Desempregado, ex-zagueiro do Corinthians tem encarado até fila de banco
Betão curte momento com a família mas quer logo voltar à ativa no futebol
Futebol|Eugenio Goussinsky, do R7

Setembro de 2009. Na fria Kiev, torcedores lotam o estádio Valeriy Lobanovskiy para acompanhar um jogo marcante. Dínamo de Kiev e Barcelona se enfrentariam pela última partida da fase de grupos da Uefa Champions League. No fim, mesmo com a derrota, um jogador em especial saiu de campo com a sensação de dever cumprido: o zagueiro brasileiro Betão.
Ainda respingando suor e ofegante, o jogador caminhava rumo aos vestiários sob os olhares orgulhosos dos torcedores locais. Afinal, se na véspera ele tinha sido motivo de chacota, ironizado por ter de tentar parar ninguém menos do que o astro Messi, ao fim do jogo ele provou que em sua carreira a superação da desconfiança alheia sempre foi uma constante.
— Fiz uma boa partida. No início nos cumprimentamos, eu e o Messi, mas depois não falamos nada. Não sou de ficar intimidando atacante. Jogo com seriedade, mas com lealdade. Fiquei marcando ele mais pela esquerda e fui elogiado por minha atuação por jornais do mundo inteiro.
Mais uma vez, conforme revelou ao R7, Ébert Willian Amâncio, o Betão, paulistano de 30 anos, havia feito sua parte. Se não conseguiu parar Messi totalmente, ele o marcou com firmeza, quase não perdeu as disputas mano a mano e ainda fez o craque argentino mudar de posição, deslocando-se para o meio a fim de fugir da marcação cerrada do brasileiro e encontrar o caminho do gol. Barcelona 2 x 1. Mas naquela partida, Betão foi o maior vitorioso.
Quase cinco anos depois, o cenário é outro. A vida passou, águas rolaram, a gélida Kiev se torna uma terna imagem branca, como a neve, em sua memória. Betão se vê na sua casa, em São Paulo, rodeado pela alegria de seus filhos, Luca, de cinco anos, e Catherine, de 1 ano e três meses, que praticamente não o deixam falar.
Poucos amigos no futebol
Ele está sem clube, parado há cerca de oito meses. Discreto, não se gaba de sua altura, 1m81, e de seu olhar tático para o jogo. Define-se apenas como um zagueiro mediano, em meio ao alarido infantil das crianças, que o faz feliz, mesmo em um momento difícil da carreira. Pelo menos ele está experimentando algo que não era possível no turbilhão da vida profissional: tempo para a família. E para reflexões.
— Estou aproveitando para viajar nos finais de semana, curtir a família, ir buscar filhos na escola e tudo mais. Este é o lado positivo, enquanto não surge uma proposta interessante.
Amigos, ele fez poucos no futebol. O ambiente é difícil, com muita gente diferente em um mesmo grupo. Isso não o anima a se tornar treinador no futuro, apesar de salientar que nada na vida é definitivo. Entre os poucos jogadores com quem ainda tem amizade, está o argentino Carlos Tevez, a quem recebeu no Corinthians e com quem dividiu o quarto nas concentrações entre 2004 e 2006.
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— Conversávamos muito, dividimos muitas experiências. Ele é um cara muito legal. Sem dúvida, o tenho como grande amigo. Quando ele jogava na Inglaterra, me convidou para ir em sua casa. Não temos tido muito contato, a última vez foi há um ano. Mas mesmo com a distância a amizade não diminui.
No fim de 2013, Betão deixou a Ponte Preta, onde jogou de setembro a dezembro daquele ano. Desde então está sem atuar. Ouviu algumas propostas para disputar o último Campeonato Paulista, mas o desejo de não voltar às idas e vindas do futebol o impediu.
— Não iria morar seis meses em uma cidade, ficar longe da família, para depois ter de retornar e novamente procurar um clube. Também recebi proposta de um clube da Série B. Soube, porém, que tem atrasado salários e não fui para não ter dor de cabeça.
No mercado
Ele afirma que sempre estranhou este lado impessoal do futebol, em que muitos jogadores convivem diariamente em um clube e, quando surge uma proposta, muitos saem para nunca mais se encontrar.
— Na correria não paramos para pensar nisso, mas é estranho. Você compartilha experiências com alguém, que é humano, não uma máquina, como muitos pensam que os jogadores são. De repente ele vai embora para outro clube e você nunca mais ouve falar dele. Um dia se lembra do fulano e fala: onde ele foi parar? Então faz uma busca na internet.
Betão tem feito treinamentos específicos em uma academia. E fala com bom humor da surpresa que causa nos torcedores que o reconhecem na rua. Segundo o jogador, ainda são muitos, graças à popularidade adquirida nos tempos de Corinthians, quando ele viveu o céu e o inferno: foi campeão, em 2005, e caiu para a Série B, em 2007.
— Outro dia eu estava no supermercado, escolhendo cebola. Veio um cara e me falou: Betão? Você...escolhendo cebola! Eu respondi: por quê? Você pensa que porque sou jogador não gosto e não escolho cebola? Demos risada. O mesmo ocorreu em uma fila de banco. O cara pensava que eu não sabia pagar minhas contas!
Sua passagem pela Europa lhe deu muita experiência. Entre 2008 e 2013 atuou pelo Dínamo de Kiev. Ficou alguns meses no francês Evian, antes de voltar ao Brasil. Ele se diz orgulhoso, e preparado para atuar por pelo menos mais quatro anos. Depois, mesmo tendo iniciado um curso de Fisioterapia, seu desejo é, de preferência, atuar no jornalismo esportivo.
— Fiz comentários na Copa para a Fox, no jogo entre França e Alemanha. Gostei muito. Penso, no futuro, em contribuir de alguma maneira com meu aprendizado. Joguei nos mais importantes campeonatos de clubes, algo com que muitos atletas sonham um dia. E meu trabalho foi reconhecido por lá.
Ao se despedir, o jogador volta a atenção para a família, abraça os filhos e a esposa Priscila, sentindo o calor do lar. Está feliz. Mas ficaria ainda mais se pudesse, em breve, reencontrar o calor da torcida. Kiev, e o frio, fazem parte do passado. O momento é outro, é olhar para o céu azul brasileiro na expectativa de voltar aos gramados. Antes, porém, o dia a dia: Betão sai para fazer umas comprinhas ao lado. Agora, ele está no mercado. Nos dois sentidos.