim e seus parceiros não sabiam da conversa e levaram o “chapéu” do desconhecimento absoluto. Sabiam – é evidente e notório que sabiam.
O primeiro equívoco foi não acreditar na chance de JJ aceitar, neste momento, a proposta do Benfica. Uma crença talvez turbinada pelo suposto pacto do treinador com o elenco para chegar novamente à final do Mundial de Clubes e, dessa vez, conquistar o título. E o segundo, de não se preparar para essa possibilidade com o pouco, mas legítimo, tempo que teve.
O valor do euro saltou de cerca de R$ 4 para mais de R$ 6 entre o início e o final das negociações do treinador com o rubro-negro para a renovação do contrato.
Na reta final, JJ teria aceitado reduzir um pouco o valor total do contrato, em torno de R$ 24 milhões por todo o período, com a contrapartida de ter uma multa rescisória menor.
De fato, a multa de um milhão de euros (cerca de R$ 6,04 milhões) era pequena demais para um técnico europeu que teve o desempenho de JJ em seu primeiro contrato. A de Marcelo Gallardo, que renovou há pouco com o River Plate, da Argentina, por exemplo, é três vezes maior.
Por tudo isso, não era um absurdo tão grande imaginar que JJ poderia dizer sim ao chamado do Benfica, clube da cidade do treinador, onde teve ótimo desempenho em sua primeira passagem.
A proposta financeira foi excelente e JJ é um senhor de 66 anos que estava longe de sua família em tempos de pandemia. Não bastasse, rolavam comentários, verdadeiros ou não, sobre um suposto envolvimento afetivo do técnico por aqui, o que, não é difícil imaginar, deve ter funcionado como fator adicional de pressão familiar por sua volta.
Além de tudo isso, bons trabalhos na América do Sul, na carreira de técnicos europeus, ainda funcionam como trampolins de recuperação de imagem para voltar a receber boas propostas dos gigantes de lá, mesmo considerando a grandeza de um clube como o Flamengo. O tempo poderá mudar isso, mas, por enquanto, a realidade ainda é essa.
Após deixar o Benfica, Jesus não foi tão bem no rival Sporting. Desceu mais alguns degraus depois disso e andou dando rasantes pelo Brasil, no Vasco e no Atlético-MG, até que pousou no Flamengo e o encaixe funcionou.
Por tudo isso, Landim e seus parceiros de diretoria – que, como todos, evidentemente sabiam do assédio do Benfica – deveriam ter acreditado com um pouco mais de pragmatismo na possibilidade de perder o Mister. Faltou gelo no sangue, como gosta de dizer o vice-presidente de futebol, Marcos Braz.
Quanto ao trabalho do substituto, agora é trabalhar para que ele aplique seus pensamentos com o mínimo de prejuízo em relação ao que JJ deixou de bom.
Será um desafio e tanto. Quem acompanha futebol sabe que nenhum técnico novato chega para o grupo e diz “que tudo continue como agora está” - ainda que este agora seja o legado de um técnico que, em 13 meses, conquistou mais títulos do que teve derrotas.
Mesmo porque, se fosse assim, não seria necessário gastar os tubos com o novo figurão.
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