Com festa e sem brigas: organizado, futebol de várzea reduz a violência
Em processo contínuo de pacificação, campeonatos amadores de SP excluem times 'briguentos'; “ninguém quer ser expulso das copas”, diz organizador
Futebol|Cesar Sacheto e Guilherme Padin, do R7
Durante um período de transição para a organização e o profissionalismo, o futebol de várzea eliminou, na última década, um aspecto negativo que quase sempre lhe era atribuído: a violência.
Uma visita a qualquer jogo dos grandes campeonatos amadores de São Paulo comprova o objetivo alcançado. Nas arquibancadas e dentro de campo, as rivalidades seguem vivas, mas a paz também se faz presente.
Veja também: Campeonato de várzea movimentou mais público que o Carioca 2018
“A várzea vem vivendo um processo de pacificação nos últimos anos. As equipes passaram a responder pelos atos de suas torcidas. Então, se existe briga na torcida, a equipe é punida”, diz Lucas Ribeiro, jornalista que cobre a várzea há cinco anos.
“Diminuiu bastante [a quantidade de brigas]. Por conta das punições. Se um jogador agride alguém, ele fica fora das dez grandes copas que acontecem na cidade. E ninguém quer ser expulso das principais copas”, afirma Sérgio Ricardo 'Pioneer', responsável pela Super Copa Pioneer, um dos principais campeonatos varzeanos de São Paulo.
Veja também: Campo de Marte preserva ‘oásis’ do futebol de várzea em São Paulo
Chamado de 'O organizador', um grupo com dez dos principais torneios da capital paulisa define regras punitivas aos times e torcidas que arrumam confusão. A depender do tamanho das brigas, a punição pode ir da exclusão ao campeonato no qual se passou o problema até a retirada também nas outas nove copas.
Tirando as brigas%2C a várzea era muito melhor
“Os diretores dos times de várzea hoje fazem um trabalho preventivo, de conscientização, para que os torcedores não cometam infrações”, diz Ribeiro. “Claro que não é sempre que eles conseguem, que existe uma briga ou tumulto de vez em quando, mas isso foi muito minimizado”, completa.
Sérgio relata que “foi um jeito que arrumamos de punição, porque os jogadores recebem pra jogar. Então, se ele for punido, ele perderá dinheiro. Assim, eles estão se precavendo e os torcedores também”.
Veja também: 'Já ganhei R$ 1.200 jogando futebol em um fim de semana na várzea'
A reportagem do R7 esteve nas semifinais e na final da Copa da Paz, um dos campeonatos mais prestigiados de São Paulo. O clima, em geral, era de muita festa entre os torcedores. Se as brigas são cada vez mais raras, a cantoria, os fogos e os sinalizadores não perderam espaço no torneio que faz jus ao nome.
Ninguém quer ficar de fora das principais copas
Bruno Melo, organizador da competição, acredita que as regras não foram o único motivo para a queda nas brigas. “Primeiro de tudo, [a violência diminuiu] porque todo mundo se conhece agora. As pessoas entendem que a várzea é um ambiente para se fazer amizade. Rivalidade é dentro de campo, mas sem briga também. Fora não é mais assim.”
No passado, não era bem assim
Neto de um dos fundadores do tradicional time Nove de Julho e um dos embaixadores da extinta Copa Kaiser — um dos maiores torneios da história da várzea —, Rogerinho 'Ferradura' é um nome muito conhecido no meio do futebol amador.
“Minhas primeiras recordações são do fim da década de 80. Nessa época, tanto em amistosos quanto em festivais, eram comuns as brigas. Sempre rolava. Na mão, com pedaços de pau, com mastro de bandeirinha... Muitas vezes até tiro tinha”, relembra ele, que acompanhou uma fase violenta da várzea.
Rogerinho afirma que, com o surgimento da Copa Kaiser e sua organização e expansão, o número de brigas foi diminuindo ao longo do tempo. Da mesma forma que fazem os torneios na atualidade, “a Kaiser começou a punir os clubes, sendo por brigas dentro ou fora de campo. Ninguém queria ser suspenso. Tiveram só alguns casos de times punidos por brigas. Aos poucos deu uma melhorada”. Saudoso e defensor do futebol amador como era em seu passado, Ferradura defende que “tirando as brigas, a várzea era muito melhor”.
Rivalidades se mantêm vivas
Apesar da violência diminuir exponencialmente, Rogerinho frisa que a rivalidade seguirá viva, principalmente entre as torcidas.
“Essas mudanças diminuíram brigas e criaram amizades. Antes, um rival não tinha relações com o outro. Hoje, isso mudou. Mas a rivalidade nunca vai acabar, mesmo com a modernização. Talvez um pouco dentro de campo. Fora dele, porém, ela segue viva. Isso não vai mudar nunca”, afirma.
Entre a maioria dos entrevistados, duas rivalidades se destacam mais que todas as outras: Nove de Julho (Casa Verde) x Inajar de Souza (Vila Nova Cachoeirinha) e Ajax (Vila Rica) x Sedex (Cidade Tiradentes). O primeiro clássico é composto por duas equipes da zona norte paulista. No segundo, ambos são da zona leste.
Envolvido com o futebol amador desde pequeno, Bruno Melo explica que o surgimento de uma rivalidade varzeana não é muito diferente do que ocorre nos times profissionais.
Veja também: Lazer, comércio e ações sociais: como a várzea ajuda bairros de SP
“As maiores rivalidades do futebol de várzea em SP se dão por conta da localidade. As maiores rivalidades estão entre equipes próximas, sejam elas do mesmo bairro ou da mesma zona. Com a Copa Kaiser, a rivalidade se dava pelas zonas. Ao longo da [Copa] Kaiser os times enfrentavam equipes das mesmas zonas muitas vezes, e então se criou a rivalidade”, diz ele. “Ajax e Sedex, por exemplo, não são tão próximos assim mas acabaram tendo rivalidade por conta de muitos confrontos”.
Times da várzea homenageiam clubes e comunidades nas camisas