Se depender de Jill Ellis, o título brasileiro no Mundial feminino de futebol é apenas uma questão de tempo. Para a vitoriosa ex-treinadora da seleção dos Estados Unidos, o País é "uma mina de ouro" e tem todas as condições de buscar seu primeiro troféu em Copas do Mundo no futuro próximo.
Jill fala com a experiência de quem entende do assunto. Ela tem dois títulos mundiais no currículo. Esta britânica levou os Estados Unidos ao bicampeonato, em 2015 e em 2019, quando as brasileiras caíram nas oitavas de final, diante da anfitriã França.
Ela exaltou o futebol brasileiro e a contratação da técnica Pia Sundhage, de quem foi auxiliar técnica, em teleconferência que contou com a participação do Estado, às vésperas do Prêmio Laureus, o "Oscar do Esporte". Por causa do título mundial, ela concorre na categoria de "Melhor Equipe" e tem como rivais, na cerimônia marcada para a próxima segunda-feira, em Berlim, o Liverpool, a Mercedes (da Fórmula 1) e o Toronto Raptors, campeões da NBA, entre outros.
Nesta entrevista, ela comentou também sobre o crescimento do futebol feminino pelo mundo, o machismo ainda presente na modalidade e não escondeu as risadas quando questionada pelo Estado sobre quem é a melhor jogadora do mundo: Marta ou Megan Rapinoe? Confira abaixo os principais trechos:
Como cidadã britânica, você acha curioso enfrentar o Liverpool disputando a mesma categoria que a seleção americana no Laureus? Tem algum senso de lealdade pelo futebol inglês?
Bem, eu sou torcedora do Manchester United (risos). Quando eu ganhei o prêmio da Fifa, eu estava na cerimônia com o Jürgen Klopp. E disse a ele: 'Você sabe que eu sou uma torcedora do Manchester, né?'. E ele respondeu: 'Não, agora você é uma torcedora do Liverpool'. Eu tenho um imenso respeito pelo que eles estão fazendo e nós precisamos observar os elementos do jogo do Liverpool como um grande modelo para nós. É fantástico estar na mesma categoria que um time tão icônico.
Você esperava a repercussão que recebeu o Mundial Feminino, no ano passado?
Foi um evento maior do que eu esperava. Acho que o momento foi adequado porque as mulheres estão sendo reconhecidas, estão sendo ouvidas. Então, acredito que o nosso time não obteve conquistas apenas no gramado, com o bicampeonato mundial, mas, mais importante, mostrou a força e o poder das mulheres como referências globais, principalmente. Foi mais um sinal de que nosso esporte continua a crescer em nível global.
Como é Megan Rapinoe no vestiário? Por que ela se tornou tão importante para o futebol mundial?
Acho que Megan transcende o esporte em termos de qualidades físicas e técnicas. Ela é obviamente uma jogadora incrível, dinâmica. E, no vestiário, ela é o tipo de atleta que absorve bem o estresse. Acho que a grande virtude dela é que o holofote não a queima. Na verdade, dá energia a ela. É o tipo de pessoa que entrega resultados quando é colocada sob pressão. Para nossas jogadoras mais jovens, é importante ter alguém como Megan, que é muito livre e aberta a todo tipo de demanda e expectativa da nossa seleção.
Você tem um grande currículo, mesmo assim passa por forte escrutínio e frequentemente ouve críticas pelas escolhas que faz nos times em que atua. Na sua opinião, as mulheres sofrem maior escrutínio como treinadoras em comparação aos homens na elite do esporte?
Quando você decide ser treinadora, você precisa entender que não vai entrar num concurso de popularidade. É um trabalho que isola e aliena algumas vezes. É parte do trabalho, independentemente da modalidade e do gênero. Dito isso, eu sinto que as mulheres, e não estou falando apenas daquelas que atuam como treinadoras, geralmente precisam provar seu valor diante de qualquer nível de respeito. Acho que aos homens é dado o benefício da dúvida para trabalhar e se arriscar. E as mulheres meio que precisam alcançar o topo da montanha para conquistar algum respeito. Com muita, muita frequência, um cara é demitido e, em apenas duas semanas, consegue um novo emprego no esporte. Quando uma mulher é despedida, ela meio que vira uma pária por algum momento. É muito diferente. Espero que, com o tempo, possamos mudar isso.
