Jovens da Fundação Casa jogam no Pacaembu e sonham com futuro
Final da Copa Casa reuniu as unidades de Lorena e Peruíbe após dois meses de competições e deu vislumbre de melhores chances na vida de internos
Muitos veem a Fundação Casa — antiga Febem — como um local sem esperança, onde jovens que cometeram delitos vão não para aprender ou se resocializar, mas para aprender com os demais jovens infratores e sair ainda pior do que entraram. A instituição contraria o pensamento comum e tenta, por diversos meios, se tornar uma escada para uma vida melhor.
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Um dos degraus utilizados é o esporte. Sabemos que falar como o esporte tem o potencial de transformar vidas é chover no molhado, mas se o tema é assim tão óbvio, a utilização dele para a ressocialização de jovens infratores parece escondida da visão do público geral.
A Copa Fundação Casa realizou nesta sexta-feira (15) a grande final de sua 15ª edição entre as unidades de Lorena e Peruíbe, no Estádio Paulo Machado de Carvalho, mais conhecido como — o seu, o meu, o nosso — Pacaembu, logo antes da partida entre Santos e Novorizontino.
Funcionário da Fundação, padrinho da iniciativa e campeão da Copa de 1970, Zé Maria contou que "muitos buscam uma maneira de sair dessa caminhada que eles estão, desse caminho, e o esporte abre portas".
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Portas, estas, que Márcio* busca abrir: "Eu vejo um futuro melhor para mim, eu vou insistir no futebol, porque esse é o meu sonho. Eu sei que vai ser um grande desafio, mas eu vou conseguir vencer. E mesmo fora do campo eu me sinto mais preparado para encarar a vida. Eu tenho fé".
Para isso, ele conta com o apoio da mãe, Patrícia de Oliveira, que foi convidada pelos organizadores do torneio para assistir à partida das arquibancadas e ainda fazer uma surpresa para o artilheiro da competição ao fim do jogo.
As pernas não deixavam que ela escondesse a ansiedade. Balançavam aflitas e chegavam a chacolhar as cadeiras vizinhas no setor amarelo do estádio que foi cenário da Copa de 1950. Aos gritos de "vai amor", "chuta, filho" e "olha lá juiz, pegou ele. Pegou ele!", Patrícia tentava empurrar o time do litoral, que até começou melhor, mas viu suas tentativas ofensivas frustradas pela sólida defesa da equipe vestida de branco.
"Jogar em um em um estádio grande como esse é um sonho que ele sempre teve. Ele sempre fala para mim: Mãe, eu vou chegar lá, você vai ver. Você vai se orgulhar de mim. E eu acredito, porque eu acredito nele", comenta, sorindo.
O filho confirma: "É uma emoção muito grande pra mim poder atuar aqui no Pacaembu. É uma experiência que eu nunca tinha tido antes, entrar em um estádio, ainda mais para jogar".
Zé Maria comprova esta realidade de paixão pelo esporte, mas, ao mesmo tempo, de distância e como isto pode ajudar a criar foco em uma vida melhor: "99% desses jovens nunca entraram em um estádio, então eles estão tendo uma grande oportunidade. A palvra de ordem é: você tem que ser um cidadão de bem, para que você possa usufruir dessa coisa maravilhosa que é o esporte" e ainda complemente: "O esporte é um degrau importante para que eles possam subir e enxergar as oportunidades que aparecem se eles estiverem no caminho certo".
Quem segue à risca este mote é André Lucas*, também jogador do time de Peruíbe, que enxerga um futuro melhor à frente por conta deste passo dado dentro do esporte. Em meio a diversas demonstrações de respeito ao repórter, que deve ter, no máximo, 5 anos a mais do que o jovem e foi chamado de 'senhor' ao menos 10 vezes, ele diz: "Eu sempre gostei de jogar bola. Fazer isso dentro da Fundação me inspira a ser melhor e ajudar meus amigos, meus colegas, meus primos e familiares. Isso aqui me ajuda a falar para os outros, contar por onde eu passei, até na hora de arranjar um novo emprego, não só jogar bola. Isso aqui já me dá uma nova meta para seguir".
Valentim*, de Lorena, também enxerga o impacto positivo que pode ter naqueles que o rodeiam fora da instituição: "Quem gosta de futebol, joga, e isso ocupa um tempo. E, em vez de estar jogando futebol, nós estávamos fazendo outras coisas, coisas erradas, e foi o que aconteceu para chegarmos onde estamos. Acontece com muitos meninos hoje em dia. Eu tenho certeza que o futebol pode afastar essas pessoas desse caminho e das más influências".
Más influências que, também, levaram Márcio ao local onde está hoje. Internado. Mas o caminho de volta já aponta quem serão as luzes que guiarão o jovem ao fim deste túnel: "Minha mãe sempre me dá força, minha equipe, os técnicos e o pessoal da Fundação também". Ele completa, ainda, ao melhor estilo 'jogador de futebol em entrevista pós-jogo': "Eu me dediquei bastante e consegui alcançar a artilharia da competição e, apesar da derrota, é sair com a cabeça erguida e bola para frente".
Ele cita a derrota, pois o placar mostrava 3 a 1 para Lorena, quando o árbitro encerrou a partida. Mas este resultado é o que menos importa para todos ali presentes. Como diz o filho de dona Patrícia, o mais importante é "sair com a cabeça erguida e bola para frente". Para um futuro melhor.
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