Diverticulite de Muricy comprova: profissão de técnico faz mal à saúde
Especialistas analisam os riscos que os treinadores correm com as atribuições do esporte
Futebol|Eugenio Goussinsky, do R7
Uma das profissões de maior risco na atualidade é a de treinador de futebol. Com os clubes falidos, há o risco de não receber pagamentos, como tem acontecido no São Paulo. Com a cobrança da torcida, o risco de perder o emprego. E acima de tudo, o risco à saúde com as exigências cada vez maiores do cargo.
O caso de Muricy Ramalho, que deixou o São Paulo nesta segunda-feira (6) retrata bem o atual estágio do futebol brasileiro. Abalado por uma diverticulite, inflamação no intestino grosso, ele aguentou o quanto pode.
O clínico geral Paulo Russo, do Hospital Leforte, acompanhou o caso à distância e afirma que o drama do ex-técnico são-paulino tem muita ligação com o estresse, que costuma gerar doenças psicossomáticas, entre elas as que afetam o aparelho digestivo.
— O estresse afeta muito a saúde de um treinador, podendo refletir em doenças como hipertensão arterial, do aparelho digestivo e arritmias cardíacas, por exemplo. O próprio Muricy, há algum tempo, teve arritimia.
Durante uma partida, os batimentos cardíacos de um treinador chegam a 150 por minuto. Isto em um período considerado longo, segundo o médico.
—É uma descarga alta de adrenalina durante um bom tempo. E o técnico não consegue gastar essa adrenalina. O jogador também é pressionado, mas ele está correndo, gastando energia. O técnico não. Fica estressado e estático. Seu recurso é gritar.
Muricy Ramalho deixa o comando do São Paulo e vai cuidar da saúde
Além de Muricy, muitos outros são vítimas desta situação. Em 2011, por exemplo, Ricardo Gomes deixou o campo, em meio a um Vasco e Flamengo, vitimado por um AVC (Acidente Vascular Cerebral) que o fez abandonar a função de treinador. No mesmo Vasco, Joel Santana foi hospitalizado, em 2014, com fortes dores abdominais.
Em 1996, Telê Santana, com toda a sua carreira vitoriosa, sofreu um acidente vascular encefálico e nunca mais foi o mesmo até morrer, em 2006. A lista poderia ser ampliada, incluindo outros esportes, como o vôlei, cuja política de bastidores contribuiu para um câncer no rim em Bernardinho, conforme ele mesmo declarou no fim de 2014.
Para o neurologista Antônio Flávio Yunes, do Hospital Bandeirantes, o ritmo cardíaco de um treinador se assemelha ao de um piloto de Fórmula-1 em uma curva perigosa.
— A adrenalina não é boa para certos órgãos. Influencia no sistema digestivo, por exemplo. O Muricy fez o certo. Ele tem uma doença que responde mal ao estresse e não deveria continuar exposto a isso.
Yunes lembra que casos como o de Ricardo Gomes e de Telê Santana também podem ser creditados em boa parte à pressão futebolística.
— UM AVC é imprevisível, pode acontecer a qualquer momento. Mas as exigências do futebol podem potencializar a sua ocorrência, já que aumentam a pressão arterial, os batimentos cardíacos e podem provocar esta ocorrência.
Ele argumenta com base em algumas pesquisas sobre a relação entre a pressão arterial e o comportamento cerebral.
— Quando a pressão arterial aumenta, o órgão que mais sofre é o cérebro, já que 20% do sangue que sai do coração vai para o cérebro.
Não é só durante as partidas que o risco está presente. No dia-a-dia, ele também existe. É quando o treinador se desdobra para administrar cobranças de torcedores, interesses de dirigentes, insatisfações de jogadores e ainda ter cabeça para pensar em métodos de treinamento e estratégias de jogo que, necessariamente, levem às vitórias.
Baseado nisso, Yunes diz que é fundamental ele não levar esses problemas para casa. É lá que o treinador poderá se recuperar minimamente deste turbilhão. Se a sua vida pessoal estiver conturbada, o perigo é ainda maior.
— Se a pressão no futebol já é alta, o técnico tem de lidar, como qualquer um, com seus problemas pessoais. Se ele tiver uma vida tranquila em família, dormir bem, ter bom relacionamento social, ir beber uma cervejinha com amigos, ele poderá contrabalançar esse estresse com uma qualidade de vida adequada.
O dr. Russo acrescenta ainda a importância de o treinador fazer atividades físicas, já que a maioria deles, sedentária, possui gordura abdominal em excesso, o que é um fator de risco, inclusive para anginas e infartos cardíacos.
— Também seria interessante se, como em alguns outros esportes, o treinador dividisse responsabilidades, com funções de treinador de defesa, de ataque. Como existe o treinador de goleiros, que nem é tão pressionado. Isso tiraria o peso sobre uma única pessoa e diminuiria o seu estresse.
Para ele, o desgaste emocional dos treinadores é maior no Brasil do que na Europa. O clínico aponta como causa de estresse a enorme instabilidade profissional no futebol brasileiro, muito maior do que a do europeu, que, em alguns países, tem legislações que impedem a demissão de um técnico durante uma competição.
— Um técnico no Brasil aparenta estar melhor quando o time vence. O Tite agora é só sorrisos, por exemplo (com a boa fase do Corinthians). Mas o risco continua alto, porque a profissão é muito instável. Duas derrotas podem ser a demissão. O preço de um alívio momentâneo é muito alto e não diminui o estresse de uma maneira geral.