Os homens eram a maioria no comando das seleções femininas no último Mundial. O que você pode dizer às mulheres que querem seguir este caminho após a aposentadoria nos gramados?
Acho que sempre vai haver o desafio de equilibrar as expectativas da vida. É possível fazer tudo. Você pode ser mãe e ser uma treinadora. É preciso ter o apoio de um grupo de pessoas ao seu redor para auxiliar e ajudar no trabalho. As licenças esportivas ajudam bastante nisso tanto para jogadoras quanto para treinadoras. Nos Estados Unidos, estamos tentando criar escolas e instituições que ensinem elas a ter dinheiro e recursos para se manterem após a carreira. Ter uma mulher treinando uma seleção no Mundial é fantástico e quase uma exigência. Alguns discordam disso. Eu, não. Porque acredito que, somente quando fornecemos o acesso e a oportunidade, vamos encontrar pessoas que podem sonhar e perseguir este trabalho.
A seleção brasileira tem como grande referência a atacante Marta. Mas tem dificuldade de aproveitar seu talento para desenvolver a modalidade. Qual conselho você pode dar às federações que pretendem alcançar o mesmo nível de excelência dos Estados Unidos no futebol feminino?
Não acho que esta seja uma situação muito complexa. Acredito que tem tudo a ver com apoio financeiro. A seleção brasileira, por exemplo, faz uma forte preparação para um torneio, mas, após a disputa, o time volta a ficar em estágio dormente. Você precisa ter o financiamento adequado para montar um programa elaborado para a disputa de um Mundial. É preciso ter financiamento e comprometimento para dar o devido apoio às jogadoras para que elas não precisem ter outro trabalho para complementar a renda e fiquem focadas somente no futebol. Se você quer ter consistência em nível mundial, é preciso canalizar os esforços para estabelecer um campeonato nacional. É preciso ter garotas não apenas vendo futebol na televisão, mas também sendo capazes ter um campeonato por perto para ver seus ídolos em campo ou serem capazes de entrar num clube para treinar e jogar. Acho que o apoio a um campeonato nacional deve ser massivo porque vai fornecer os recursos necessários para a seleção. E também é preciso investir para desenvolver suas próprias treinadoras. No final das contas, acho que o Brasil tem clubes de qualidade e sua federação [CBF] é provavelmente uma das mais poderosas e influentes do mundo. Eles contrataram uma grande treinadora. O Brasil é uma mina de ouro. Vocês têm as jogadoras, os talentos e a cultura. Acho que é só uma questão de tempo para vencer Mundiais. Mas isso vai exigir consistência e comprometimento.
Qual a sua opinião sobre a chegada de Pia Sundhage à seleção brasileira?
Eu fui auxiliar técnica da Pia nos Jogos Olímpicos de Pequim-2008 e de Londres-2012. Pia é um ser humano incrível e, com certeza, será uma grande referência para jovens treinadoras no Brasil. Por acaso, conheço uma de suas assistentes, Beatrice, e sei que ela está super empolgada por trabalhar com Pia. Foi uma grande contratação. Pia é alguém que conquistou sucesso em nível global. Ela sabe o que é necessário para tanto e tem uma grande paixão pelo futebol. É a escolha perfeita para um país que ama o futebol. Ela sabe das qualidades das suas jogadoras porque ela já enfrentou o Brasil diversas vezes. Conhece os pontos fortes e provavelmente sabe também onde podem melhorar e evoluir.
Lembra do que mais aprendeu trabalhando com ela?
Foi muita coisa. Acho que o que eu amo em Pia é que ela dá muito apoio aos seus auxiliares e às suas jogadoras. Ela pode estabelecer uma exigência, mas também encoraja você a tentar alcançar sua melhor performance. Sempre há muita energia positive perto dela. Você tem vontade de ir bem por ela. Pia tem um grande coração, mas também pode ser uma competidora forte. Ela sabe das necessidades, mas também sabe como é ser uma jogadora e tem grande paixão pelo jogo.
Em sua opinião, quem é a melhor jogadora do mundo: Marta ou Megan Rapinoe?
Quem você acha? (risos)